Copiarei alguns trechos que considerei determinantes e vou respondê-los pontualmente.
"Sim, trata-se de um grande evento quando o papa ataca o libertarianismo pelo nome."
R:
Não deveria, já que a proposta da Igreja é inerentemente oposta às ideias Liberais e, portanto, Libertárias. Há quem diga que a Igreja condenou apenas o liberalismo, qual, verdadeiro absurdo de se pensar, já que o Libertarianismo nada mais fez do que extremar as posições dos Liberais que a Sé de Pedro tão arduamente perseguiu e condenou. Seria como se a Igreja condenasse fazer carícias lascivas antes do casamento e o humano tolamente perguntasse: 'ahh, ok, amassos não pode, mas e boquete, pode?'
Especialmente para mim, tudo fica ainda mais interessante quando (...) o papa (...) estava atacando explicitamente a linguagem utilizada por mim, por implicação mas sem citação. (...) A segunda edição do meu livro Uma Bela Anarquia: Como Criar Sua Própria Civilização na Era Digital acabou de sair em espanhol (a língua materna do papa), com sólidas vendas. Não seria forçar a barra dizer que meu livro foi o alvo, mas você pode decidir por conta própria.
R:
Não deveria, já que você é o Frei Betto da Direita.
As pessoas são
"parceiras", isto é, "participam" na medida em que a
sociedade as distribui. Como a sociedade é uma realidade participativa para o
intercâmbio mútuo, temos que imaginá-la, ao mesmo tempo, como um todo
irredutível. e como um sistema de interação entre as pessoas. A justiça, então,
pode ser considerada a virtude de indivíduos e instituições que, respeitando os
direitos legítimos, visam promover o bem daqueles que participam.
1. O primeiro
ponto ao qual desejo chamar sua atenção é a expansão, hoje necessária, da noção
tradicional de justiça, que não pode se restringir ao julgamento sobre a
distribuição da riqueza, mas deve ir até o momento de sua Produção. Não basta,
portanto, reivindicar "a justa misericórdia do trabalhador", como o
Rerum Novarum (1891) nos havia recomendado. Também é necessário perguntar se o
processo de produção é ou não realizado de acordo com a dignidade do trabalho
humano; se abraça ou não os direitos humanos fundamentais; se é ou não
compatível com a norma moral. Já na Gaudium et spesé lido no nº 67:
"Portanto, é necessário adaptar todo o processo de produção às
necessidades da pessoa e seus modos de vida". O trabalho não é um mero
fator de produção que, como tal, deve ser adaptado às necessidades do processo
de produção para aumentar a eficiência. Pelo contrário, é o processo de
produção que deve ser organizado de forma a permitir o crescimento humano das
pessoas e a harmonia dos tempos da família e da vida profissional.
Devemos estar
convencidos de que um projeto desse tipo, na sociedade moderna, em parte
pós-industrial, é viável, sempre que desejado. É por isso que a Doutrina Social
da Igreja (DSI) insta a encontrar maneiras de colocar a fraternidade em prática
como um princípio regulador da ordem econômica. Onde outras linhas de
pensamento falam apenas de solidariedade, a DSI fala mais de fraternidade, pois
uma sociedade fraterna também é solidária, enquanto o contrário nem sempre é
verdadeiro, como muitas experiências confirmam. Por consequência, o apelo é
remediar o erro da cultura contemporânea que nos levou a acreditar que uma
sociedade democrática pode progredir separando o código da eficiência - o que
por si só seria suficiente para regular as relações entre os seres humanos na
esfera econômica - e o código de solidariedade - que regularia as
inter-relações na esfera social. Essa dicotomia empobreceu nossas sociedades.
(...)
As estações que
deixamos para trás, o século XIX e, especialmente, o século XX, foram caracterizadas por
árduas batalhas, culturais e políticas, em nome da solidariedade e dos
direitos, e isso foi bom - pense na história do movimento operário e na luta
pela conquista dos direitos civis e sociais - lutas, no entanto, ainda estão
longe de terminar. O que é mais preocupante hoje é a exclusão e a
marginalização da maioria das pessoas de uma participação mais eqüitativa na
distribuição nacional e planetária de bens, tanto de mercado quanto fora de
mercado, como dignidade, liberdade , conhecimento, pertencimento, integração,
paz. Neste sentido, O que faz as pessoas sofrerem mais e leva à rebelião dos
cidadãos é o contraste entre a alocação teórica de direitos iguais para todos e
a distribuição desigual e injusta de bens fundamentais para a maioria das
pessoas. Apesar de vivermos em um mundo onde a riqueza é abundante, muitas
pessoas continuam sendo vítimas da pobreza e exclusão social. Disparidades -
juntamente com guerras de dominação e mudanças climáticas - são as causas da
maior migração forçada da história, afetando mais de 65 milhões de seres
humanos. Pensemos também na crescente tragédia dos novos escravos nas formas de
trabalho forçado, prostituição, tráfico de órgãos, que são verdadeiros crimes
contra a humanidade. É alarmante e sintomático que hoje o corpo humano seja
comprado e vendido, como se fosse uma mercadoria. Quase cem anos atrás, o Papa
Pio XI previu a afirmação dessas desigualdades como resultado
de uma ditadura econômica mundial que ele chamou de "imperialismo internacional
do dinheiro" (Enc.Quadragesimo Anno, 1931, 109). E foi Paulo VI quem
denunciou, quase cinquenta anos depois, a "nova e abusiva forma de
dominação econômica na esfera social, cultural e até política" (Octogesima
Adveniens, 1971, 44).
O fato é que uma
sociedade participativa não pode se contentar com o horizonte de mera
solidariedade e bem-estar, porque uma sociedade que era apenas solidária e de
bem-estar, e não também fraterna, seria uma sociedade de pessoas infelizes e
desesperadas da qual todos tentam fugir, em casos extremos, com suicídio.
Uma sociedade
em que a verdadeira fraternidade se dissolve não é capaz do futuro; isto é, não
é capaz de progredir na sociedade em que há apenas o "dar para
receber" ou "ter que dar". Portanto, nem a visão liberal-individualista
do mundo, na qual tudo (ou quase tudo) é trocável, nem a visão centrada no
Estado em que tudo (ou quase tudo) é obrigação, são guias seguros para nos
levar a superar a desigualdade e exclusão em que nossas sociedades estão
atoladas. Trata-se de procurar uma saída da alternativa sufocante entre a tese
neoliberal e a neo-Estado. De fato, porque a atividade dos mercados e a
manipulação da natureza - ambas guiadas pelo egoísmo, pela ganância, pelo
materialismo e pela concorrência desleal - às vezes não têm limites.
Um segundo
ponto que quero abordar é o conceito de desenvolvimento humano integral. Lutar
pelo desenvolvimento integral significa comprometer-se a expandir o espaço de
dignidade e liberdade das pessoas: liberdade entendida, no entanto, não apenas
no sentido negativo como ausência de impedimentos, nem no sentido positivo
apenas como possibilidade de escolha. Devemos acrescentar a liberdade
"para", isto é, a liberdade de seguir a própria vocação para o bem,
pessoal e social. A ideia principal é que a Liberdade anda de mãos dadas com a
responsabilidade de proteger o bem público e promover a dignidade, a liberdade
e o bem-estar dos outros, até os pobres, os excluídos e as gerações futuras. É
essa abordagem que devemos adotar enquanto perspectiva histórica.
Dentro deste
contexto, a questão do trabalho é colocada. Os limites da cultura de trabalho
de hoje se tornaram aparentes para a maioria das pessoas, mesmo que não haja
convergência de pontos de vista no caminho a seguir para superá-los. O caminho
indicado pelo DSI parte do reconhecimento de que o trabalho, mesmo antes de um
direito, é uma capacidade e uma necessidade irreprimível da pessoa. É a
capacidade humana de transformar a realidade para participar do trabalho de
criação e conservação realizado por Deus e, assim, construir a si mesmo.
Reconhecer que o trabalho é uma habilidade inata e uma necessidade fundamental
é uma afirmação muito mais forte do que dizer que é um direito. E isso porque,
como ensina a história, os direitos podem ser suspensos ou até negados; As
habilidades, não.
(...)
Finalmente, não
posso deixar de mencionar os graves riscos associados à invasão, nos mais altos
níveis de cultura e de educação, tanto nas universidades quanto nas escolas, de
posições associadas ao individualismo libertário. Uma característica comum
desse paradigma falacioso é que ele minimiza o Bem Comum, ou seja, o
"viver bem", a "boa vida" no ambiente comunitário e exalta
um ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a "boa vida".
Se o
individualismo afirma que é apenas o indivíduo quem valoriza as coisas e os
relacionamentos interpessoais e, portanto, apenas o indivíduo decide o que é
bom e o que é mau -, o libertarianismo, tão na moda hoje em dia, prega que,
para fundar a Liberdade e a responsabilidade individual, é necessário recorrer
à idéia de auto-causalidade.
Assim, o
individualismo libertário nega a validade do bem comum, já que, de um lado,
pressupõe que a própria ideia de "comum" implica a restrição de pelo
menos alguns indivíduos, e, de outro, que a noção de "bem" despoje a
liberdade de sua essência.
A radicalização
do individualismo em termos libertários e, portanto, anti-sociais, leva à
conclusão de que cada um tem o "direito" de se expandir até onde seus
poderes e capacidades possam levá-lo, mesmo ao preço da exclusão e
marginalização da maioria mais vulnerável.
Como
restringiriam a liberdade, todos os tipos de laços e amarras teriam de ser
cortados. Ao erroneamente igualarem o conceito de "laço" ao de
"vínculo restritivo", tais pessoas acabam por confundindo o
condicionamento da liberdade - os laços - com aquilo que é a essência da
própria liberdade realizada, a saber, os laços ou relações, familiares ou
interpessoais, com os excluídos e os marginalizados, com o bem comum e, acima
de tudo, com Deus.
O século XV foi
o século do primeiro humanismo. No início do século XXI, a necessidade de um
novo humanismo se tornou cada vez mais clara. Portanto, a transição do
feudalismo para a sociedade moderna foi o motor decisivo da mudança. Hoje, é
uma passagem de período igualmente radical: da sociedade moderna para a
pós-moderna. O aumento endêmico das desigualdades sociais, a questão da
migração, os conflitos de identidade, as novas formas de escravidão, a questão
ambiental, os problemas da biopolítica e da bio-lei são apenas algumas das
questões que falam da agitação de hoje. Diante desses desafios, apenas
atualizar categorias antigas de pensamento ou recorrer a técnicas sofisticadas
de decisão coletiva não é suficiente; é necessário buscar novos caminhos inspirados
na mensagem de Cristo.
A proposta do
Evangelho: "Busque primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e tudo o mais
será dado a você em adição" (Mt 6:33) foi e continua sendo uma nova
energia na história que tende a despertar fraternidade, liberdade , justiça,
paz e dignidade para todos. Na medida em que o Senhor reina em nós e entre nós,
podemos participar da vida divina e seremos um para o outro "instrumentos
da graça para espalhar a caridade de Deus e tecer redes de caridade"
(Encíclica Caritas em veritate). (...)"
Uma ideologia que defendesse tais coisas realmente seria terrível. É difícil imaginar que tal ideologia pudesse um dia se tornar "tão em voga". Mas, obviamente, o papa só consegue um passe livre ao afirmar tais coisas porque ele define o libertarianismo de uma maneira caricata, a qual faz com que essa filosofia seja incrivelmente fácil de ser atacada.
R:
Não, não. O papa apenas e tão somente conseguiu (o que não é grande proeza) captar a essência axiológica de uma ideologia nefasta que recorrentemente é rejeitada pela Igreja.
Permita-me oferecer a minha própria e extremamente sucinta definição de libertarianismo. Trata-se da teoria política que diz que a liberdade, a harmonia e a paz servem ao bem comum de maneira mais efetiva que a violência e o controle estatal. O libertarianismo defende uma regra normativa: sociedades e indivíduos não devem ser molestados em suas associações voluntárias e em seus relacionamentos comerciais caso não estejam ameaçando fisicamente terceiros.
R:
O único problema é que esse não é, nem nunca será, a interpretação católica. A Igreja compreende que não apenas a existência do Estado, mas também sua intervenção não-necessariamente anuente nas relações privadas em todas as esferas é imprescindível para a tutela do Bem-Comum, da Liberdade não degenerada, para a Busca da Verdade e do Fim-Último do homem.
Isso é atestado pelo Magistério Perene da Santa Igreja e eu poderia copiar e colar trechos aqui das Encíclicas (dentre toneladas de outras existem) que falam sobre direitos trabalhistas como jornada de trabalho, salário mínimo, regulação de idade, obrigação dos Estados com relação aos Princípios do Bem-Comum, Subsidiariedade, Associação, Participação, Destinação Universal dos Bens, Solidariedade, Dignidade e Respeito à Vida Humana: legislando e fiscalizando, tutelando a dignidade e servindo de Suporte ao Poder Espiritual na sua Vigília pelas Almas, sua condenação do que foi descrito como "capitalismo selvagem", aquele sistema no qual há "individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano (...) sua regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a justiça social, 'pois há muitas necessidades humanas que não podem atendidas pelo mercado'", ainda condenação da liberdade empresarial irrestrita, o papel do Estado na tutela moral, na Verdade e na Salvação das Almas, as considerações sobre a liberdade religiosa, de expressão, de manifestação, de informação, de associação, do Bem-Comum, mas é tanta coisa e teria tanto material pra citar, que nem vale a pena, rs....
Contudo, para ajudar - pois sou benevolente - vou deixar aqui as principais Encíclicas que eu lembrei de cabeça que condenam frontalmente a percepção ideológica do Libertarianismo:
• Carta Famuli vestrae pietatis - Papa São Gelásio I (494) [Denz. 347,348]
• Carta ao Abade Mellitus (600-610) - Papa São Gregório I
https://www.ccel.org/ccel/bede/history.v.i.xxix.html
• Bula Ad Abolendam - Papa Lucius III (1184)
https://doaj.org/article/0abfd59c493f479eb5a9b4b33715d5d2
• Sicut universitatis - Papa Inocêncio III (1198)
http://www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_1198-10-30__SS_Innocentius_III__Sicut_Universitatis_Conditor__IT.doc.html
• Vergentis in senium - Papa Inocentius III (1199)
https://doaj.org/article/0abfd59c493f479eb5a9b4b33715d5d2
• Carta Apostolicae Sedis Primatus - Papa Inocentius III (1199)
• Bula Deliberatio Domini - Papa Inocentius III (1200)
• Bula Venerabilem fratrem - Papa Inocentius III (1201)
https://www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_1201-03-01__SS_Innocentius_III__Venerabilem_Fratrem__IT.doc.html
• Aeger cui Lenia - Papa Inocêncio IV, 1245
• Bula De Carnibus comedendis in Festis Sancti Edward - Papa Alexandre VI, 12/06/1256:
• Bula Fuit olim tam - Papa Bonifácio VIII, 16/04/1299:
• Bula Unam Sanctam - Papa Bonifácio VIII (1302)
https://www.papalencyclicals.net/bon08/b8unam.htm
http://www.montfort.org.br/bra/documentos/decretos/unamsanctam
• Licet juxta doctrinam - João XXII (1327)
http://www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_1327-10-23__SS_Ioannes_XXII__Licet_Iuxta_Doctrinam__IT.doc.html
• Bula Inducit Nos - Papa Sisto IV, 01/03/1476:
• Bula Exsurge Domine - Papa Leão X (1520)
https://www.veritatis.com.br/exsurge-domine-leao-x-15-06-1520/
• Bula Statuta nobilis artis agriculturae urbis - Papa São Pio V, 18/09/1566:
• Catecismo Romano do Papa São Pius V de 1566
http://www.obrascatolicas.com/livros/Catecismo/Catecismo%20Romano%20Sao%20Pio%20V%20Ed%20Servico%20de%20Animacao%20Eucaristica%20Mariana.pdf
• Bula In eam pro nostro Pastorali officio - Papa São Pio V, 28/01/1571:
• Bula Detestabilis Avaritia - Papa São Pio V, 21/10/1586:
• Inter Multiplices Pastoralis Officii - Papa Alexandre VIII (1690)
http://www.csun.edu/~hcfll004/Inter_Multiplices.html
• Encíclia A Quo Primum - Papa Bento XIV, 14/06/1751:
• Breve Quod Aliquantulum (1791) - Papa Pio VI (Carta aos Bispos Franceses Integrantes da Assembleia Nacional)
https://www.vatican.va/content/pius-vi/it/documents/breve-quod-aliquantum-10-marzo-1791.html
• Bula Auctorem Fidei - Papa Pio VI (1794)
http://www.vatican.va/content/pius-vi/it/documents/bolla-auctorem-fidei-28-agosto-1794.html
• Carta Apostólica Post tam Diuturnitas - Papa Pio VII (1814) (dirigida aos Bispos de Troyes condenando a liberdade de cultos e de consciência estabelecida pela Constituição de Luis XVIII)
https://archive.org/details/lettresapostoliq00cath
• Mirari Vos - Papa Gregório XVI (1832)
https://w2.vatican.va/content/gregorius-xvi/it/documents/encyclica-mirari-vos-15-augusti-1832.html
• Qui Pluribus - Papa São Pio IX (1846)
https://w2.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/enciclica-qui-pluribus-9-novembre-1846.html
• Immortale Dei - Papa Leão XIII (1885)
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_01111885_immortale-dei.html
• Papa Pio IX - Carta Apostólica Tuas Libenter (1863)
http://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/epistola-tuas-libenter-21-decembris-1863.html
• Encíclica Quanta Cura e o Syllabus - São Pio IX (1864)
http://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/encyclica-quanta-cura-8-decembris-1864.html
• Concílio Vaticano I – Constituição Dogmática Dei Filius (1870)
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/i-vatican-council/documents/vat-i_const_18700424_dei-filius_it.html
• Encíclica Etsi multa luctuosa - Pio IX (1873)
http://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/enciclica-etsi-multa-21-novembre-1873.html
• Encíclica Quod Apostolici muneris - Papa São Leão XIII (1878)
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/it/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_28121878_quod-apostolici-muneris.html
• Diuturnum Illud - Papa São Leão XIII (1881)
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_29061881_diuturnum.html
• Humanum Genus - Papa São Leão XIII (1884)
http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_18840420_humanum-genus.html
• Encíclica Libertas praestantissimum - Papa São Leão XIII (1888)
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/es/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_20061888_libertas.html
• Encíclica Testem Benevolentiae - Papa São Leão XIII (1899)
https://www.vatican.va/content/leo-xiii/la/letters/documents/hf_l-xiii_let_18990122_testem-benevolentiae.html
• Encíclica Annum sacrum - Papa São Leão XIII (1899)
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_25051899_annum-sacrum.html
• Sapientiae Christianae - Papa São Leão XIII (1890)
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_10011890_sapientiae-christianae.html
• Leão XIII - Rerum Novarum (1891)
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html
• Encíclica E Supremi - Papa São Pius X (1903)
http://www.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_04101903_e-supremi.html
• Encíclica Il Fermo Proposito - Papa São Pius X (1905)
http://www.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_11061905_il-fermo-proposito.html
• Encíclica Iucunda Sane - Papa São Pius X (1904)
http://www.vatican.va/content/pius-x/la/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_12031904_iucunda-sane.html
• Encíclica Ad Diem Illum Laetissimum - Papa São Pius X (1904)
http://www.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_02021904_ad-diem-illum-laetissimum.html
• Encíclica Vehementer Nos - Papa São Pius X (1906)
http://www.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_11021906_vehementer-nos.html
• Allocutio Gravissimum apostolici muneris - São Pius X (1906)
http://www.vatican.va/content/pius-x/la/speeches/documents/hf_p-x_spe_19060221_gravissimum.html
• Encíclica Pascendi Dominici Grecis - São Pio X (1907)
http://w2.vatican.va/content/pius-x/pt/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html
• Lettera Alla Direzione Provvisoria Dell' Unione Economico Sociale Per I Cattolici Italiani - Papa São Pio X (20 de Janeiro de 1907)
http://www.vatican.va/content/pius-x/it/letters/documents/hf_p-x_let_19070120_unione-economico-sociale-cattolici.html
• Encíclica Communium rerum - Papa São Pius X (1909)
http://www.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_21041909_communium-rerum.html
• Carta Apostólica Notre Charge Apostolique - Papa São Pio X (1910)
http://www.totustuustools.net/magistero/p10notre.htm
• Encíclica Editae saepe Dei - Papa São Pius X (1910)
http://www.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_26051910_editae-saepe.html
• Motu proprio Sacrorum Antistitum - Papa São Pius X (1910)
http://www.vatican.va/content/pius-x/la/motu_proprio/documents/hf_p-x_motu-proprio_19100901_sacrorum-antistitum.html
• Encíclica Notre charge apostolique - São Pius X (1910)
https://www.papalencyclicals.net/pius10/p10notre.htm
• Encíclica singulari quadam - São Pius X (1912)
https://www.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_24091912_singulari-quadam.html
• Catecismo de São Pio X de 1912
https://www.diocese-braga.pt/catequese/sim/biblioteca/publicacoes_online/56/Catecismo_Sao_Pio_X.pdf
• Original Catholic Encyclopedia, sobre as sobre as heresias (1914)
https://www.newadvent.org/cathen
• Ad Beatissimi - Papa Bento XV (1914)
http://www.vatican.va/content/benedict-xv/en/encyclicals/documents/hf_ben-xv_enc_01111914_ad-beatissimi-apostolorum.html
• Encíclica Ubi Arcano Dei Consilio - Papa Pius XI (1922)
http://www.vatican.va/content/pius-xi/en/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19221223_ubi-arcano-dei-consilio.html
• Encíclica Quas Primas - Papa Pius XI (1925)
https://www.vatican.va/content/pius-xi/la/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_11121925_quas-primas.html
• Encíclica Divini Illius Magistri - Papa Pius XI (1929)
https://www.vatican.va/content/pius-xi/la/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-illius-magistri.html
• Encíclica Quadragesimo anno - Pio XI (1931)
http://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno.html
• Non abbiamo bisogno - Papa Pio XI (1931)
http://www.vatican.va/content/pius-xi/it/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310629_non-abbiamo-bisogno.html
• Encíclica Firmissimam Constantiam - Papa Pius XI (1937)
https://www.vatican.va/content/pius-xi/la/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370328_firmissimam-constantiam.html
• Encíclica Divini Redemptoris - Papa Pius XI (9 de março de 1937)
http://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html
• Mit brennender Sorge - Papa Pio XI (1937)
http://www.vatican.va/content/pius-xi/en/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_14031937_mit-brennender-sorge.html
• Discorso di Su Santità Pio XII ai Parroci e ai Quaresimalisti di Roma - Papa Pio XII (1944)
http://www.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1944/documents/hf_p-xii_spe_19440223_inscrutabile-consiglio.html
• Alocución à Azione Cattolica - Papa Pius XII (29 de abril 1945)
• Menti Nostrae - Papa Pio XII (1950)
http://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-xii_exh_19500923_menti-nostrae.html
• Papa Pio XII - Humani Generis (1950)
http://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_12081950_humani-generis.html
• Discours du Pape Pie XII aux Participants au Congrès International d'Histopathologie Du Système Nerveux - Papa Pio XII (1952)
http://www.vatican.va/content/pius-xii/es/speeches/1952/documents/hf_p-xii_spe_19520914_istopatologia.html
• Encíclica Fidei Donum - Papa Pio XII (1957)
http://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_21041957_fidei-donum.html
• Ad apostolorum principis - Papa Pio XII (1958)
http://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_29061958_ad-apostolorum-principis.html
• Mater et Magistra - São João XXIII (1961)
http://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_15051961_mater.html
• Pacem in Terris - Papa João XIII (1963)
http://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem.html
• Gaudium et Spes - Concílio Ecumênico Vaticano II (1964)
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html
• Lumen Gentium - Concílio Ecumênico Vaticano II (1964)
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html
• Populorum Progressio - Paulo VI (1967)
http://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html
• Sínodo dos Bispos: A Justiça no Mundo (1967)
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_19711130_giustizia_po.html
• Humanae Vitae - Papa Paulo VI (1968)
http://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html
• Octogesima Adveniens - Papa Paulo VI (1971)
http://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_letters/documents/hf_p-vi_apl_19710514_octogesima-adveniens.html
• Evangelii Nuntiandi - Papa Paulo VI (1975)
http://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi.html
• Redemptor Hominis - Papa São João Paulo II (1979)
http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_04031979_redemptor-hominis.html
• Laborem exercens - São João Paulo II (1981)
http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091981_laborem-exercens.html
• Carta de Los Derechos de La Familia - Papa São João Paulo II (1983)
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/family/documents/rc_pc_family_doc_19831022_family-rights_sp.html
• Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia - Papa São João Paulo II (1984)
http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_02121984_reconciliatio-et-paenitentia.html
• Instrução Libertatis Conscientia - Papa São João Paulo II (1986)
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19860322_freedom-liberation_po.html
• Sollicitudo Rei Socialis - Papa São João Paulo II (1987)
http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30121987_sollicitudo-rei-socialis.html
• Centesimus Annus - Papa São João Paulo II (1991)
http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_01051991_centesimus-annus.html
• Catecismo da Igreja Católica (1992)
http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html
• Tertio Millennio Adveniente - Papa são João Paulo II (1994)
http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19941110_tertio-millennio-adveniente.html
• Evangelium Vitae - Papa São João Paulo II (1995)
http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae.html
• Compêndio da Doutrina Social da Igreja de São João Paulo II (2004)
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html
• Deus Caritas Est - Papa Bento XVI (2005)
http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est.html
• Caritas in Veritate - Papa Bento XVI (2009)
http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate.html
• Evangelii Gaudium - Papa Francisco (2013)
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html
• Laudato si' - Papa Francisco (2015)
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
• Fratelli Tutti - Papa Francisco (2020)
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html
• Escritos dos santos e doutores da Igreja: São Clemente de Alexandria - Stromata I, cap. 27; São Jerônimo - Comentário sobre Jeremias, cap. 22; Santo Agostinho - Contra Faustum Manicheum; São Tomás de Aquino - Summa Theologiæ - Secunda Secundae [Tratado Sobre a Fé; Questão 11: Da Heresia and Tratado da Justiça II; Questão 64: Do homicídio; Suma Contra os Gentios. III, CXLVI, 4(3196)]; Santo Hilário de Poitiers - Evangelium Matthaei Commentarius - Cap XXXII; São Thomas More - A Man for All Season; Francisco Suárez - De homicidio in defensionem propriae personae; São Roberto Belarmino - De Laicis/Tratado sobre o Governo Civil, Cap. 13; Santo Afonso Maria de Ligório - Instruções para o Povo, Cap. V e Teologia Moralis, no tratamento do Quinto Mandamento; São Bernardo de Clairvaux - In Praise of the New Knighthood.
Mas será que essa visão é estranha ou exótica, perigosa ou radical, ao ponto de que a ascensão de tais pensamentos realmente constitui uma "perigosa invasão da cultura", como disse o pontífice? Não creio. São Tomás de Aquino, por exemplo, escreveu essencialmente isto em sua Suma Teológica (2; 96:2): 'Ora, a lei humana é feita para a multidão dos homens, composta em sua maior parte por homens de virtude imperfeita. Por isso, ela não proíbe todos os vícios — dos quais só os virtuosos se abstêm —, mas só os mais graves, dos quais é possível à maior parte da multidão se abster. E proíbe principalmente os vícios que causam dano a outrem, ou aqueles sem cuja proibição a sociedade humana não pode subsistir; assim, a lei humana proíbe o homicídio, o furto e atos semelhantes.'
R:
VOCÊ não acha? Vamos lá:
Isso é fé protestante de cristão desigrejado. A Igreja Católica não pensa dessa forma.
A Igreja Católica Apostólica Romana é Igreja (ekklesia) porque é Esposa (Ap 21:9, 19:7, 21:2, 22:17; Mt 25:1-13) e Corpo Místico de Cristo (I Co 6:15, 12:27, Ef 4:12, Cl 2:17, Hb 10:10), fundada por Nosso Senhor quando disse ao nosso Summo Pastor que "tu és Pedro e sobre esta Pedra edificarei minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão (Non prævalebunt) contra ela" (Mt 16:17-18). É composta pelos lavados e remidos pelo Sacrifício Salvífico da Cruz (I Co 6:11), separada dos pecadores como o joio do Trigo, congregada e sintetizada na união da caridade com os demais remidos como membros conectados formando uma assembleia de uma só unidade (Mt 13:24-30, Hb 7:26, Gl 5:4, Rm 1:1, I Co 12:12-31). É Católica (katholikos) porque é a Salvação endereçada à Universalidade dos seres humanos (Atos 10:1-35, 15:1-12, 20:21, Ro 3:9, I Co 12:13, 1:24) e porque o arcabouço do Cristianismo compõe uma Totalidade de pensamentos de Fé que não admite existência de heresias (haerĕsis; escolhas seletivas) (I Co 11:19, Ef 4:14, Gl 1:8-9, 1:16-17, I Tim. 6:3-5, Col 2:8, Tit 3:10). É Apostólica porque é estruturada na Fé de que criou Jesus um Magistério através de 12 bispos que ele separou dos discípulos seguidores comuns (Mateus 10:2-4, Jo 6:70). A esses 12, ele entregou uma unção diferente - o Sacramento da Ordem (Mt 26:26-28, I Tm 3:1) - e a eles enviou pelo mundo (Mc 16:15) ungindo-os com o Espírito Santo (Jo 14:16) e com a Autoridade do munus apostolicus para falar em seu nome e para representarem e serem embaixadores de Cristo na Terra (Mateus 10:1, 16:19, 28:19-20; II Co 5:20; I Co 3:9; 4:1; I Pe 5:1-3; I Tito 1:6-13). Tem assim a Igreja in docendo a competência para conservar e ensinar/dizer o depositum fidei (I Tim 4:13, I Tm 3:1, 4:6, I Co 11:2, 11:23-24, 12:28, Hb 13:7, 13:17; Ef 4:11-16; II Ts 3:6; Tg 3:1) e para alterar a organização das coisas na Ordem da Graça ("o que ligares na Terra será ligado nos céus, o que desligares na Terra será desligado no céu") (Mt 16:19; Mt 18:15-17; I Co 5:3-5; I Co 5:11-13; I Co 5:2; Ef 4:11-16). Para administrar e reger a Igreja e suas coisas (I Tm 5:17, 5:21; At 11:30, 12:28, Hb 13:7, 13:17, I Tito 1:6-13, I Ts 5:12-13; II Ts 3:6), para expandir a mensagem de Cristo, enfrentando o mundo e o Inimigo (Mc 16:15-16; Mt 28:18-20; Rm 10:10-17; At 2:38-40; I Co 9:22; Mt 9:37-38, 24:14; 2 Co 4:5), para transmitir a autoridade que receberam a outros (At 14:23; 15:22; 2 Tm 2:2), assim como para supervisionar, presidir, conduzir, servir, atender, inspirar, admoestar, consolar, cuidar e podar o rebanho de Cristo, a Igreja in credendo (At 20:28-31, I Co 11:2, 11:23-24, 12:28; Hb 10:25, 13:7, 13:17, I Pe 5:1-3; Ef 4:11-16; I Ts 2:7-12, 5:12-13; II Ts 3:6; II Co 13:10; Tg 3:1). A 1 padre dentre esses 12, Ele Escolheu para liderar a Igreja e falar por todos, apascentando o corpo de Cristo (Mt 16:17-20, Jo 21:15-19, Atos 15:7, 20:28). Coube, portanto, a esses bispos em comunhão com o Supremo Pontífice que foi martirizado em Roma, e aos sucessores dele (que ocuparam a Cátedra de São Pedro, a partir da mesma localidade, da mesma Sé Apostólica, e por isso é Romana), receberem a Revelação, interpretá-la e dizer a Fé e a Moral de Sempre, guiando o rebanho de Cristo no Processo de Santificação e Iluminando o Caminho de Redenção da Igreja Militante através do Ministério da Intercessão e da tutela do depositum fidei, que dota a Igreja de continuidade histórica. Nesse sentido, o Caminho da Salvação é similar a uma estrada erma, desconhecida que começa a ser percorrida. E O Sagrado Magistério é aquele que, através do depositum fidei, serve para clarificar a estrada. Coloca lombadas, iluminação, construir pontes, sinalizar as curvas, etc... De modo que quanto mais o tempo passa, mais a estrada fica iluminada. O papa não é um presidente do PT que substituiu o do PSL. O papado é uma sucessão apostólica. succedant é um movimento que continua sob a tutela do movimento anterior. Como um jogador de baseball que passa o bastão a outro jogador do mesmo time, que inicia uma nova etapa da corrida, mas sob o movimento anterior do outro jogador. Gozando O Sagrado Magistério de Infalibilidade em matéria de Fé e de Moral, não pode o papa posterior desmentir ou derrubar o que foi ensinado pelo papa anterior, pode apenas e tão somente continuar sob o mesmo movimento. Não é, portanto, a Igreja Católica apenas Agente de Transmissão de Fé, mas também Objeto de Fé. Você tem que crer na Igreja e isso está nos Credos Apostólico e Nicenoconstantinopolitano que os católicos professam em toda missa de domingo e outras solenidades: "Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na Comunhão dos Santos, na Comunhão dos Santos, na Ressurreição da Carne, na Vida Eterna, Amém" (...) "Cremos em um só Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em Um Só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, Gerado do Pai antes de todos os séculos. (...) E na Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica. Confessamos um só Batismo para Remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos; e a vida do mundo vindouro. Amém.". De tal modo que as determinações cumulativas no depositum fidei do Sagrado Magistério da Igreja - desde São Pedro até o papa Francisco - em matéria de fé e moral devem ser seguidas cegamente pelos católicos: "Devemos estar sempre dispostos a acreditar que o que nos parece branco é na verdade preto se a hierarquia da Igreja assim o decidir" - Santo Inácio de Loiola (Fundador da Ordem dos Jesuítas). (Mt 10:40, At 20:28, Ro 1:1, Hb 13:17, I Ti 3:2-7, 5:17, I Tes 5:12-13, Conc. Ecum. Latrão I, II, V, Conc. de Constança, Conc. Bas.-Fer.-Flor.-Roma, Conc. Trento, Conc. Vat. I).
A Igreja do século III não se contrapõe à Igreja do século XIII ou a do século XIX ou a do século XXI. Saindo da abstração e indo para o ponto concreto, o anseio de liberdade "não-agressiva" tão requerida pelos pecadores contrasta com a posição da Igreja, que Santo Tomás de Aquino expõe sistemática e taxativamente. A universalidade da razão tem ligação com o particular. Não é a natureza perpétua da Verdade que muda e sim os objetos particulares aos quais se refere ela.
Numa sociedade como a medieval, podia a Igreja reprimir os pecados mazelados (pedofilia, assassinato) e os intermediários (homossexualidade, roubos, juros abusivos, divórcio, etc.). Não podia - mesmo naquela sociedade ordenada para o cristianismo - punir os pecados veniais da mentira, da gula e outros, pois o nível de santificação geral da população não permitia assim ordenar os dispositivos da Lei Secular. E, na nossa, não podemos punir os intermediários, nem mesmo vários dos mazelados (vide o aborto) e outros. Mas essa limitação prática obedece um princípio-geral que ascende na ordenação progressiva da sociedade à santidade e que usa a repressão como instrumento de efetividade desse objetivo.
Quando os reis atenuavam a justa-repressão sobre os hereges e pecadores, a Igreja atuava insistindo na necessidade de criar leis nesse sentido quando não existiam, apertá-las na medida do necessário quando fossem frouxas ou aplicá-las na prática quando isso não estivesse ocorrendo. E é sob por isso que a Igreja condena, reprime e utiliza todo seu poder e influência para cercear tanto quanto possível a liberdade, por exemplo, do casamento civil gay, da poligamia, do incesto, assim como o fez com o divórcio, com a separação entre Igreja e Estado, com a liberdade de culto aos protestantes, com a liberdade de crença, de imprensa. Por isso considera a Igreja Católica que o Estado tem o dever de prover cátedra para ensino religioso nas escolas públicas, criando elo de ligação entre as crianças (inclusive filhos de ateus) e a própria Igreja, etc, etc, etc.
• I Concílio de Latrão (1123)
https://sourcebooks.fordham.edu/basis/lateran1.asp
• II Concílio de Latrão (1139)
https://www.papalencyclicals.net/councils/ecum10.htm
• III Concílio de Latrão (1179)
http://www.legionofmarytidewater.com/faith/ECUM11.HTM
• IV Concílio de Latrão (1215)
https://www.papalencyclicals.net/councils/ecum12-2.htm
https://sourcebooks.fordham.edu/basis/lateran4.asp
https://www.newadvent.org/cathen/09018a.htm
• II Concílio de Lyon (1275)
https://www.papalencyclicals.net/councils/ecum14.htm
• Concílio de Basileia (1431-1445)
https://www.papalencyclicals.net/councils/ecum17.htm
• V Concílio de Latrão (1513)
https://www.papalencyclicals.net/councils/ecum09.htm
• Concílio de Trento (1543-1563)
https://www.papalencyclicals.net/councils/trent.htm
http://www.montfort.org.br/bra/documentos/concilios/trento
• Concílio Vaticano I (1869-1870)
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/i-vatican-council/documents/vat-i_const_18700718_pastor-aeternus_la.html
Sabemos que herdou o Cristianismo do Judaísmo a legitimidade da pena de morte, que a despeito da Lei "Não matarás." (Ex 20:13), estabelece reiteradas vezes esta pena: “Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão” (Êx 21:23-25); “Quem derramar sangue humano, pelo homem o seu sangue será derramado.” (Gn 9:6), ou ainda Nm 25:19, 35:16, 35:30-31, Ez 33:11, Ex 21:12-17, 22:18-20, Lv 20:2, 20:10-15, Nm 35:22-25, Dt 22:25-27, etc...
Depois de São Paulo de Tarso, São Clemente de Alexandria foi o primeiro padre que conhecemos que discorreu sobre a Pena de Morte, discorrendo em Stromata I, cap. 27 sobre a abordagem teológica e pagã a respeito. Defendeu ele os propósitos dessa pena no orbe cristão seriam a contenção dos punidos e a proteção geral da sociedade. O cristão não tem filautia (amor desordendo) por esta vida, de modo que a pena de morte pode ser vista como uma bênção para o apenado. Ao ser condenado à execução, o réu é pressionado pela morte iminente, tendo oportunidade de se arrepender, além de que não mais cometerá outros pecados perturbadores, sendo poupado de si próprio. São Clemente comparou o papel do juiz ao do médico que amputa um membro doente para salvar a vida do corpo. Visto que as doenças da alma são ainda mais graves, a excisão cirúrgica deve ser aplicada com mais fervor a tais estados. Essa analogia do médico, o santo pegou emprestado (Sêneca - Moral Essays I, Cap. XI) do filósofo romano Sêneca (adicionando esse aspecto de compreensão de piedade ao apenado, o que é ausente no pagão) e será impregnada na consciência da Igreja pelos próximos séculos e séculos, como veremos.
Em 20 de Fevereiro 405, um Bispo de Toulouse chamado de Exsuperium solicitou ao papa Inocentius I instruções a respeito da licitude da participação no julgamento ou execução de penas de casos que implicavam em crimes capitais pelos funcionários do Estado convertidos ao cristianismo. A resposta veio na Epístola XI ad Exsuperium, Episcopum Tolosanum, na qual o papa diz:
“Sobre essa questão, de saber se convém, na prática de crimes capitais, a quem foi administrado o batismo e com poder de sentenciá-la, o fazer, essas restrições não foram determinadas pelas leis dos antepassados. Deve ser lembrado que o poder foi concedido por Deus [aos magistrados] e que, para vingar o crime, a espada foi permitida. Aquele que realiza esta vingança é ministro de Deus (ref. a Rm 13:1-4). Que motivo temos para condenar uma prática que todos consideram permitida por Deus? Defendamos, portanto, o que foi observado até agora, para que não pareçamos atacar a ordem correta ou ir contra a autoridade do Senhor."
Santo Agostinho também promoveu considerações sobre este tema. Diz ele:
“Se por um lado o SENHOR pôs o decreto ‘Não matarás’, por outro estabeleceu reiteradamente a pena capital nos livros da Lei. Não há que se pensar que se actua contra este preceito, quando um homem é morto justamente, mata-o a lei ou Deus, não tu, pois a própria autoridade divina opôs algumas excepções ao princípio de que não é lícito matar um homem. Mas trata-se de excepções em que ordena que se dê a morte, quer por uma lei promulgada, quer por uma ordem expressa que, na ocasião, visa certa pessoa. Mas então aquele que deve o seu ministério ao chefe que manda, não é ele próprio que mata; comporta-se como um instrumento, como a espada para quem a utiliza.
Resta claro ter nos instruído o Senhor a buscar a misericórdia ao intentar proceder contra quem procede no mal (Jo 8:3-11). Não obstante, pelejou Ele contra os desvios da Verdade promovidos pelos fariseus, saduceus e seu séquito de judeus pérfidos. À condução dos enganadores para o mal fora pelo Manso e Humilde de Coração respondida com um açoite para repelir os tais (Jo 2:14-16), exibindo a todos que, em sendo necessário, a violência pode e deve ser empregada como reto instrumento de separação entre as ovelhas sarnentas e as saudáveis.
Por isso, não violaram o preceito ‘não matarás’ os homens que, movidos por Deus, levaram a cabo guerras, ou os que, investidos de pública autoridade e respeitando a sua lei, isto é, por imperativo de razão justíssima, puniram com a morte os criminosos […]. Portanto, à excepção destes a quem é da ordem de matar, quer de uma forma geral por uma lei justa, quer de um modo particular pela própria fonte da justiça que é Deus, aquele que matar um homem, quer se trate de si mesmo, quer se trate de qualquer outro, é arguido de crime de homicídio. (...)
São Paulo diz (Rm 13:2-6) claramente "Por isso quem resiste ao príncipe, resiste à própria ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. É que os detentores do poder não são temidos por quem pratica o bem, mas por quem pratica o mal. Não queres ter medo da autoridade? Faz o bem e receberás os seus elogios. De facto ela está ao serviço de Deus para te incitar ao bem. Mas, se fazes o mal, então deves ter medo, pois para é por algum motivo que ela traz a espada. Porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência." Mais tarde (I Co 5:3-5) instrui a subtração do seio cristão daquele que se faz figo, entregando-se, para destruição, sua carne a Satanás.
Alguns grandes e santos varões, que sabiam perfeitamente que a morte, que separa a alma do corpo, não deve ser temida, baseando-se contudo, no sentimento daqueles que a temiam, puniram alguns pecados com a morte, de modo que fosse suscitado um temor salutar aos vivos, e aos que eram punidos com a morte não causasse dano a morte em si, mas o pecado que podia aumentar, se continuassem a viver (...) Assim, depois de aos [discípulos] ter instruído sobre o que significa amar o próximo como a si mesmos, mesmo até com a infusão do Espírito Santo, que, como tinha prometido, enviou do alto dez dias depois da sua ascensão, não faltaram tais punições, embora muito mais raramente do que no Antigo Testamento (...)
Pedro, desejoso de defender o Senhor, desembainhou a espada e cortou a orelha do perseguidor. Acção que, de forma um tanto ameaçadora, o Senhor reprimiu ao ordenar-lhe: ‘mete a tua espada na bainha’. Serve-se da espada aquele que, sem que lho tenha mandado ou concedido alguma autoridade superior e legítima, se arma para derramar o sangue de alguém. Anteriormente, o Senhor houvera certamente ordenado aos seus discípulos que empunhassem a espada, mas não lhes tinha ordenado que ferissem com ela. [Os discípulos] não conheciam a intenção pela qual o Senhor lhes tinha mandado que levassem armas que não queria que se usassem. Contudo, respeitava a Ele mandar com critério, a estes cumprir, hesitação, o que foi mandado. Deveras não foi a Ordem do Senhor que a espada fosse lançada longe, mas sim guardada. (...) O próprio Senhor repete este ensinamento em Revelação (Ap 13:10) a São João, ocasião em que diz: "Se alguém leva em cativeiro, em cativeiro irá; se alguém matar à espada, necessário é que à espada seja morto. Aqui está a paciência e a fé dos santos." São Paulo reitera com clareza tal entendimento quando enfatiza (Rm 1:32) que "embora conheçam o Decreto de Deus, que declara que os que fazem tais coisas devem ser punidos com a morte; e não somente quem as faz, mas também quem aprova aqueles que as fazem".
(...) Quantos há, temos a certeza, que já antes queriam ser católicos, movidos pela verdade evidente, e todos os dias diferiam sê-lo por respeito a não ofenderem os seus! […] Quantos pensavam que a verdadeira Igreja era o partido de Donato, porque a sua segurança os tornava entorpecidos, altivos e preguiçosos na busca de conhecerem a verdade católica! […] Quantos acreditavam que não havia qualquer interesse em que partido ser cristãos e permaneciam no de Donato, porque nele tinham nascido e ninguém os obrigava a deixá-lo e a passar à [Igreja] Católica!
Por estas coisas, o terror que essas leis infundem, com cuja promulgação os reis servem a Deus no temor, foi muito proveitoso (...) Demonstramos e demonstramos pela experiência que foi proveitoso a muitos serem forçados pelo temor e pela dor, a poderem ser ensinados ou a realizarem por acções aquilo que já antes tinham aprendido por palavras. (...) Os que se encontram nos caminhos e nos cercados, isto é na heresia e no cisma, são obrigados a entrar pelo poder que a Igreja no devido tempo recebeu como dom de Deus, mediante a religião e a fé dos reis. Então, os donatistas não devem censurar porquê razão são obrigados, mas atender a que são obrigados. (...) Sabia Deus quão necessários eram para muitas almas depravadas ou frias o terror destas leis e uma certa moléstia medicinal. Sabia que a obstinação deles não podia corrigir-se com palavras, mas sim com alguma severidade disciplinar […]. Foi promulgada uma lei para que não se permitissem existir a heresia donatista. Tolerá-la parecia uma crueldade superior à dos hereges. (...) Quem infunde algum terror a outro para o repelir, de modo a não fazer mal, faz-lhe, um benefício. Está dito: ‘não resistamos ao mau’ (Mt 5:39); isso foi para que não nos deleite a vingança que alimenta a alma com o mal alheio, não para que negligenciemos a correcção das pessoas”. - Santo Agostinho - Contra Faustum Manicheum
Em 4 de Novembro de 1184, o papa Lucius III diz através da Bula Ad Abolendam:
"Para abolir a depravação pervertida das heresias que no tempo presente tem começado a pulular em várias partes do mundo, deve-se provocar o eclesiástico com vigor, através do qual, com o auxilio do poder imperial, não só seja esmagada a insolência dos hereges nos próprios esforços de sua falsidade, mas também a simplicidade da verdade católica, resplandecendo na santa igreja, mostre-a por toda parte purificada de toda maldição de falsos dogmas.
Por isso, sustentamos com a força de nosso filho caríssimo, Friderici, ilustre imperador dos romanos, sempre augusto, com o habitual conselho de nossos irmãos, [os cardeais], bem como de outros patriarcas, arcebispos e muitos príncipes, que vieram de outras regiões longínquas do império, mediante a promulgação do presente decreto geral, nos erguemos contra os próprios hereges, cuja explicitação de falsidades pervertidas gerou proposições desvirtuadas e, por meio desta constituição, com a autoridade apostólica, condenamos toda a heresia, seja qual for o nome pelo qual é conhecida. (...) determinamos, pela presente ordenação, quanto àqueles que manifestamente foram surpreendidos em heresia, se for clérigo ou se estiver sob a proteção de qualquer ordem religiosa, que seja despojado da prerrogativa de toda ordem eclesiástica, destituído de todo ofício e benefício eclesiástico e entregue ao julgamento do poder secular para ser punido com a pena adequada, exceto se, imediatamente após o erro ter sido descoberto, ele retornar espontaneamente à unidade da fé católica, consentir em abjurar publicamente de seus erros perante o julgamento do bispo local e cumprir com a satisfação correspondente. Por sua vez, o leigo que tiver sido maculado com alguns dos delitos, notórios ou privados, deve ser conduzido ao julgamento do juiz secular para receber a punição devida à qualidade das más ações, exceto se, conforme foi dito antes, tiver abjurado da heresia e cumprido com a satisfação correspondente, logo que regressou à fé ortodoxa."
https://digilander.libero.it/eresiemedievali/decretale_1.htm
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/48532/52451
Um papa vital para o desenvolvimento da Teologia Política Católica e a consciência eclesiológica do Magistério a respeito do papel da Igreja e do Estado na sociedade foi Inocencitius III, considerado o mais importante papa medieval. Inocentius foi notável jurista e canonista, tendo mais de seis mil escritos. Mais do que isso, pela bula Devotioni vestrae de 1210, Inocencitius publicou sua coleção de decretos como tendo força de lei universal para a consulta dos clérigos e juristas e transmitindo-a a Universidade de Bolonha para estudo. Algumas leis e procedimentos jurídicos de Inocencitius, também foram adotados por Reinos e estados e estiveram vigentes até o século XVIII.
Um de seus princípios marcantes foi o utilitatis intersit, ne crimina remaneant impunita ("é de interesse do bem público que os crimes não fiquem impunes"), que significava, que cabe aos governantes e juízes procurar e punir os crimes cometidos em sua jurisdição, não deixando-os encobertos, sendo a base da própria Inquisição estabelecida por Inocêncio e seus sucessores, e, também do sistema inquisitorial. Também criou em 1199 a precursora da Inquisição, através da Vergentis in senium, uma Instituição chamada Inquisição dos legados pontifícios, responsável por julgar e condenar hereges onde os bispos não estavam trabalhando apropriadamente no extermínio da heresia. Diz ele nesta bula:
"A
corrupção do mundo que avança para a velhice não faz apenas elementos
corrompidos exalarem, mas igualmente extingue em um vazio a digníssima reunião
dos que foram criados à imagem e à semelhança do Criador, privilégio cuja
dignidade superior é testemunhada pelas aves do céu e pelos animais de toda
terra, mas que deteriora e é deteriorada pela áspera inação da velhice. De
fato, o muito miserável homem peca ao extremo, e quem não pôde, em si e na
criação do mundo, permanecer no paraíso, dissemina a dissolução à sua volta e
no mundo: esquece o preço de sua redenção levado por razões mundanas, enquanto
se deixa envolver com os laços de questões variadas e vãs, ata a si mesmo com
os nós de suas fraudes e precipita-se num fosso que ele próprio cava. Eis, com efeito,
o rebento iníquo semeando para o inimigo do homem sobre a colheita do Senhor,
eis que as searas germinam, ou melhor, são poluídas com cizânia, o trigo seca e
evanesce em palhas, a traça e a raposa se põem em ação para destruir a flor e o
fruto da vinha do Senhor.
Portanto,
sob o Novo Testamento, a nova prole de Acor rouba a cunha de ouro e o manto,
espólios de Jericó; Abirão, Datã e os detestáveis descendentes de Coré desejam
adorar novos altares com novos incensos de novos turíbulos, enquanto a noite
indica a sabedoria à outra noite, enquanto o cego oferece-se para guiar o cego,
enquanto as heresias pululam e quem oferece a herança divina, desprovido dela,
se torna herege, herdeiro de sua heresia e condenação. Estes são os taberneiros
que misturam água com o vinho e misturam o veneno do dragão no cálice de ouro
da Babilônia, conservando, segundo o Apóstolo, aparentando uma espécie de
piedade, mas negando por completo a sua virtude. No entanto, contra tais
raposinhas que, de fato, possuem diversas aparências, embora todas estejam
mutuamente unidas pelas caudas, já que se reúnem levadas pela vaidade deste
mesmo propósito, em diferentes ocasiões, inúmeros predecessores nossos
tomaram medidas, mas não ao ponto de ter podido aniquilar a peste mortífera,
sobretudo contra este câncer que se espalhou amplamente de modo oculto e que,
agora, abertamente derrama a iniquidade de seu veneno, enquanto, sob a forma
farsesca de religião engana muitos homens simples e seduz alguns astutos,
transformando num mestre do erro quem não tinha sido um discípulo da verdade.
De
fato, nós, que, por assim dizer, por volta da undécima hora, como o pai de
família do evangelho, fomos designados para estar entre os lavradores ou,
melhor, na verdade, acima dos lavradores das vinhas do Senhor Deus, e a quem,
por ofício pastoral, as ovelhas de Cristo foram confiadas, a fim de que não
sejamos vistos como incapazes de capturar as raposas que estão destruindo a
vinha do Senhor, nem afastar os lobos das ovelhas – e por essa razão poderíamos ser merecidamente chamados de cachorros mudos, incapazes de latir e sermos
comparados a maus lavradores e a um mercenário – nós autorizamos medidas um
tanto severas contra os defensores, acolhedores, colaboradores e adeptos dos
hereges; para que, dessa forma, aqueles que por si não podem ser reconduzidos
ao caminho da retidão, sejam, entretanto, confundidos pela condição de seus
defensores, acolhedores, colaboradores e adeptos, e quando eles se virem,
repelidos por todos, que desejem se reconciliar na unidade de todos. (...) Se
os culpados pelo delito de lesa-majestade são punidos em conformidade com os
castigos legais, isto é, punidos com a pena capital e seus bens são confiscados
e a vida de seus filhos é poupada somente por misericórdia, ora, quanto mais se
deve apenar os que se distanciam da Fé no Senhor, ofendendo a Jesus Cristo,
Filho de Deus. Que esses sejam igualmente condenados, pois não é mais grave
ofender a Majestade Eterna que a temporal? Nem de modo algum seja impedida [a
aplicação] do rigor do castigo dos ortodoxos, sob o pretexto de certa aparência
de misericórdia no tocante aos filhos daquele que perdeu seus bens, pois,
segundo o julgamento divino, em muitas circunstâncias, também estes sofrem
temporalmente por causa de seus pais e, conforme as penas canônicas, algumas
vezes, o castigo recai não apenas sobre os criminosos, mas também sobre a
descendência dos que foram condenados."
Definiu o papa Inocencitius que goza a Igreja de plenitudo potestatis (plenitude de poderes) sobre a Igreja, por ser o Vicarius Christi (Vigário de Cristo), desempenhando esse papel sobre o clero, leigos e governantes atendendo a finalidade-última do arrebanhamento dos cordeiros de Cristo à Salvação.
O papa ainda exercia os poderes Direto, sobre os Estados Papais e demais reinos a ele subordinados e Indireto, que consiste na influência de seu poder espiritual que deve se estender a todos os governantes, que são obrigados a ceder a sua interferência em matéria política, in ratione peccati (em razão de pecado), na instituição e dissolução de sociedades, na investidura de legitimidade dos governantes e na mediação de conflitos. As duas espadas que foram trazidas a Jesus e administradas pelo sucessor de São Pedro representam, diz Inocencitius, os Poderes Espiritual e Secular. O Poder Espiritual o papa utiliza diretamente e "a espada temporal", é utilizada pelos governantes para perseguir os inimigos da Igreja, castigar os rebeldes e pecadores e facilitar a tarefa da Igreja na sua tarefa sobrenatural de guiar as almas para o céu. Estava assim posto o preceito de que o sacerdotium gozava de primazia sobre o regnum.
No século XIII, estavam os valdenses atacavam a Igreja, fazendo uma interpretação "pacifista" dos Evangelhos, essas que triunfaram e que conhecemos tão bem, desafiando, portanto, o princípio aplicado pela Igreja da Pena de Morte. Em 1210, o papa Inocentius III condicionou, na DS 795/425, a reabilitação de uma dissidência pacífica desses hereges ao seio da Igreja à profissão da seguinte confissão de fé: "O poder secular pode, sem pecado mortal, cumprir uma sentença de morte, desde que a punição seja executada não por ódio, mas com bom senso, não descuidadamente, mas após a devida deliberação (De potestate saeculari asserimus quod sine peccato mortali potest judicium sanguinis exercere, dummodo ad inferendam vindictam, non odio, sed judicio, non incaute sed consulte procedat)."
Em 1220, o Imperador Frederic II colocou na protótipo da Constituição do Sacro-Império de 1231 a citação final da bula Vergentis in Senium. Em 1231, o papa Gregório IX, sobrinho de Inocentius III, acompanhou, através da Excommunicamus de 1231, a Lei Imperial de Frederico II que condenava hereges à morte na fogueira, estabelecendo que, após condenados por um tribunal eclesiástico, os hereges deveriam ser entregues ao poder secular para receber a devida punição. Diz a Enciclopédia Católica: "Este 'castigo devido' foi a morte pelo fogo para o obstinado e a prisão para a vida do penitente. Em cumprimento a esta lei, vários Patarinis foram presos em Roma em 1231, os obstinados foram queimados na fogueira, os outros foram presos nos mosteiros beneditinos de Monte Cassino e Cava (Ryccardus de S. Germano, ad annum 1231, em Seg . Germ. SS., XIX, 363). Não se deve pensar, entretanto, que Gregório IX tratou os hereges de maneira mais severa do que outros papas. A morte pelo fogo era a punição comum para hereges e traidores naquela época. Até a época de Gregório IX, a tarefa de caçar hereges era dos bispos em suas respectivas dioceses. A chamada Inquisição Monástica foi instituída por Gregório IX, que em suas Bulas de 13, 20 e 22 de abril de 1233, nomeou os dominicanos como inquisidores oficiais para todas as dioceses da França."
Inocencitius discorreu longamente sobre o poder do papado. Na Carta Apostolicae Sedis Primatus de 12 de Novembro de 1199, defende que "a Pedro foi dado o governo não apenas da Igreja Universal, mas também de todo o mundo (Petro non solum universam Ecclesiam sed totum reliquit saeculum gubernandum)" (Denziger: 774-775). Na Bula Sicut universitatis de 30 de Outubro de 1198, diz Inocêncio: "Como Deus, criador de todas as coisas, colocou dois grandes astros no céu, o astro maior para presidir ao dia e o astro menor para presidir à noite, assim no firmamento da Igreja universal, que é chamada com o nome de céu, constituiu duas grandes dignidades: a maior para, como aos dias, presidir às almas e a menor para, como às noites, presidir aos corpos, e estas são a autoridade pontifícia e o poder real. Além disso, assim como a lua recebe a sua luz do sol e na realidade é menor do que este em quantidade e também em qualidade e igualmente em posição e efeito, assim o poder real recebe o esplendor da sua dignidade da autoridade pontifícia; e quanto mais adere à visão desta, mais é ornada de luz maior, e quanto mais se afasta das suas vistas, tanto mais vai perdendo seu esplendor (Denziger: 767-768)".
Desta forma, vemos com clareza que a ordem social defendida pela Igreja Católica é de unidade formal e complementariedade. Existem dois poderes distintos para o governo do mundo, o Poder Temporal (in temporalibus) e Espiritual, tal como no governo do planeta existem dois astros, o sol e a lua. Embora de natureza diversa, os dois poderes devem estar unidos um ao outro, pois só assim podem concorrer para o funcionamento da sociedade, como o sol e a lua ligam-se entre si para o funcionamento da Natureza. Porém, frisa o papa, como a lua é inferior ao sol, assim o poder temporal é inferior ao espiritual, e só brilha quando se aproxima do esplendor da Igreja e de seus objetivos transcendentais.
Em seu sermão inaugural, diz: "Quem sou eu e qual minha linhagem para que eu aceite um lugar acima dos reis? Pois para mim disseram os profetas: “Ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares, e para derrubares, e para destruíres, e para arruinares; e também para edificares e para plantares”. E para mim disseram os apóstolos: “Eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo desligares na terra será desligado no céu”. O sucessor de São Pedro é o Vigário de Cristo, ele foi estabelecido como mediador entre Deus e o homem, abaixo de Deus e acima do homem, menor do que Deus, porém maior que o homem, julgando todos e não sendo julgado por ninguém, a não ser pelo Senhor."
https://catholicism.org/pope-innocent-iii-and-the-marks-of-a-great-papacy.html
Em Bulas como Deliberatio Domini e Venerabilem, que versam sobre o Sacro-Império Romano Germânico, Inocêncio evoca a autoridade do papa sobre o Estado. Arrogando para si a autoridade de interferir no Sacro-Império por duas razões: sua Origem (principaliter), no qual argumenta que o Sacro Império Romano foi transferido (translatio imperii) do então Império Bizantino, em 800, para o Reino Franco pela Igreja. E na sua Finalidade (finaliter), pois é o Imperador coroado e ungido pelo papa para defender a Fé e a Igreja.
"(...)
Mas, por outro lado, os Príncipes devem reconhecer, e atualmente eles
reconhecem, que o direito e a autoridade para examinar a pessoa eleita como rei
(e que deve ser elevado à dignidade de imperador) cabe a nós, que os ungimos,
consagramos e coroamos. Na verdade, é uma regra geralmente aceita que o exame
de uma pessoa pertence àquele que tem o dever de impor as mãos sobre ela. De
fato, então, supondo que os príncipes não apenas estejam com seus votos
divididos, mas também, por unanimidade, elejam um rei sacrílego ou excomungado,
um tirano ou um idiota, um herege ou um pagão, devemos ungir, consagrar e
coroar esse homem? Certamente não! E parece óbvio a partir da lei e dos
precedentes que, se em uma eleição os votos dos príncipes estão divididos,
podemos favorecer uma das duas partes com o devido aviso e depois de uma
adequada espera, e tanto mais quando essa função exige nossa consagração e
coroação. (...)"
É importante citar que Inocentius III representou o ápice do poder papal na Idade Média. Tendo sido um papa não apenas a alicerçar os fundamentos teológicos da Política, mas também por ter sido uma autoridade reconhecida como legítima para deliberar sobre questões religiosas, sem dúvidas, e por demonstrar que sua auctoritas estendia-se também à esfera da dominação temporal, nos termos por ele expostos. Em Venerabilem fratrem, diz: "(...) não só no Patrimônio da Igreja exercemos pleno direito temporal, mas também noutras regiões, dadas certas circunstâncias, exercemos casualmente a jurisdição na esfera secular. Com isso não tencionamos prejudicar um direito de outrem, ou usurpar um poder que nos seja indevido, visto não ignorarmos a resposta que Cristo oferece no Evangelho: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".
"Foi,
portanto, A Missão de dirigir o poder secular, para que este exerça o Serviço
Transcendental que lhe incumbe, outorgada pelo próprio Cordeiro de Deus à Santa
Igreja. Quando, contudo, o poder secular renuncia à direção, maternidade e
docência da Igreja e a concorrência de competências para efeitos da sua
finalidade-mesma, a saber, promover a implantação do Reinado Social do Nosso
Senhor Jesus Cristo - e vemos isso acontecer recorrentemente não apenas em sociedades
pagãs, apóstatas e hereges, mas também em sociedades católicas, cabe à Igreja
sobreviver, resistir, militar pela conversão dos rebeldes à Causa de Cristo,
mantendo sempre um convite aberto para que os governantes ajustem seus
procederes à tarefa que O Senhor lhes convida a executar."
Na Bula Aeger cui lenia, o papa Inocêncio IV argumenta que recebeu o pontífice generatis legatio, por ser o Sucessor de São Pedro, Sumo Sacerdote e Vigário de Cristo, por sua vez, Rei dos reis. Diz: "De fato, o Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, Deus e homem verdadeiro, agindo também como autêntico rei e sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, igualmente revelou de modo claro aos homens [...] que estabeleceu na Sé Apostólica uma monarquia não apenas sacerdotal, mas também real, ao confiar ao bem-aventurado Pedro e aos seus sucessores as rédeas dos impérios celeste e terrestre, como se pode notar de modo evidente em razão da pluralidade das chaves, de maneira que através de uma recebemos o poder sobre a terra e as questões seculares e, pela outra, no céu e a respeito dos assuntos espirituais, a fim de que se entenda que o Vigário de Cristo obteve o direito de julgar sobre toda a Terra. [...]".
Já na Bula Ad Extirpanda em 1252, conclama o Estado a ver seu dever principal como a extirpação da heresia. Disto fluiu a evolução da tortura oficialmente sancionada como parte dos procedimentos inquisitoriais:
"Promulgação de Leis e Constituições que devem ser observadas por Magistrados, e Oficiais seculares contra Hereges, e os cúmplices e protetores deles.
Innocentius, Bispo, Servo dos Servos de Deus, aos Queridos filhos, Autoridades, ou Dirigentes, aos constituídos Conselhos, e Comunidades das Cidades, e de outros lugares pela Lombardia, Romaniola e Marchia Tervisina, Saudação e bênção Apostólica.
Propusemos esforçar junto à preocupação cometida a nós para extirpar a erva daninha da depravação herética do meio do povo Cristão, a que mais abundantemente que o usual brotou, pelo semeá-la mais livremente por estes dias o inimigo do homem tão mais desejadamente, quão mais perniciosamente negligenciarmos que ela vaga visando a morte da semente Católica. Porém os filhos da Igreja, e zeladores da fé Ortodoxa, que desejam, surjam e estejam conosco, deste modo contra os operários da maldade, editamos algumas Constituições para a extirpação da peste herética, que estão contidas regularmente mais abaixo, que devem ser observadas com exata diligência por vós como fiéis defensores da mesma fé. (...)
As Leis e Constituições, porém, são estas. (...)
§.26. Além disto, a Autoridade ou Dirigente seja obrigado a forçar todos hereges, os que tiver capturado, a confessar seus erros expressamente, como convém a verdadeiramente ladrões, homicidas de almas e surrupiadores dos sacramentos de Deus e da Fé Cristã, e a acusar outros hereges, os que conheça, os crentes, os receptadores e os defensores deles, assim como são forçados os surrupiadores e os ladrões das coisas temporais, a acusar seus cúmplices, e a confessar os malefícios que fizeram, até o limite da diminuição de membro e perigo de morte."
No final do século XIII, o papa Bonifacius VIII defendeu a Supremacia Espiritual da Igreja sobre o poder temporal do Estado (e da sociedade), protagonizando embates históricos com o rei da França, Filipe, O Belo.
Por meio de documentos como a Bula Ausculta Fili (Ouça, Meu Filho) e, em 18 de Novembro de 1302, Unam Sanctam (um das Bulas mais historicamente importantes da Igreja), Bonifácio defende o Papel que a Igreja entende como sendo o papel do Poder Espiritual.
É o papado de Bonifacius que marca o embate dos séculos seguintes entre o Estado e a Igreja, que lutam pelo controle da sociedade. Em resposta ao embate entre Filipe e Bonifacius, Filipe termina excomungado e Bonifacius termina acusado pela Corte de Filipe de "criminoso e herege". Em 1303, Bonifacius foi capturado pelo exército de Guillaume de Nogaret (Ministro-Chefe de Filipe) e pela família italiana Collona, que exigiram que ele renunciasse. Em razão da recusa, Sciarra Colonna deu uma sapatada em Bonifacius, que passou um dia inteiro no Trono, emudecido, sem pronunciar qualquer palavra. Bonifacius foi espancado e quase executado, mas foi libertado da prisão onde permaneceu recluso por três dias, sem comer ou beber, depois por uma revolta local a favor do papa. Mas, em decorrência dos ferimentos e do abalo físico, morreu poucos dias depois.
O papa deixa claríssimo que detém a Igreja o controle sobre as "Duas Espadas". A Espada Espiritual é exercida na Igreja pelo clero e a Espada Secular é manuseada pela autoridade civil para o Bem da Igreja mas, sob a orientação do clero, assim a Espada Secular está subordinada à Espiritual, já que esta tem precedência devido a sua grandeza e sublimidade. É o Poder do Estado ordenado e subordinado ao Poder Eclesiástico, pois que as atividades naturais do homem são subordinadas a seu fim-último, que é Deus e a Salvação Eterna. De tal modo que supor a existência de dois poderes - o eclesiástico e o civil - totalmente separados e paralelos, seria pretender que tudo estaria fundado em dois princípios, como defendiam os maniqueus e os cátaros. Assim como no homem a alma deve estar unida ao corpo e é superior a ele e o dirige, assim também, na sociedade, a Igreja e o Estado devem estar unidos, mas de tal forma que a Igreja esteja em situação de superioridade. Da mesma forma que a supremacia da alma sobre o corpo não significa que ela vá exercer funções próprias do corpo, assim também, na sociedade, embora a Igreja tenha a suprema direção, isto não faz com que ela tenha o direito de exercer as funções temporais próprias do Estado. "Embora a alma vivifique o corpo, não cabe a ela digerir nem respirar. Do mesmo modo, a Igreja vivifica a sociedade e o Estado, mas não lhe cabe organizar a vida material nem a administração das coisas terrenas e temporais".
Diz ele que é a "Igreja, una e única, tem um só corpo e uma só cabeça, e não duas como um monstro: é Cristo e Pedro, vigário de Cristo, e o sucessor de Pedro, conforme o que disse o Senhor ao próprio Pedro: 'Apascenta as minhas ovelhas' (Jo 21,17). Disse 'minhas' em geral e não 'esta' ou 'aquela' em particular, de forma que se subentende que todas lhe foram confiadas. Assim, se os gregos ou outros dizem que não foram confiados a Pedro e aos seus sucessores, é necessário que reconheçam que não fazem parte das ovelhas de Cristo pois o Senhor disse no evangelho de São João: 'Há um só rebanho e um só Pastor (Jo 10:16)'. (...) As Palavras do Evangelho nos ensinam: esta potência comporta Duas Espadas, todas as Duas estão em Poder da Igreja: a Espada Espiritual e a Espada Temporal. Mas esta última deve ser usada para a Igreja enquanto que a primeira deve ser usada pela Igreja. O Espiritual deve ser manuseado pela mão do padre; o Temporal, pela mão dos reis e cavaleiros, com o consenso e segundo a vontade do padre. Uma Espada deve estar subordinada à outra Espada; a Autoridade Temporal deve ser submissa à Autoridade Espiritual.
O Poder Espiritual deve superar em dignidade e nobreza toda espécie de poder terrestre. Devemos reconhecer isso quando mais nitidamente percebemos que as Cousas Espirituais sobrepujam as temporais. A verdade o atesta: o Poder Espiritual pode estabelecer o poder terrestre e julgá-lo se este não for bom. Ora, se o poder terrestre se desvia, será julgado pelo Poder Espiritual. Se o Poder Espiritual inferior se desvia, será julgado pelo poder superior. Mas, se o Poder Superior se desvia, somente Deus poderá julgá-lo e não o homem. Assim testemunha o apóstolo: 'O homem espiritual julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado (I Cor 2:15)'.
Esta autoridade, ainda que tenha sido dada a um homem e por ele seja exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de Deus e fundada para ele e seus sucessores Naquele que ele, a rocha, confessou, quando o Senhor disse a Pedro: 'Tudo o que ligares... (Mt 16:19)'. Assim, quem resiste a este Poder determinado por Deus 'resiste à ordem de Deus (Rm 13:2)', a menos que cogite dois princípios, como fez Maniqueu, opinião que julgamos falsa e herética, já que, conforme Moisés, não é 'nos princípios', mas 'no princípio Deus criou o céu e a terra (Gn 1:1)'. Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao Romano Pontífice (Porro subesse Romano Pontifici omni humanae creaturae declaramus, dicimus, definimus, et pronuntiamus omnino esse de necessitate salutis)".
https://www.papalencyclicals.net/bon08/b8unam.htm
http://www.montfort.org.br/bra/documentos/decretos/unamsanctam
Em 1516, a Bula foi reafirmada pelo V Concílio de Latrão: "É necessário para a salvação que todos os fiéis estejam sujeitos ao Pontífice Romano (De necessitate esse salutis omnes Christi fideles Romano Pontifici subesse)" e seu 'espírito' está presente em toneladas de documentos do Magistério, como podemos notar. Diz o The Catholic Encyclopedia: "A bula foi promulgada em conexão com o Concílio Romano de Outubro de 1302, no qual provavelmente havia sido discutida. (...) O original da Bula não existe mais. O texto mais antigo pode ser encontrado nos registros de Bonifácio VIII nos arquivos do Vaticano ["Reg. Vatic.", L, fol. 387]. Também foi incorporado no corpus juris canonici ("Extravag. Comm.", I, vii, 1; ed. Friedberg, II, 1245). A genuinidade da bula é absolutamente estabelecida pela sua inscrição nos registros oficiais dos resumos papais, e sua incorporação no direito canônico. As objeções à sua autenticidade levantadas por estudiosos como Damberger, Mury e Verlaque são totalmente removidas por este testemunho externo. Em uma data posterior, Mury retirou sua opinião." A respeito do teor, diz: "Este é um princípio fundamental [das duas espadas~que surgiu de todo o desenvolvimento, no início da Idade Média, da posição central do papado na Europa Cristã. Ela havia sido expressa desde o século XI por teólogos como Bernardo de Clairvaux e João de Salisbury e por papas como Nicolau II e Leão IX. Bonifácio VIII deu-lhe uma expressão precisa ao se opor ao procedimento do rei francês. As principais proposições foram extraídas dos escritos de São Bernardo, Hugo de São Vitor, São Tomás de Aquino e Cartas de Inocêncio III. Tanto a partir dessas autoridades como das declarações feitas pelo próprio Bonifácio VIII, é também evidente que a jurisdição do poder espiritual sobre o secular tem por base o conceito da Igreja como guardiã do direito moral cristão, portanto, sua jurisdição se estende como no que diz respeito a esta lei".
Portanto, resta notório que a ideia de sociedade que os amantes da "Liberdade" propõe contrasta frontalmente com a Crença da Igreja, a saber, O Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, magistralmente expressado na pena do Apóstolo da Devoção ao Sagrado Coração de Jesus, o jesuíta Henri Ramière, fundador do
Messager du Coeur de Jésus. O padre Ramière, teólogo influente do Concílio Vaticano I, exibe com clareza como a devoção ao Sagrado Corazón de Jesús e Reinado Social de Cristo estão mesclados, de tal forma que as propostas de liberdade e contratualismo que, à época, secularizavam as sociedades eram total e inequivocamente incompatíveis com o Catolicismo de Sempre. Próximo à abertura do Concílio Vaticano I, publicou o
La Soberanía Social De Jesucristo Ó Las Doctrinas De Roma Acerca Del Liberalismo En Sus Relaciones Con El Dogma Cristiano Y Las Necesidades De Las Sociedades Modernas. Diz ele:
"É um Dogma de Fé que Jesus Cristo possui uma Autoridade Soberana sobre todas as sociedades e sobre todas as gentes que as compõem; e, portanto, as sociedades, em sua existência e em sua ação coletiva, mesmo os indivíduos, em sua conduta privada, estão obrigados a se submeter a Jesus Cristo e a observar as suas leis. É a Igreja Católica Apostólica Romana, pois é de Roma que o Sumo Pontífice apascenta o rebanho de Cristo. É a Igreja Católica Romana, pois esta Sagrada Instituição carrega em si própria o ideal daquela sociedade de catolicizar sua Autoridade e O Reinado do Nosso Senhor, expandindo-a sobre todas as potestades (Sl 72:11), sobre 'gregos, judeus (Rm 10:12)', de uma extremidade a outra, até que a voz do Anjo que soa a última trombeta e a voz da Igreja sejam uma só, naquilo que disseram-nos os profetas e Apóstolos: 'E quando o Sétimo Anjo soou a última Trombeta, trovejaram nos céus grandes vozes que bradaram: os reinos deste mundo caíram perante o Nosso Senhor Jesus Cristo e Ele Reinara para sempre (Ap. 11:15) e 'Todo joelho dobrar-se-á e toda língua professará que Jesus Cristo É o Senhor dos senhores pelos Séculos dos séculos. (Rm 14:11; Fl 2:11; Is 45:23)'".
A propósito, para ilustrar como a teologia católica toma a compreensão de si mesma a partir de uma permeabilidade institucional entre o Estado e ela própria, ambos trabalhando em âmbitos funcionais distintos para a colaboração do mesmo fim, cito um exemplo no campo da Arquitetura que ilustra perfeitamente isso. Na entrada da Basílica de São Pedro, em Roma, temos uma praça envolta de duas extensões de colunas chamadas de Colunata de Bernini.
Uma dessas Colunas é chamada de Braço de Constantino e, a outra, é chamada de Braço de Carlos, Magno. As duas colunas protetoras da Igreja: um imperador legalizou o cristianismo, dando início ao processo político que vai culminar com a oficialização do cristianismo como religião Oficial do Império Romano e de sua imperiosidade sobre as religiões pagãs do povo romano. O outro, tomou a Causa Cristã nos braços e deu início a Reforma Carolíngia, dissolvendo a moral, os costumes e as tradições dos povos bárbaros e tornando a ascender politicamente sobre o paganismo, a apostasia e as heresias o catolicismo romano que houvera entrado em declínio com a ruína do Império Romano do Ocidente.
Vistas do alto, as duas colunas com a própria Basílica têm o formato de uma chave, fazendo alusão às chaves dos céus e da Terra entregues por Jesus a São Pedro. Acima dessas colunas, temos as estátuas de 140 santos da Igreja, sustentados pelas referidas colunas do Poder Secular
(Estado) que envolvem a praça. Os santos representam a
ecclesia triunphans (Igreja Triunfante) em conjunção com a
ecclesia militans (Igreja Militante), representada pelos fieis que rezam no chão da praça e que terminam para quem vai chegando com as estátuas dos dois Imperadores, montados a cavalo, no elo de ligação entre as fachadas e o Átrio da Basílica, na chamada Fachada de Maderno.

Segue importantíssima citação deste último Concílio a respeito da Infalibilidade do Sucessor de São Pedro:
"(...) Esta
Santa Sé sempre tem crido no próprio Primado Apostólico que o Romano Pontífice,
como sucessor do Beato Pedro e Príncipe dos Apóstolos, tem sobre toda a Igreja,
está também contido o Supremo Poder do Magistério. Isto é confirmado pela
constante Tradição da Igreja e pelos Concílios Ecumênicos Predecessores, em
particular, aqueles em que o Oriente reuniu-se com o Ocidente no Vínculo de Fé
e Caridade.
Precisamente os Padres
do Quarto Concílio de Constantinopla, seguindo o exemplo dos antecessores,
fizeram esta profissão solene: 'A salvação consiste antes de tudo em Guardar a
Regra da Fé Verdadeira. [...]. E como não é possível ignorar a vontade de nosso
Senhor Jesus Cristo, que disse: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei
minha Igreja' [Mt 16,18], tais palavras encontram confirmação na realidade das
coisas, porque na Sé Apostólica a Religião Católica sempre se conservou
Imaculada a Religião Católica e a Sagrada Doutrina. Não querendo, portanto,
separar-nos dessa fé e dessa doutrina, temos a esperança de merecer perseverar na Única Comunhão Pregada pela Sé Apostólica, porque nela se encontra Sólida,
Íntegra e Verdadeira a Religião Cristã.
No momento em que o
II Concílio de Lyon foi aprovado, os gregos declararam: 'A Santa Igreja Romana
goza do Supremo e Pleno Primado e Principado sobre toda a Igreja Católica.
Primado que com toda sinceridade e humildade, ela reconhece ter recebido, com
plenitude de poder do próprio Senhor Jesus Cristo na pessoa do Beato São Pedro,
Príncipe dos Apóstolos, de quem o Romano Pontífice é sucessor; E a ela cabe,
antes de a qualquer outro, defender a verdadeira fé, assim como também, quando
surgirem questões acerca da fé, cabe a ela defini-las segundo seu próprio
julgamento'. Finalmente, o Concílio de Florença emitiu esta definição: 'O
Romano Pontífice, verdadeiro Vigário de Cristo, é o chefe de toda a Igreja, pai
e doutor de todos os cristãos; e a ele conferiu Nosso Senhor Jesus Cristo, na pessoa
do Beato São Pedro, o pleno poder de apascentar, reger e de governar toda a
Igreja'.
Com o fim de
satisfazer a este múnus pastoral, os nossos predecessores empregaram sempre
todos os esforços para propagar a salutar doutrina de Cristo entre todos os
povos da Terra, vigiando com igual solicitude que, onde fosse recebida, se
guardasse pura e sem alteração. Pelo que os Pontífices Romanos, conforme lhes
aconselhavam a condição dos tempos e as circunstâncias, ora convocando
Concílios Ecumênicos, ora auscultando a opinião de toda a Igreja dispersa pelo
mundo, ora por sínodos particulares ou empregando outros meios, que a Divina
Providência lhes proporcionava, têm definido como verdade de fé tudo aquilo
que, com o auxílio de Deus, reconheceram ser conforme com a Sagrada Escritura e
as tradições apostólicas. De fato, não fora prometido ao Espírito Santo aos
sucessores de Pedro revelar, com sua inspiração, uma nova doutrina, mas para
que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depositum
fidei, ou seja, a revelação transmitida pelos apóstolos. E esta doutrina dos
Apóstolos abraçaram-na todos os veneráveis Santos Padres, veneraram-na e
seguiram-na todos os santos doutores ortodoxos, firmemente convencidos de que
esta cátedra de São Pedro sempre permaneceu imune de todo o erro, segundo a
promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo feita ao príncipe dos Apóstolos: 'Orei
por você, para que sua fé não falhe e, uma vez convertido, confirme os teus
irmãos [Lc 22:32]".
Esse carisma da
verdade e da fé, que nunca falece, foi, portanto, divinamente conferido a Pedro
e aos seus sucessores nesta Cátedra, afim de que exercessem seu sublime encargo
para a salvação de todos, para que todo o Rebanho de Cristo se desviasse das
pastagens venenosas do erro e fosse nutrida com o alimento da doutrina
celestial, para que assim, removida toda ocasião de cisma, e apoiada no seu
fundamento, se conservasse una a Igreja Universal, firme e inexpugnável contra
as portas do inferno.
Mas, como nestes
nossos tempos, em que é particularmente sentida a necessidade da salutífera
eficácia do Ministério Apostólico, muitos há que se opõe a esta Autoridade,
julgamos absolutamente necessário afirmar solenemente esta prerrogativa de que
o Filho unigênito de Deus dignou-se a se vincular ao Supremo Ofício Pastoral.
Portanto,
mantendo-nos fiéis à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a
Glória de Deus, Nosso Salvador, para a Exaltação da Religião Católica e para a
salvação dos povos cristãos, com a aprovação do sagrado Concílio, ensinamos e
definimos como dogma divinamente revelado por Deus, que o Romano Pontífice, ao
falar por ex cathedra, isto é, quando no desempenho do ministério de pastor e
doutor de todos os cristãos, define com sua Suprema Autoridade Apostólica uma
Doutrina referente à Fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da Assistência
Divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a
qual Cristo quis munir a sua Igreja na definição da doutrina sobre a fé e a
moral; Por isto, tais declarações do Romano Pontífice são em si mesmas, e não
pelo consenso da Igreja, irreformáveis. Se alguém, então, tem a presunção de
contrariar esta nossa definição, Deus não permita: Seja anátema!" - I
Concílio Vaticano
Recomendo estudar mais para não cair em heresias quando fala sobre a Santa Madre Igreja.
Já sobre sua tentativa ("eu acho") de colocar o Pensamento dos Sumos Pontífices em oposição a Tomás de Aquino, só posso considerar notória desonestidade intelectual.
Primeiro vamos colocar o trecho a que você se referiu na íntegra:
"Tudo o que existe para um
fim deve ser-lhe proporcionado. Ora, o fim da lei é o bem comum; pois, como diz
Isidoro, a lei deve ser estabelecida para a utilidade comum dos cidadãos, e
não, para a utilidade privada. Por onde, devem as leis humanas ser
proporcionadas ao bem comum. Ora, este consta de muitos elementos, que
portanto, a lei há de necessariamente visar; no concernente às pessoas, aos
atos e aos tempos. Pois, a comunidade civil é composta de muitas pessoas, cujo
bem é buscado por meio de muitas ações. Nem a lei é instituída para durar pouco
tempo, mas para perdurar longamente, através da sucessão dos cidadãos, como diz
Agostinho. (...) À audácia é próprio atacar os outros. Por onde, entra
principalmente em o número dos pecados que causam injúria ao próximo e são
proibidos pela lei humana, como já se disse. (...) A lei humana visa dirigir os
homens para a virtude, não súbita, mas gradativamente. Por isso não impõe
imediatamente à multidão dos imperfeitos o que só é próprio dos virtuosos, de
modo que se abstenham de todos os vícios. Do contrário, os imperfeitos, não
podendo observar tais preceitos, cairiam em piores males, como diz a Escritura
(Sl 30:33): Aquele que com força espreme a teta para tirar leite faz sair
desta o sangue; e noutro lugar (Mt 9:17): Se deitarem vinho novo, preceitos da
vida perfeita, em odres velhos, em homens imperfeitos, vai-se o vinho e se
perdem os odres, os preceitos são desprezados e os homens, do desprezo, caem em
piores males. (...) A lei natural é uma participação da lei eterna em nós; ao
passo que a lei humana é deficiente em relação à eterna. Pois, diz Agostinho: A
lei estabelecida para reger a cidade permite e deixa impunes muitos atos, que
são vingados pela Providência Divina. Mas nem por deixar de fazer tudo há de se
lhe reprovar o que faz. Por onde, também a lei humana não pode proibir tudo o
que a lei da natureza proíbe. (...) Como já dissemos (q. 90, a. 1, a. 2), a lei
é posta como uma certa regra e medida dos atos humanos. Ora, a medida deve ser
homogênea com o medido, como diz Aristóteles: pois, coisas diversas têm medidas
diversas. Por onde e necessariamente, também as leis hão de ser impostas aos
homens segundo a condição deles; pois, como Isidoro diz, a lei deve ser
possível, quanto à natureza e quanto aos costumes pátrios. Ora, a faculdade de
agir procede do hábito ou disposição interior; pois, o mesmo não é possível
tanto ao que não tem o hábito da virtude como ao virtuoso, assim como a mesma
coisa não é possível à criança e ao homem feito. E por isso não se estabelece a
mesma lei para as crianças e para os adultos, e muitas coisas permitidas
aquelas são, por lei, punidas ou ainda vituperadas nestes. Semelhantemente,
muitas coisas se permitem ao homem de virtude imperfeita, que se não tolerariam
em homens virtuosos. Ora, a lei humana é feita para a multidão dos homens,
composta na sua maior parte de homens de virtude imperfeita. Por isso ela não
proíbe todos os vícios, de que se os virtuosos abstêm, mas só os mais graves,
dos quais é possível à maior parte da multidão abster-se. E principalmente os que
causam dano a outrem, ou aqueles sem cuja proibição a sociedade humana não pode
subsistir; assim, a lei humana proíbe o homicídio, o furto e atos
semelhantes."
Como vimos, houve uma deturpação clara do pensamento do Filósofo que está defendendo que nem toda sorte de vícios deve ser perseguida pelo Poder Secular (por exemplo, pecados veniais), mas deve haver uma justa balança em que a Lei é pensada como instrumento estratégico que progressivamente aproxima mais o pecador da Virtude.
Registre-se sobre Santo Tomás que é ele conhecido como o Doutor Universal ou Comum da Igreja, e seu status proeminente foi afirmado e reafirmado em uma longa série de declarações papais. Por exemplo, o Papa João XXII disse que Aquino “iluminou a igreja mais do que todos os outros médicos”. O Papa São Pio V caracterizou seu trabalho como "a regra mais certa da doutrina cristã". O Papa São Pio X ensinou que “não se pode abandonar Aquino, especialmente na filosofia e na teologia, sem grande dano”. O Papa Bento XV escreveu que a doutrina de Aquino “deve ser seguida de uma maneira especial em todos os momentos”. O Papa Pio XI ensinou que “como inúmeros documentos de todo tipo atestam, a Igreja adotou sua doutrina por conta própria”, entre muitos outros. No tema da pena de morte como medida repressiva a hereges e pecadores, sendo o santo doutor resulto, como vimos.
Apenas fazendo o fecho do parêntese aberto para explanar o ensinamento a respeito da repressão direta a esse entendido "direito individual" pelos (neo)liberais/libertários – e então voltaremos nós a comentar o artigo do sr. Tucker, o próprio Martinho Lutero defendeu a licitude da aplicação da pena de morte, quando ensinou que "os governantes devem deixar a espada golpear os transgressores com vigor e ousadia, como São Paulo ensina (Rom. 13:4). Que ninguém imagine que o mundo pode ser governado sem derramamento de sangue. A espada temporal deve e deve ser vermelha e manchada de sangue, pois o mundo é perverso e está destinado a ser assim. Portanto, a espada é a vara de Deus e a vingança por ela." (What Luther Says: An Anthology, Vol. III, p. 1156].
Mas, por outro lado, defendia que os órgãos de repressão eclesiásticos não tinham autoridade para defender o Reino Espiritual e a ordenação da sociedade aos fins celestes através da repressão. Em resposta a essa heresia, o papa Leão X promulga em 1520 a Bula Exsurge Domine, condenando 41 teses de Lutero, dentre as quais, no nº 33, essa tese em específico. Diz o Sumo Pontífice:
"Finalmente, que se levante toda a Igreja dos santos e a Igreja universal. Alguns, pondo de lado a verdadeira interpretação da Sagrada Escritura, estão ensandecidos pelo pai das mentiras. Sábios a seus próprios olhos, de conformidade com a antiga prática dos heréticos, interpretam essas mesmas Escrituras de modo diferente do inspirado pelo Espírito Santo, mas antes inspirados somente por seu próprio sentido de ambição, em consideração ao aplauso popular, como diz o Apóstolo. (...) Que toda a santa Igreja de Deus, eu clamo, se levante, e com os santos apóstolos interceda perante o Deus Todo-Poderoso para estirpar os erros de sua ovelha, para banir todas as heresias dos campos da fé, e para que seja de seu agrado manter a paz e a unidade de sua santa Igreja. (...)
Depois que o império foi transferido pela Igreja Romana dos Gregos para esses germânicos , nossos predecessores e nós sempre escolhemos dentre eles advogados e defensores da Igreja. Realmente, é certo que esses germânicos , verdadeiros irmãos na fé católica , foram sempre encarniçados adversários das heresias, como testemunham aquelas louváveis constituições dos imperadores germânicos, em defesa da independência da Igreja, da liberdade, da expulsão e extinção de todos os hereges da Alemanha. Aquelas constituições formalmente emitidas e depois confirmadas por nossos predecessores, foram escritas sob as maiores penalidades, até mesmo perda de terras e soberania dos que os abrigasse ou não os expulsasse. Se elas fossem observadas hoje, nós e eles estaríamos obviamente livres deste distúrbio. Prova disto é a condenação e punição no Concílio de Constança da infidelidade dos Hussitas e Wyclifistas, assim como de Jerônimo de Praga. Prova disto é o sangue dos Germânicos derramado tantas vezes em guerras contra os Boêmios. Uma prova final é a refutação, rejeição e condenação não menos instrutivas do que verdadeiras e santas, dos erros acima, ou de muitos deles, pelas universidades de Colônia e Louvaina, as cultivadoras mais devotadas e religiosas dos campos do Senhor. Poderíamos citar muitos outros fatos que decidimos omitir a fim de que não pareça estarmos compondo uma História.
Em virtude de nosso trabalho pastoral a nós comunicado por divino favor , não podemos sob nenhuma circunstância tolerar ou subestimar por mais tempo o veneno pernicioso dos erros acima sem prejuízo à religião cristã e dano à fé ortodoxa. Decidimos incluir no presente documento alguns desses erros. A substância deles é como se segue: (...)
Nº 33 - É contra o desejo do Espírito Santo que hereges sejam queimados.
(...) Ainda mais, por causa dos precedentes erros e de muitos outros contidos nos livros ou escritos e sermões de Martinho Lutero, nós do mesmo modo condenamos, reprovamos e rejeitamos completamente os livros e todos os escritos e sermões do citado Martinho, seja em Latim seja em qualquer outra língua , que contenham os referidos erros ou qualquer um deles ; e desejamos que sejam considerados totalmente condenados, reprovados e rejeitados.
Proibimos a todos e a qualquer um dos fiéis de ambos os sexos, em nome da santa obediência e sob as penas acima em que incorrerão automaticamente, de ler, sustentar, pregar, louvar, imprimir, publicar ou defendê-los. Incorrerão nessas penas se ousarem apoiá-las de qualquer maneira, pessoalmente ou através de quem quer que seja, direta ou indiretamente, tácita ou explicitamente, pública ou ocultamente, seja em suas casas ou em outros lugares públicos ou privados. Na verdade, imediatamente após a publicação desta carta, essas obras devem ser procuradas aonde possam se encontrar, cuidadosamente, pelos ordinários e outros (eclesiásticos e regulares), e sob todas e cada uma das penas acima deverão ser queimadas publica e solenemente na presença dos clérigos e do povo."
Note-se, portanto, que esse embrião de anseio pela "Liberdade" que este mundo respira nasceu do protestantismo e, na verdade, em direta oposição ao catolicismo. Não confundamos, senhores!
Inocentius VIII também vai deliberar sobre esse tema na Bula Summis desiderantes affectibus, em 1484, quando diz: "decretamos e estabelecemos que os mencionados Inquisidores têm o poder de proceder, para a justa correção, aprisionamento e punição de quaisquer pessoas, sem qualquer impedimento, de todas as formas cabíveis".
Francisco Suárez (1548–1617), jesuíta considerado o maior escolástico depois de Santo Tomás, contrapõe em De homicidio in defensionem propriae personae a visão teológica de Lutero endossando que a pena de morte era permitida não apenas para o Estado, mas também para a Igreja. Ele argumentou sobre a aceitação da morte de falsos profetas na Bíblia Hebraica e o fato de que Cristo não ensinou oposição à pena de morte. Dado que a heresia inflige perigo à República cristã, a Igreja não tem menos direito à defesa do bem-estar comum e espiritual de seu povo do que a autoridade civil. Portanto, tanto as autoridades civis quanto eclesiásticas podem utilizar legitimamente a pena de morte. Suárez enfatizou as funções retributiva e “medicinal” da punição, incluindo a pena de morte. O condenado experimenta as demandas de retribuição, mas esta também tem um papel medicinal (ou emendatório) em relação à comunidade.
Em A Man for All Season, encontramos o diálogo de São Thomas More com seu genro William Roper sobre a pena de morte, figurada como "Diabo", da seguinte forma:
"William Roper: Então, agora você dá ao Diabo (isto é, à pena de morte) o benefício da Tradição!
São Thomas More: Sim! O que você faria? Cortar um grande caminho através da Tradição para perseguir o Diabo?
William Roper: Sim, eu cortaria todas as Tradições para fazer isso!
São Thomas More: Oh? E quando a última Tradição caísse, e o Diabo se voltasse contra você, onde você se esconderia, Roper, Sendo todas as Tradições planas? Esta Igreja está repleta de Tradições, de geração em geração. E se você cortá-los, e você for o homem certo para isso, você realmente acha que poderia ficar de pé nos ventos que soprariam então? Sim, eu daria ao Diabo o benefício da Tradição, para o meu próprio bem."
O ensinamento de um santo classificado como Doutor da Igreja tem uma autoridade especial. Têm esse título porque pela Igreja considerados como possuidores de uma compreensão tão penetrante da Fé que os católicos podem considerá-los guias seguros em questões de Doutrina e Moral. Para ser doutor, um escritor deve atender a três critérios: alto grau de santidade pessoal; eminência na aprendizagem; e reconhecimento oficial pela Igreja (como a atribuição formal do título de “Doutor” por um papa ou concílio).
Dado este reconhecimento formal pela Igreja, o magistério dos Doutores é claramente uma extensão do magistério ordinário. E embora não sejam individualmente infalíveis, seria totalmente absurdo acreditar que todos eles pudessem estar errados em algum assunto sobre o qual concordam. Novamente, todos eles são notados, primeiro, por seu alto grau de santidade. Então, como todos eles poderiam estar errados sobre alguma questão de moralidade cristã? Eles são notados, em segundo lugar, por sua eminência no aprendizado e, em particular, por sua profunda compreensão das Escrituras e da Doutrina Cristã. Então, como todos poderiam caim em erro em algum ponto da doutrina ou interpretação das escrituras? Terceiro, eles são formalmente reconhecidos pela Igreja como guias seguros para a fé e a moral. Então, como eles poderiam levar os fiéis coletivamente a um grave erro moral ou teológico?
A coerência com o consenso dos Doutores foi, portanto, considerada pela Igreja como um sinal de ortodoxia na doutrina. Por exemplo, em 1312, o Concílio de Vienne defendeu um ponto de doutrina apelando para “a opinião comum da reflexão apostólica dos Santos Padres e dos Doutores.” (Denzinger seção 480).
Além dos doutores Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, já citados, outros santos endossaram a licitude da pena de morte, como São Bernardo de Clairvaux, São Pedro Canisius, São Roberto Belarmino e Santo Afonso Maria de Ligório.
Falando sobre a aplicação da pena capital no contexto de guerras, São Bernardo escreve em In Praise of the New Knighthood:
"Os cavaleiros de Cristo podem lutar com segurança as batalhas de seu Senhor, não temendo nem o pecado se ferirem o inimigo, nem o perigo de sua própria morte. O Senhor aceita livremente a morte do inimigo que o ofendeu, e ainda mais livremente se entrega ao consolo de seu cavaleiro caído.
O cavaleiro de Cristo, eu digo, pode atacar com confiança e morrer com mais confiança, pois ele serve a Cristo quando ele bate, e serve a si mesmo quando ele cai. Tampouco empunha a espada em vão, pois é ministro de Deus, para castigo dos malfeitores e para louvor dos bons. Se ele mata um malfeitor, ele não é um assassino, mas, se assim posso dizer, um assassino do mal. Ele é evidentemente o vingador de Cristo para com os malfeitores e com razão é considerado um defensor dos cristãos."
É por óbvio que São Bernardo está se referindo à guerra, mas observe que ele está defendendo a inflição da morte na guerra precisamente como uma punição, e o faz com base em Romanos 13. Ele está dizendo que certo tipo de guerra é justificável em parte porque equivale a uma espécie de pena capital. E ele está dizendo não apenas que tal punição é legítima em princípio sob a lei natural, mas que o cristão - o “cavaleiro de Cristo” - pode infligir isso legitimamente.
São Roberto Belarmino foi outro santo doutor que mais escreveu sobre como os princípios cristãos se aplicam a uma ordem política pós-medieva. Na obra De Laicis/Tratado sobre o Governo Civil, o capítulo 13 é dedicado a defender a tese de que “é lícito a um magistrado cristão punir com a morte os perturbadores da paz pública”. Belarmino argumenta em parte das Escrituras - citando, entre outros santos, doutores e passagens da escritura, ele considera e rejeita explicitamente a hipótese de que a passagem do Gênesis pretendia ser meramente um provérbio em vez de um preceito. Ele também considera, e argumenta longamente contra, a alegação de que a pena de morte é descartada pelo Sermão da Montanha:
"(...) essas palavras não podem ser corretamente entendidas, exceto neste sentido: Todo aquele que comete um crime injusto deve, por sua vez, ser condenado à morte pelo magistrado. Pois Nosso Senhor repreendeu Pedro não porque uma justa defesa é ilegal, mas porque ele não desejava tanto defender a si mesmo ou a Nosso Senhor, mas a vingar o dano feito a Nosso Senhor, embora ele próprio não tivesse autoridade oficial, como Santo Agostinho corretamente explica, e São Cirilo também. Além disso, “Se tu fazes o mal, teme; porque ele não leva a espada em vão. Pois ele é o ministro de Deus.” São Paulo diz que a espada é dada por Deus aos governantes para punir os malfeitores, portanto, se como homens são encontrados na Igreja, por que não podem ser mortos?
Em segundo lugar, é provado pelo testemunho dos Padres. Inocêncio I., sendo questionado se era lícito a um magistrado batizado punir com a morte, respondeu que era lícito. Santo Hilário diz que certamente é lícito matar em dois casos, se um homem está cumprindo o dever de um juiz, ou se está usando uma arma em sua própria defesa (Evangelium Matthaei Commentarius - Cap XXXII). São Jerônimo diz: “Punir assassinos, homens sacrílegos e envenenadores não é derramamento de sangue, mas a administração da lei” (Comentário sobre Jeremias, Cap. 22). Santo Agostinho, “Aqueles que, dotados de caráter de autoridade pública, punem os criminosos com a morte, não violam aquele mandamento que diz: Não matarás.”
Por último, é provado pela razão; pois é dever de um bom governante, a quem foi confiado o cuidado do bem comum, evitar que os membros que existem para o bem do todo o prejudiquem e, portanto, se ele não puder preservar todos os membros na unidade, ele deve antes cortar um do que permitir que o bem comum seja destruído; assim como o fazendeiro corta galhos e ramos que estão prejudicando a videira ou a árvore, e o médico amputa membros que podem causar danos a todo o corpo.
Para o argumento dos anabatistas de “Olho por olho, etc.”, existem duas soluções. Uma, que a Lei Antiga, por ter sido dada a homens imperfeitos, permitia a busca de vingança, e apenas proibia que a retaliação fosse maior do que o dano; não que seja lícito buscar vingança, mas porque é menos cruel buscá-la com moderação do que desordenadamente; além disso, Cristo, que instruiu homens mais perfeitos, lembrou esta permissão. Assim diz Santo Agostinho, e São Crisóstomo e Santo Hilário são da mesma opinião sobre esta passagem; mas uma vez que a retaliação é proibida, "Não busques vingança", e, lemos: "Aquele que busca vingar-se, encontrará vingança do Senhor", deveremos, de fato, responder corretamente com São Tomás e São Boaventura e alguns outros, em seu comentário sobre a terceira sentença de Pedro Lombardo, quando Nosso Senhor diz: “Ouvistes que foi dito antigamente, um olho por um olho, etc., ”Ele não condena essa lei, nem proíbe um magistrado de infligir a poena talionis, mas Ele condena a interpretação perversa dos fariseus, e proíbe em cidadãos particulares o desejo e a busca de vingança. Pois Deus promulga a santa lei que o magistrado pode punir os ímpios pela poena talionis;de onde os fariseus inferem que é lícito aos cidadãos buscar vingança; assim como do fato de que a lei diz: “Amarás o teu amigo”, eles inferem que é lícito odiar os inimigos; mas Cristo ensina que essas são interpretações errôneas da lei, e que devemos amar até os nossos inimigos e não resistir ao mal, mas antes que devemos estar preparados, se necessário, para oferecer a outra face àquele que bate em uma face. E que Nosso Senhor estava falando a cidadãos particulares fica claro a partir do que se segue. Pois Nosso Senhor fala assim: “Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal, senão se alguém te bater na face direita, etc.”
http://catholicism.org/de-laicis.html/13
Santo Afonso Maria de Ligório é doutor e conhecido como “Príncipe dos Moralistas”, além do padroeiro dos confessores e teólogos morais. Sua autoridade em questões de ética cristã é difícil de exagerar. Como um comentarista observa, como comenta o Rev. Christopher Rengers em The 35 Doctors of the Church, o Papa Gregório XVI “decretou que é seguro seguir a opinião de Santo Afonso, mesmo que você não saiba a razão por trás dela - uma medalha de honra que Roma não deu a nenhum outro santo”.
No seu livro Instruções para o Povo, Capítulo V, Santo Afonso escreve:
"É lícito condenar um homem à morte pelas autoridades públicas: é mesmo dever dos príncipes e dos juízes condenar à morte os criminosos que a merecem; e é dever dos oficiais de justiça cumprir a pena; O próprio Deus deseja que os malfeitores sejam punidos."
Também no Teologia Moralis, no tratamento do Quinto Mandamento, Santo Afonso fundamenta a legitimidade da pena capital nas Escrituras, incluindo uma referência a Romanos 13.
A heresia Iluminista vai incorporar a contestação protestante à pena de morte e acentuá-la, especialmente por Kant e Voltaire. A Igreja, contudo, manteve-se mouca a essas interpretações absurdas. O papado engajou-se durante esse tempo em uma série volumosa de suas próprias execuções decorrentes de seu papel como autoridade civil.
Os estados italianos começaram a abandonar a pena de morte em 1786 sob a influência do Tratado de 1764 de Cesare Beccaria Sobre Crimes e Castigo. Beccaria argumentou que a pena de morte não era justa, nem útil em um Estado bem governado, e que era uma guerra desnecessária de uma nação inteira contra um de seus cidadãos. Ele defendia o uso de penas de prisão perpétua e permitia a execução em apenas um cenário improvável, quando a continuidade da vida do culpado ameaçava todo o governo, que estava, portanto, à beira da anarquia ou da destruição. A obra de Beccaria foi incluída no Index Romanorum de livros proibidos, mas isso não deteve sua influência no território italiano. De 1815, quando o Papa recuperou o controle político de Roma de Napoleão, até 1870, os Papas ordenaram a execução de centenas de malfeitores. Em 1900, mesmo o assassinato do rei Umberto não gerou uma sentença de morte para o anarquista condenado, mas sim uma sentença de prisão perpétua.
Servindo seis papas, incluindo o Beato Pio IX, o Carrasco do Papa, como era conhecido Giovanni Battista Bugatti, executou 516 sentenciados entre 1796 e 1865, utilizando os métodos de guilhotina, esmagando a cabeça do réu com um martelo e cortando a garganta dos condenados. Ainda utilizando a analogia do médico, os condenados eram conhecidos como pacientes de Giovanni. As execuções eram precedidas de eventos públicos que reuniam grandes multidões, sendo precedidas de cerimônias religiosas. Em 9 de Julho de 1870, a Guilhotina Papal é usada pela última vez, pois dois meses depois Roma cai para Unificação Italiana e encerra a autoridade civil do papa para ordenar execuções.
He executed justice - John L. Allen Jr, correpondente do NCR em Roma, <https://www.badnewsaboutchristianity.com/papers/justice.htm>
Com o Catecismo Romano de São Pius V de 1566, o Concílio de Trento elabora um Manual Oficial de Ensino Católico, com o objetivo de oferecer orientação moral e doutrinária sólida para a Igreja universal por gerações. No tema da Pena de Morte, reafirma o Catecismo que não apenas a legitimidade do instituto, mas também ato de obediência absoluta a este Mandamento que proíbe o homicídio. Diz ele: "Outra espécie de morte lícita é a que compete às autoridades. Foi-lhes dado o poder de condenar à morte, pelo que punem os criminosos e defendem os inocentes, de acordo com a sentença legalmente lavrada. Quando exercem seu cargo com espírito de justiça, não se tornam culpados de homicídio; pelo contrário, são fiéis executores da Lei Divina, que proíbe de matar. Se o fim da Lei é garantir a vida e segurança dos homens, as sentenças [capitais] dos magistrados obedecem à mesma finalidade, enquanto eles são os legítimos vingadores dos crimes, reprimindo a audácia e a violência mediante a pena de morte. Por essa razão dizia Davi: 'Desde o romper da aurora, exterminava eu todos os pecadores da terra, a fim de suprimir da cidade de Deus todos os que praticam iniqüidade (Sl 100:8)'" (3ª Parte, Cap. VI, nº 4).
No Catecismo de São Pio X, em 1912, temos a esse respeito: "Haverá casos em que seja lícito matar o próximo? É lícito tirar a vida do próximo: durante o combate ein guerra justa; quando se executa por ordem da autoridade suprema a sentença à morte em castigo de algum crime; e finalmente quando se trata de necessária e legítima defesa da vida, no momento de uma injusta agressão." (nº 413). Observe que é claríssima a rejeição à sugestão de que a pena de morte é incompatível com uma aplicação consistente do Quinto Mandamento, apresentando-se orientação prática aos fieis cristãos e não apenas especulações sobre possibilidades teóricas.
Em 1914, o famosíssimo Original Catholic Encyclopedia em 15 volumes é publicado. Diz a Enciclopédia Católica no Vol. VII sobre as heresias:
"A heresia, sendo um veneno mortal gerado dentro do organismo da Igreja, deve ser ejetada se ela quiser viver e cumprir sua tarefa de continuar a obra de salvação de Cristo. Seu Fundador, que predisse a doença, também providenciou o remédio: Ele dotou seu ensino de infalibilidade. O ofício do magistério pertence à hierarquia, a ecclesia docens, que, sob certas condições, julga sem recurso em matéria de fé e moral. Decisões infalíveis também podem ser dadas pelo papa ensinando ex cathedra. Cada pároco em sua paróquia, cada bispo em sua diocese, tem o dever de manter a fé de seu rebanho imaculada; ao pastor supremo de todas as Igrejas é dada a função de alimentar todo o rebanho cristão. O poder, então, de expulsar a heresia é um fator essencial na constituição da Igreja. Como outros poderes e direitos, o poder de rejeitar a heresia se adapta na prática às circunstâncias de tempo e lugar e, especialmente, de condições sociais e políticas. (...)
Quando Constantino assumiu o cargo de bispo leigo, episcopus externus, e colocou o braço secular a serviço da Igreja, as leis contra os hereges tornaram-se cada vez mais rigorosas. Sob a disciplina puramente eclesiástica, nenhuma punição temporal era infligida ao herege obstinado, exceto o dano que poderia surgir à sua dignidade pessoal por ser privado de todas as relações com seus antigos irmãos. Mas, sob a égide do poder temporal, atuando como braço da Igreja, os imperadores cristãos aplicaram medidas rigorosas contra os bens e contra as pessoas dos hereges. Da época de Constantino a Teodósio e Valentiniano III (313-424) várias leis penais foram promulgadas pelos imperadores cristãos contra os hereges como sendo culpados de crime contra o Estado e a ordem pública. Em ambos os códigos de Teodósio e Justiniano, hereges foram denominados pessoas infames; todas as relações sexuais eram proibidas de ser mantidas com eles; foram privados de todos os cargos de lucro e dignidade na administração civil, ao passo que todos os cargos penosos, tanto do campo como da cúria, foram impostos a eles; foram impedidos de dispor de suas próprias propriedades por testamento ou de aceitar propriedades que lhes foram legadas por outros; foi-lhes negado o direito de dar ou de receber doações, de contratar, comprar e vender; multas pecuniárias foram impostas a eles; eles eram freqüentemente proscritos e banidos e, em muitos casos, açoitados antes de serem enviados ao exílio. Em alguns casos particularmente agravados, sentença de morte foi pronunciada sobre os hereges, embora raramente executada na época dos imperadores cristãos de Roma. Teodósio é considerado o primeiro a declarar a heresia um crime capital; esta lei foi aprovada em 382 contra os Encratites, os Saccophori, os Hydroparastatae e os Manichæans. Professores heréticos eram proibidos de propagar suas doutrinas publicamente ou em particular; de realizar disputas públicas; de ordenar bispos, presbíteros ou qualquer outro membro clero; de realizar reuniões religiosas; construir conventículos ou valer-se do dinheiro que lhes foi legado para esse fim. Os escravos podiam denunciar seus senhores heréticos e comprar sua liberdade, vindo para a Igreja. Aos filhos de pais hereges foram negados seu patrimônio e herança, a menos que retornassem à Igreja Católica. Os livros dos hereges foram condenados a serem queimados (Vide "Codex Theodosianus", lib. XVI, tit. 5,"De Haereticis").
Essa legislação permaneceu em vigor e com ainda maior severidade no reino formado pelos invasores bárbaros vitoriosos sobre as ruínas do Império Romano no Ocidente. A queima de hereges foi decretada pela primeira vez no século XI. O Sínodo de Verona (1184) impôs aos bispos o dever de buscar os hereges em suas dioceses e entregá-los ao poder secular. Outros sínodos, e o Quarto Concílio de Latrão (1215) sob o Papa Inocêncio III, repetiram e aplicaram este decreto, especialmente o Sínodo de Toulouse (1229), que estabeleceu inquisidores em cada paróquia (um padre e dois leigos). Todos eram obrigados a denunciar os hereges, os nomes das testemunhas eram mantidos em segredo; Depois de 1243, quando Inocêncio IV sancionou as leis do imperador Frederico II e de Luís IX contra os hereges, a tortura foi aplicada nos julgamentos; os culpados foram entregues às autoridades civis e queimados na fogueira. Paulo III (1542) estabeleceu, e Sisto V organizou, a Congregação Romana da Inquisição, ou Santo Ofício, um tribunal regular de justiça para lidar com a heresia e com hereges. A Congregação do Índice, instituída por São Pio V , tem por sua província o cuidado da fé e da moral na literatura; ela procede contra os impressos da mesma forma que o Santo Ofício procede contra pessoas. O atual papa [1909], Pio X, decretou o estabelecimento em cada diocese de uma junta de censores e de um comitê de vigilância cujas funções são descobrir e relatar sobre escritos e pessoas manchadas com a heresia do modernismo (Encíclica "Pascendi", 8 de setembro de 1907). A legislação atual contra a heresia não perdeu nada de sua antiga severidade, mas as penalidades para com os hereges agora são apenas de ordem espiritual; todas as punições que requerem a intervenção do braço secular foram suspensas em virtude do triunfo da revolução neopagã. Mesmo em países onde a divisão entre os poderes espirituais e seculares não equivale à hostilidade ou à separação total, a pena de morte, o confisco de bens, a prisão, etc., não são mais infligidos aos hereges. Já quanto as penas espirituais são de dois tipos: latae e ferendae sententiae. Os primeiros são incorridos pelo mero fato de heresia, nenhuma sentença judicial sendo exigida; as últimas são infligidas após o julgamento por um tribunal eclesiástico , ou por um bispo agindo ex informata conscientia , isto é, por seu próprio conhecimento e dispensando o procedimento usual
A legislação da Igreja sobre heresia e hereges é freqüentemente acusada de crueldade e intolerância. É intolerante: de fato, sua razão de ser é a intolerância às doutrinas subversivas da fé. Mas tal intolerância é essencial para tudo o que é, ou se move, ou vive, pois a tolerância de elementos destrutivos dentro do organismo equivale ao suicídio. As seitas heréticas estão sujeitas à mesma lei: vivem ou morrem na medida em que a aplicam ou a negligenciam. A acusação de crueldade também é fácil de enfrentar. Todas as medidas repressivas causam sofrimento ou inconveniência de algum tipo: é a sua natureza! Mas eles não são, portanto, cruéis. O pai que castiga seu filho é culpado apenas por ter um coração terno. A crueldade só surge quando a punição excede os requisitos do caso. Os oponentes dizem: Precisamente, os rigores da Inquisição violaram todos os sentimentos humanos. Nós respondemos: eles ofendem os sentimentos de épocas posteriores, nas quais há menos consideração pela pureza da fé; mas não contrariaram os sentimentos de sua própria época, quando a heresia era vista como mais maligna do que a traição. Como prova disso, basta observar que os inquisidores se pronunciaram apenas sobre a culpa do acusado e o entregaram ao poder secular para ser tratado de acordo com as leis formuladas por imperadores e reis. Medievos não viam falhas no sistema; na verdade, os hereges haviam sido queimados pela população séculos antes de a Inquisição se tornar uma instituição regular. E sempre que os hereges ganhavam vantagem, eles nunca demoravam a aplicar as mesmas leis: assim, os huguenotes na França, os hussitas na Boêmia, os calvinistas em Genebra, os estadistas elisabetanos e os puritanos na Inglaterra. A tolerância veio apenas quando a fé acabou; medidas lenientes eram recorridas apenas onde faltava o poder de aplicar medidas mais severas. As brasas do Kulturkampf na Alemanha ainda estão fumegantes; as leis de separação e confisco e o ostracismo dos católicos na França são o escândalo da época. Cristo disse: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mateus 10:34). A história da heresia confirma esta predição e mostra, além disso, que a maior parte das vítimas da espada está do lado dos fiéis adeptos da única Igreja fundada por Cristo. (...) A imposição da pena capital não é contrária ao ensino da Igreja Católica, e o poder do Estado de visitar os culpados com a pena de morte deriva muito da autoridade da revelação e dos escritos de teólogos. A conveniência de exercer esse poder é, naturalmente, uma questão a ser determinada com base em outras e várias considerações."
https://www.newadvent.org/cathen
Com a criação da Cidade do Vaticano em 1929, a pena de morte foi mantida em seu estatuto para crimes envolvendo parricídio espiritual. Essa prescrição foi revogada em 1969 pelo papa São Paulo VI, nunca sendo posta em prática em virtude de que tal crime não fora cometido no período. Nesse período, o papa Pio XII prossegue defendendo a pena de morte. Em 23 de Fevereiro de 1944, no seu Discorso di Su Santità Pio XII ai Parroci e ai Quaresimalisti di Roma, o papa diz: "Deus, que é a Fonte da Justiça, reservou para si o direito sobre a vida e sobre a morte. Nada além desta fé servirá para conferir a força moral a observar os limites devidos em face de todas as armadilhas e tentações de cruzá-los; tendo presente que, salvo nos casos de legítima defesa privada, guerra justa travada com métodos justos e pena de morte infligida pelas autoridades públicas para crimes bem determinados e de gravidade comprovada, a vida humana não deve ser violada." Em outro momento, 1952, o papa esclarece a questão no Discours du Pape Pie XII aux Participants au Congrès International d'Histopathologie Du Système Nerveux: "Mesmo quando se trata da execução de um condenado, o Estado não dispõe sobre o direito à vida do indivíduo. Neste caso, é reservado ao poder público privar o condenado do gozo da vida em expiação de seu crime quando, por seu crime, ele já se dispôs a seu direito de viver."
http://www.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1944/documents/hf_p-xii_spe_19440223_inscrutabile-consiglio.html
http://www.vatican.va/content/pius-xii/es/speeches/1952/documents/hf_p-xii_spe_19520914_istopatologia.html
Bem, voltando aos comentários a respeito do Tucky, senhor mente-fechada em seu mundinho economicista, diz ele:
Tudo ocorreu primeiramente no âmbito do sistema bancário, quando a Igreja serviu como defensora da causa bancária dos Medici contra as forças reacionárias que tentavam impedir o surgimento da vida comercial moderna. Ela, por exemplo, liberalizou suas regras contra a usura e defendeu os direitos de propriedade e comércio entre as nações. O fim da escravidão foi talvez o maior triunfo do liberalismo antes do século XX. E, neste quesito, a Igreja Católica já era uma força em prol dos direitos humanos e da justiça muito antes das outras instituições se atentarem a isso.
Os escritos do frade dominicano Bartolomé de las Casas, de 1547, por exemplo, ainda hoje continuam inspiradores por causa de sua paixão moral contra as atrocidades perpetradas por vários estados contra os direitos humanos. Nenhum dos filósofos da antiguidade ousou imaginar um mundo em que haveria igualdade universal de direitos para todas as pessoas. Apenas a Igreja Católica o fez, baseada em sua convicção de que todos os indivíduos são feitos à imagem e semelhança de Deus e, por isso, são merecedores de certos direitos.
Os escolásticos tardios espanhóis e portugueses, com suas escritas e filosofias sociais, são frequentemente creditados como sendo os criadores da própria ciência econômica. E não apenas porque esses escolásticos eram idealistas morais, mas também porque eles eram homens extremamente práticos que tentaram entender como o mundo real funcionava, e tudo no interesse de explicar como as pessoas poderiam viver vidas melhores. Eles gradualmente descobriram que os interesses do indivíduo não apenas não estavam em conflito com o bem comum, como também poderiam ambos ser realizados por meio da liberalização de todas as esferas da sociedade.
A Igreja Católica também representou uma força para o progresso ao dar voz à ascensão dos direitos das mulheres. Essa é uma história complicada, com altos e baixos, mas há uma linha de raciocínio que pode ser estendida desde a alta consideração dada à mãe de Jesus até gradualmente a defesa de uma visão da mulher bastante distinta daquela da antiguidade. Mesmo hoje, a Igreja enaltece quatro mulheres como Doutores da Igreja. Após a Reforma e a ascensão do nacionalismo, a Igreja — na condição de instituição internacional que não representava os interesses de nenhum estado em particular — foi uma fortaleza contra os poderes incontestados de vários príncipes e regentes. Foi também um baluarte para a visão agostiniana de que nenhum líder governamental pode substituir a autoridade de Deus, e que "uma lei injusta não tem validade nenhuma" — uma declaração citada por São Tomás e, mais tarde, por Martin Luther King Jr. em sua Carta desde a Prisão de Birmingham.
R:
Já falamos exaustivamente aqui que a Igreja defende a Liberdade e a Propriedade, dentro do contexto daquilo que é compatível com suas propostas e evidentemente impondo limitações. A Igreja foi um dos motores do capitalismo e a ele não se opõe, ao contrário, como o herege reconhece, a Igreja contribuiu para o surgimento da vida comercial e da defesa de diversos direitos fundamentais, ressalvadas limitações e regulações que Ela sempre impôs visando tutelar o Bem-Comum. O grave equívoco encontra-se em sustentar uma Falácia cum hoc ergo propter hoc. O herege tenta insistir na tese de que porque a Igreja defendeu liberdades pontuais, então logo ela escala, deveria ou irá escalar para uma defesa absoluta e irrestrita dessas liberdades, coadunando sua Doutrina e seu Magistério (que, frise-se, é infalível e imutável) com a percepção anarquista e libertária de mundo. Um total despautério.
A compreensão Libertária do que seria "Lei Injusta" flagrantemente é diametralmente oposta ao que São Tomás - e, mais do que isso, o Magistério perene - compreendia como "Lei Injusta".
Em outras palavras, o espírito do catolicismo sempre foi direcionado em prol exatamente daquilo que o atual papa acabou de condenar: a ideia de que privilegiar a liberdade em detrimento da coerção deveria ser a norma vigente na vida política.
Foi por este motivo que a Igreja Católica se posicionou contra o socialismo já no exato nascimento desta ideia no mundo moderno. Em 1878, quarenta anos antes da Revolução Bolchevista, o Papa Leão XIII escreveu em sua encíclica Quod Apostolici Muneris que os socialistas planejavam "não deixar nada intacto, nem mesmo as coisas que, por lei humana e divina, foram sabiamente decretadas sagradas para a saúde e a beleza da vida".
R:
Já falamos da defesa ponderada da Igreja, defendendo sensatamente as propostas certeiras das diferentes ideologias e atacando os seus absurdos e escaladas.
Papa São Pio XII na Encíclica Menti Nostrae é cristalino:
"Nenhuma incerteza contra o comunismo:
114. Alguns existem que, em face da iniquidade do comunismo, que visa a destruir a fé naqueles mesmos a quem promete o bem-estar material, se mostram atemorizados e incertos; mas esta Sé Apostólica, em documentos recentes, indicou claramente qual o caminho que seguir e de que ninguém se poderá afastar, se não quiser faltar ao próprio dever.
Denunciar as consequências ruinosas do capitalismo:
115. Outros, porém, se mostram tímidos e incertos quanto ao sistema econômico conhecido pelo nome de capitalismo, cujas graves consequências a Igreja não tem cessado de denunciar. A Igreja, de fato, não somente apontou os abusos do capital e do próprio direito de propriedade que o mesmo sistema promove e defende, mas tem igualmente ensinado que o capital e a propriedade devem ser instrumentos da produção em proveito de toda a sociedade e meios de manutenção e de defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Os erros dos dois sistemas econômicos e as ruinosas consequências que deles derivam devem convencer a todos, e especialmente aos sacerdotes, a manter-se fiéis à doutrina social da Igreja e a difundir seu conhecimento e sua aplicação prática. Esta doutrina é, realmente, a única que pode remediar os males denunciados e tão dolorosamente difundidos: ela une e aperfeiçoa as exigências da justiça e os deveres da caridade, promove uma ordem social que não oprima os cidadãos e não os isole num egoísmo seco, mas a todos una na harmonia das relações e nos vínculos da solidariedade fraternal."
Ir ao encontro dos pobres e dos ricos:
116. A exemplo do Divino Mestre, vá o sacerdote ao encontro dos pobres, dos trabalhadores, daqueles todos que se encontram em angústia e miséria, entre os quais estão também muitos da classe média e não raros confrades de sacerdócio. Mas tampouco se descuide daqueles que, conquanto ricos de bens de fortuna, são no entanto os mais pobres de alma e têm necessidade de ser chamados à renovação espiritual, para dizerem como Zaqueu: “Dou a metade de meus bens aos pobres, e, se tiver defraudado alguém, restituirei o quádruplo” (Lc 19,8). No campo das discórdias sociais, portanto, não perca jamais de vista o sacerdote o fim de sua missão. Com zelo, sem temor, deve apresentar os princípios católicos acerca da propriedade, das riquezas, da justiça social e da caridade cristã entre as diversas classes, e dar a todos exemplo manifesto de sua aplicação.
Papa São João Paulo II na Encíclica Laborem exercens:
"Deste ponto de vista, continua a ser inaceitável a posição do capitalismo 'rígido', que defende o direito exclusivo da propriedade privada dos meios de produção, como um 'dogma' intocável na vida económica. O princípio do respeito do trabalho exige que tal direito seja submetido a uma revisão construtiva, tanto em teoria como na prática."
Papa São João Paulo II na Encíclica Centesimus annus:
"Outra tarefa do Estado é a de vigiar e orientar o exercício dos direitos humanos, no sector económico; neste campo, porém, a primeira responsabilidade não é do Estado, mas dos indivíduos e dos diversos grupos e associações em que se articula a sociedade. O Estado não poderia assegurar directamente o direito de todos os cidadãos ao trabalho, sem uma excessiva estruturação da vida económica e restrição da livre iniciativa dos indivíduos. Contudo isto não significa que ele não tenha qualquer competência neste âmbito, como afirmaram aqueles que defendiam uma ausência completa de regras na esfera económica. Pelo contrário, o Estado tem o dever de secundar a actividade das empresas, criando as condições que garantam ocasiões de trabalho, estimulando-a onde for insuficiente e apoiando-a nos momentos de crise. O Estado tem também o direito de intervir quando situações particulares de monopólio criem atrasos ou obstáculos ao desenvolvimento. Mas, além destas tarefas de harmonização e condução do progresso, pode desempenhar funções de suplência em situações excepcionais, quando sectores sociais ou sistemas de empresas, demasiado débeis ou em vias de formação, se mostram inadequados à sua missão. Estas intervenções de suplência, justificadas por urgentes razões que se prendem com o bem comum, devem ser, quanto possível, limitadas no tempo, para não retirar permanentemente aos mencionados sectores e sistemas de empresas as competências que lhes são próprias e para não ampliar excessivamente o âmbito da intervenção estatal, tornando-se prejudicial tanto à liberdade económica como à civil."
Inclusive nesta Encíclica de... São Leão
(veja só a ousadia de citar um papa tão obstinado contra a Ideia revolucionária de Liberdade),
o papa ataca o Socialismo defendendo a "Justa Igualdade", o mesmo que faz com a Encíclica contra os Liberais, defendendo a "Justa Liberdade". Extrai, portanto, a Igreja o sumo evangélico dessas ideologias e condena todo o restante que se mostra incompatível, como já falamos acima. Diz ele sobre a Igualdade:
"Mas, ao
contrário, segundo as doutrinas do Evangelho, a igualdade dos homens consiste
em que todos, dotados da mesma natureza, são chamados à mesma e eminente
dignidade de filhos de Deus, e que, tendo todos o mesmo fim, cada um será
julgado pela mesma lei e receberá o castigo ou a recompensa que merecer.
Entretanto a desigualdade de direitos e de poder provém do próprio Autor da
natureza, de quem toda a paternidade tira o
nome, no céu e na terra (Ef 3:15). Mas as almas dos príncipes
e dos súbditos estão,
segundo a doutrina e preceitos católicos, ligadas de tal sorte, por deveres e
direitos mútuos, que se modere o desejo de dominar e o motivo da obediência se
torne fácil, constante e nobilíssimo. Por isso a Igreja inculca constantemente
aos súbditos o preceito do Apóstolo: Não há poder que não venha de Deus e os que existem foram ordenados por Deus.
Aquele, pois, que resiste ao poder resiste à
ordem de Deus e os que resistem atraem sobre si a condenação. E de novo ordena que sejam
submissos não só
por temor, mas também por motivos de consciência, e que se dê a cada um o que
for devido: a quem o imposto, o imposto; a
quem o temor, o temor; a quem a honra, a honra
(Rom 13:1-7). Aquele que criou e governa todas as coisas regulou com a sua
sabedoria providencial que as íntimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas
pelas superiores, consigam todas o seu fim.
Por isso, assim
como no céu quis os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos
outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios de
tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos
pastores (1 Cor 12:27); assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias
ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a
sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de
membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e
preocupados com o bem comum.
Mas, para que os
regentes dos povos usem do poder que lhes é concedido para edificar e não para
destruir, a Igreja de Cristo avisa-os muito a propósito de que a severidade do
julgamento supremo ameaça também os príncipes, e repetindo as palavras da
Divina Sabedoria brada a todos em nome de Deus: Prestai
atenção, vós
que dirigis as multidões e que vos comprazeis do número das nações, porque
o poder vos foi dado por Deus e a força pelo Altíssimo
que examinará as vossas obras e perscrutará os vossos pensamentos… Porque o
julgamento dos que governam será muito severo. Deus efectivamente não
exceptuará pessoa alguma nem terá atenção com as grandezas de ninguém, pois
Deus criou o pequeno e o grande e tem igual cuidado por todos; mas para os mais
fortes está reservado um castigo mais forte (Sab 6:3ss).
Sendo isto assim,
Veneráveis Irmãos, Nós, a quem incumbe, há pouco tempo, o governo de toda a
Igreja, depois de termos mostrado desde o princípio do Nosso Pontificado aos
povos e aos príncipes, acossados pelo furor da tempestade, o porto onde
encontrariam um abrigo seguro, impelidos agora pelo gravíssimo perigo que está
ameaçando, fazemos de novo ressoar a seus ouvidos a palavra apostólica para a
salvação dos mesmos, bem como para a salvação de seus Estados. Nós lhes
pedimos, Nós lhes rogamos instantemente que aceitem o magistério da Igreja tão
benemérita dos Estados, debaixo do ponto de vista da prosperidade pública, e
que atentem bem que os interesses do Estado e os da religião, estão de tal
forma unidos entre si, que tudo quanto se fizer perder a esta última, outro
tanto enfraquece o dever dos sóditos e a majestade do poder." - Quod
apostolici muneris - Papa Leão XIII (1878)
Acima de tudo, escreveu ele, os socialistas estavam errados em "atacar o direito de propriedade sancionado pela lei natural". E vaticinou: "Embora se digam desejosos de cuidar dos necessitados e de satisfazer os desejos de todos os homens, eles querem confiscar tudo o que foi adquirido por terceiros por meio do trabalho, da herança legal, da poupança e do intelecto".
O papa declarou firmemente que o catolicismo 'mantém que o direito de propriedade, o qual advém da própria natureza, não deve ser tocado e deve permanecer inviolado. Pois o roubo é proibido de uma maneira tão especial por Deus, o Autor e Defensor dos direitos, que Ele não permitiria ao homem nem sequer desejar aquilo que pertence a outrem. Ladrões e saqueadores, assim como adúlteros e idólatras, estão proibidos de entrar no Reino dos Céus.' (...)
R:
Foi também o mesmíssimo papa que atacou a proposta de Direito Absoluto à Propriedade Privada na Rerum Novarum dizendo como exaustivamente já exibimos. Aponte-se a sensatez equilibrada desse pensamento:
"Os
Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os
que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser
suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a
sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. (...) Mas,
e isto parece ainda mais grave, o remédio proposto está em oposição flagrante
com a justiça, porque a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de
direito natural. (...) Mas, é conveniente descer expressamente a algumas
particularidades. É um dever principalíssimo dos governos o assegurar a
propriedade particular por meio de leis sábias. (...) É por isso que os
operários, abandonando o trabalho ou suspendendo-o por greves, ameaçam a
tranquilidade pública; que os laços naturais da família afrouxam entre os
trabalhadores; que se calca aos pés a religião dos operários, não lhes
facilitando o cumprimento dos seus deveres para com Deus; que a promiscuidade
dos sexos e outras excitações ao vício constituem nas oficinas um perigo para a
moralidade; que os patrões esmagam os trabalhadores sob o peso de exigências
iníquas, ou desonram neles a pessoa humana por condições indignas e
degradantes; que atentam contra a sua saúde por um trabalho excessivo e
desproporcionado com a sua idade e sexo: em todos estes casos é absolutamente
necessário aplicar em certos limites a força e autoridade das leis. Esses
limites serão determinados pelo mesmo fim que reclama o socorro das leis, isto
é, que eles não devem avançar nem empreender nada além do que for necessário
para reprimir os abusos e afastar os perigos.
Os direitos, em
que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve
assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação.
Todavia, na protecção dos direitos particulares, deve preocupar-se, de maneira
especial, dos fracos e dos indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma
espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe
indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças,
conta principalmente com a protecção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob
um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral
pertencem à classe pobre. (...) Mas uma condição indispensável para que todas
estas vantagens se convertam em realidades, é que a propriedade particular não
seja esgotada por um excesso de encargos e de impostos. Não é das leis humanas,
mas da natureza, que emana o direito de propriedade individual; a autoridade pública
não o pode pois abolir; o que ela pode é regular-lhe o uso e conciliá-lo com o
bem comum. É por isso que ela age contra a justiça e contra a humanidade
quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega desmedidamente os bens dos
particulares."
A apoteose do espírito liberal no catolicismo foi belamente afirmada nos documentos do Concílio Vaticano II. O Concílio representou o aceitamento final do liberalismo, algo que já vinha sendo ensaiado há séculos. Foi neste Concílio que a Igreja finalmente, e dogmaticamente, afirmou o direito à liberdade religiosa como um pilar dos direitos humanos.
Dignitatis Humanae (1965) fornece aquela que pode ser considerada a melhor declaração do liberalismo/libertarianismo feita na segunda metade do século XX.
R:
Diz a mesma Dignitatis Humanae: "Pertence essencialmente a qualquer autoridade civil tutelar e promover os direitos humanos invioláveis (Cita a Encíclica Imortale Dei de São Leão XIII). Deve, por isso, o poder civil assegurar eficazmente, por meio de leis justas e outros meios convenientes, a tutela da liberdade religiosa de todos os cidadãos, e proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento da vida religiosa, de modo que os cidadãos possam realmente exercitar os seus direitos e cumprir os seus deveres, e a própria sociedade beneficie dos bens da justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus e à Sua santa vontade."
A respeito do posicionamento estratégico da Igreja sobre a
Liberdade Religiosa, num mundo tomado pelo neopaganismo em que a Igreja vai lentamente se encaminhando para situação similar ao Nascer Cristão, quando fora perseguida pelo Estado Romano, o padre Paulo Ricardo
- o maior teólogo brasileiro vivo - tem excelente explicação gravada em vídeo que pode ser assistido
aqui. Aliás, o mesmo Padre Paulo gravou uma excelente aula para falar sobre a compatibilidade do Capitalismo com a Sagrada Doutrina Católica, que se encontra abaixo:
Uma aplicação consistente deste princípio leva exatamente à mesma posição dos libertários em termos de política, economia, cultura e relações exteriores.
R:
Não, não leva. Notoriamente ocorreu uma escalada promovida por generalização apressada que atropelou frontalmente a prudência e o ensinamento claríssimo do Magistério e descambou o ensinamento virtuoso para a heresia, blasfêmia e ataques injustos contra o atual Sumo Pontífice.
O Vaticano II também afirma que buscar uma vida melhor por meio da liberdade é algo que está na própria essência da experiência humana. Esta aspiração requer certas condições institucionais, tais como o direito à propriedade privada. O belo e inspirador documento Gaudium et Spes (1965), tradicionalmente visto como uma obra-prima de exposição que resume o espírito do Concílio, diz o seguinte: "A propriedade privada ou um certo domínio sobre os bens externos asseguram a cada um a indispensável esfera de autonomia pessoal e familiar, e devem ser considerados como que uma extensão da liberdade humana. Finalmente, como estimulam o exercício da responsabilidade, constituem uma das condições das liberdades civis. As formas desse domínio ou propriedade são atualmente variadas e cada dia se diversificam mais. Mas todas continuam a ser, apesar dos fundos sociais e dos direitos e serviços assegurados pela sociedade, um fator não desprezível de segurança. O que se deve dizer não só dos bens materiais, mas também dos imateriais, como é a capacidade profissional. [...] Por sua própria natureza, a propriedade privada possui uma qualidade social fundada na lei do destino comum dos bens. O desprezo a este caráter social foi muitas vezes ocasião de cobiças e de graves desordens, chegando mesmo a fornecer um pretexto para os que contestam esse próprio direito."
R:
Também é a mesma Gaudium et Spes (1965) que expressa claramente:
"O desenvolvimento económico
deve permanecer sob a direcção do homem; nem se deve deixar entregue só ao
arbítrio de alguns poucos indivíduos ou grupos economicamente mais fortes ou só
da comunidade política ou de algumas nações mais poderosas. Pelo contrário, é
necessário que, em todos os níveis, tenha parte na sua direcção o maior número
possível de homens, ou todas as nações, se se trata de relações internacionais.
De igual modo, é necessário que as iniciativas dos indivíduos e das associações
livres sejam coordenadas e organizadas harmònicamente com a actividade dos
poderes públicos.
O desenvolvimento não se deve
abandonar ao simples curso quase mecânico da actividade económica, ou à
autoridade pública sòmente. Devem, por isso, denunciar-se como erróneas tanto
as doutrinas que, a pretexto duma falsa liberdade, se opõem às necessárias reformas,
como as que sacrificam os direitos fundamentais dos indivíduos e das
associações à organização colectiva da produção.
Lembrem-se, de resto, os cidadãos,
ser direito e dever seu, que o poder civil deve reconhecer, contribuir, na
medida das próprias possibilidades, para o verdadeiro desenvolvimento da sua
comunidade. Sobretudo nas regiões economicamente menos desenvolvidas, onde é
urgente o emprego de todos os recursos disponíveis, fazem correr grave risco ao
bem comum todos aqueles que conservam improdutivas as suas riquezas ou, salvo o
direito pessoal de emigração, privam a própria comunidade dos meios materiais
ou espirituais de que necessita.
Para satisfazer às exigências da
justiça e da equidade, é necessário esforçar-se enèrgicamente para que,
respeitando os direitos das pessoas e a índole própria de cada povo, se
eliminem o mais depressa possível as grandes e por vezes crescentes
desigualdades económicas actualmente existentes, acompanhadas da discriminação
individual e social. De igual modo, tendo em conta as especiais dificuldades da
agricultura em muitas regiões, quer na produção quer na comercialização dos
produtos, é preciso ajudar os agricultores no aumento e venda da produção, na
introdução das necessárias transformações e inovações e na obtenção dum justo
rendimento; para que não continuem a ser, como muitas vezes acontece, cidadãos
de segunda categoria. Quanto aos agricultores, sobretudo os jovens, dediquem-se
com empenho a desenvolver a própria competência profissional, sem a qual é impossível
o progresso da agricultura.
É também exigência da justiça e da
equidade que a mobilidade, necessária para o progresso económico, seja regulada
de tal maneira que a vida dos indivíduos e das famílias não se torne insegura e
precária. Deve, portanto, evitar-se cuidadosamente toda e qualquer espécie de
discriminação quanto às condições de remuneração ou de trabalho com relação aos
trabalhadores oriundos de outro país ou região, que contribuem com o seu
trabalho para o desenvolvimento económico da nação ou da província. Além disso,
todos, e antes de mais os poderes públicos, devem tratá-los como pessoas, e não
como simples instrumentos de produção, ajudá-los para que possam trazer para
junto de si a própria família e arranjar conveniente habitação, e favorecer a
sua integração na vida social do povo ou da região que os acolhe. Todavia, na
medida do possível, criem-se fontes de trabalho nas suas próprias regiões
(Cita-se a Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII). (...) Dado que a
actividade económica é, na maior parte dos casos, fruto do trabalho associado
dos homens, é injusto e desumano organizá-la e dispô-la de tal modo que isso
resulte em prejuízo para qualquer dos que trabalham.
Ora, é demasiado frequente, mesmo
em nossos dias, que os trabalhadores estão de algum modo escravizados à própria
actividade. Isto não encontra justificação alguma nas pretensas leis
económicas. É preciso, portanto, adaptar todo o processo do trabalho produtivo
às necessidades da pessoa e às formas de vida; primeiro que tudo da doméstica,
especialmente no que se refere às mães, e tendo sempre em conta o sexo e a
idade. Proporcione-se, além disso, aos trabalhadores a possibilidade de
desenvolver, na execução do próprio trabalho, as suas qualidades e
personalidade. Ao mesmo tempo que aplicam responsàvelmente a esta execução o
seu tempo e forças, gozem, porém, todos de suficiente descanso e tempo livre
para atender à vida familiar, cultural, social e religiosa. Tenham mesmo
oportunidade de desenvolver livremente as energias e capacidades que talvez
pouco possam exercitar no seu trabalho profissional.
Deus destinou a terra com tudo o
que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados
devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada
pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as
legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis
circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por
esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que
legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de
que possam beneficiar não só a si mas também aos outros. De resto, todos têm o
direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias. Assim
pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando que os homens têm obrigação
de auxiliar os pobres e não apenas com os bens supérfluos. Aquele, porém, que
se encontra em extrema necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros,
o que necessita . Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado
Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para que, recordados
daquela palavra dos Padres - 'alimenta o que padece fome, porque, se o não
alimentaste, mataste-o' - repartam realmente e distribuam os seus bens,
procurando sobretudo prover esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes
permitam ajudar-se e desenvolver-se a si mesmos. (...) De modo análogo, nas
nações muito desenvolvidas econòmicamente, um conjunto de instituições sociais
de previdência e seguro pode constituir uma realidade parcial do destino comum
dos bens. Deve prosseguir-se o desenvolvimento dos serviços familiares e
sociais, sobretudo daqueles que atendem à cultura e educação. Na organização de
todas estas instituições, porém, deve atender-se a que os cidadãos não sejam
levados a uma certa passividade com relação à sociedade ou à irresponsabilidade
e recusa de serviço. (...)
Dado que a propriedade e as outras
formas de domínio privado dos bens externos contribuem para a expressão da
pessoa e lhe dão ocasião de exercer a própria função na sociedade e na
economia, é de grande importância que se fomente o acesso dos indivíduos e
grupos a um certo domínio desses bens. A propriedade privada ou um certo
domínio sobre os bens externos asseguram a cada um a indispensável esfera de
autonomia pessoal e familiar, e devem ser considerados como que uma extensão da
liberdade humana. Finalmente, como estimulam o exercício da responsabilidade,
constituem uma das condições das liberdades civis.
As formas desse domínio ou
propriedade são actualmente variadas e cada dia se diversificam mais. Mas todas
continuam a ser, apesar dos fundos sociais e dos direitos e serviços
assegurados pela sociedade, um factor não desprezível de segurança. O que se
deve dizer não só dos bens materiais, mas também dos imateriais, como é a
capacidade profissional. No entanto, o direito à propriedade privada não é
incompatível com as várias formas legítimas de direito de propriedade pública.
Quanto à apropriação pública dos bens, ela só pode ser levada a cabo pela
legítima autoridade, segundo as exigências e dentro dos limites do bem comum, e
mediante uma compensação equitativa. Compete, além disso, à autoridade pública
impedir o abuso da propriedade privada em detrimento do bem comum. De resto, a
mesma propriedade privada é de índole social, fundada na lei do destino comum
dos bens. O desprezo deste carácter social foi muitas vezes ocasião de cobiças
e de graves desordens, chegando mesmo a fornecer um pretexto para os que
contestam esse próprio direito. (...)"
Esta preocupação quanto ao "destino comum" dos bens parece estar no cerne da preocupação do papa Francisco. Ele acredita que o libertarianismo joga os direitos e interesses dos indivíduos contra o bem comum. É frustrante ter de fazer esta explicação porque sempre foi um grande objetivo da tradição liberal (desde o Iluminismo escocês até o presente) argumentar que indivíduos e bem comum não são inconsistentes; que um não precisa estar contra o outro.
R:
Não apenas ele, mas o Magistério perene da Igreja. Desde os papas que desde o primeiro instante combateram com fervor as ideias Iluministas e Liberais promovidas pela Maçonaria até hoje. É incrível que aqueles que reprimiram a Igreja com Fúria e que travaram uma guerra colossal com a Santa Sé, agora adquiram a estratégia de apagar o passado e o Magistério da Igreja, tentando concentrar a oposição notória a eles num papa a que se atrevem a insinuar que seja herege.
A busca pelo bem de todos não requer a violação dos interesses e direitos individuais. E a defesa dos interesses e direitos individuais não precisa estar em conflito com o bem de todos. Considere as palavras do homem que é amplamente considerado o principal gênio libertário do século XX, Ludwig von Mises. Em seu livro Liberalismo - Segundo a Tradição Clássica, de 1927, ele argumenta que somente o liberalismo busca o bem de todos, jamais querendo satisfazer apenas os interesses de um grupo especial. (...)
R:
Como já percebemos, e sem fazer análise de mérito do pensamento em si, o problema aqui - e que é objeto de abordagem - é que tal interpretação destoa radicalmente da proposta da Moral Católica para o mundo expressa nos Documentos dos Santos Padres ao longo da História.
A Quadragesimo annum é pontual e certeira:
"(...) Mas
antes de entrarmos neste assunto, devemos pressupor, o que já provou
abundantemente Leão XIII, que julgar das questões sociais e económicas é dever
e direito da Nossa Suprema Autoridade (Citação da Encíclica Rerum Novarum). Não
foi certamente confiada à Igreja, a missão de encaminhar os homens à conquista
de uma felicidade apenas transitória e caduca, mas eterna. "A Igreja crê
não dever intrometer-se sem motivo nos assuntos terrenos" (Citação da
Encíclica Ubi arcano). O que não pode, é renunciar ao ofício de que Deus a
investiu, de interpor a sua Autoridade não em assuntos técnicos, para os quais
lhe faltam competência e meios, mas em tudo o que se refere à moral. Dentro
deste campo, o depositum fidei que Deus Nos confiou e o importantíssimo encargo
de divulgar toda a lei moral, interpretá-la e urgir o seu cumprimento oportuna
e importunamente, sujeitam e subordinam ao Nosso juízo a ordem social e as
mesmas questões económicas. (...) A razão mostra claramente, da mesma natureza
das coisas e da natureza individual e social do homem, o fim imposto pelo
Criador a toda a ordem económica.
Por
sua parte a lei moral manda-nos perseguir tanto o fim supremo e último em todo
o exercício da nossa actividade, como, nos diferentes domínios por onde ela se
reparte, os fins particulares impostos pela natureza, ou melhor, por Deus autor
da mesma; subordinando sempre estes fins aquele, como pede a boa ordem. Se
seguirmos fielmente esta regra, sucederá, que os fins particulares da economia,
sejam eles individuais ou sociais, se inserirão facilmente na ordem geral dos
fins, e nós subindo por eles, como por uma escada, chegaremos ao fim último de
todos os seres, que é Deus, bem supremo e inexaurível para si e para nós.
Para
vir agora ao particular, começamos pelo direito de propriedade. Sabeis,
veneráveis Irmãos e amados Filhos, que Leão XIII de feliz memória defendeu
tenazmente o direito de propriedade contra as aberrações dos socialistas do seu
tempo, mostrando que a destruição da propriedade particular reverteria, não em
vantagem, mas em ruína da classe operária. Mas como não falta quem com
flagrante injustiça calunie o Sumo Pontífice e a Igreja de ter zelado e de
zelar somente os interesses dos ricos contra os proletários, pareceu-Nos bem vingar de tais calúnias a sua doutrina que é a
católica e defendê-la de falsas interpretações.
Primeiramente
tenha-se por certo, que nem Leão XIII, nem os teólogos, que ensinaram seguindo
a Doutrina e Direcção da Igreja, negaram jamais ou puseram em dúvida a dupla característica
da propriedade, a que chamam individual e social, dizendo-se respeito ou aos
particulares ou ao bem-comum. Pelo contrário foram unânimes em afirmar que a
natureza ou o próprio Criador deram ao homem o direito de propriedade
particular, não só para que ele possa prover às necessidades próprias e da
família, mas para que sirvam verdadeiramente ao seu fim os bens destinados pelo
Criador a toda a família humana: ora nada disto se pode obter, se não se
observa uma ordem certa e bem determinada.
Deve
portanto evitar-se cuidadosamente uma duplo engodo, em que se pode cair. Pois
como o negar ou cercear o direito de propriedade social e pública precipita no
chamado 'individualismo' ou dele muito aproxima, assim também rejeitar ou minar o direito de propriedade privada ou individual leva rapidamente ao
'colectivismo' ou pelo menos à necessidade de admitir-lhe os princípios. Sem a
luz destas verdades ante os olhos, cair-se-á depressa nas sirtes do modernismo
moral, jurídico e social, que denunciamos com letras Apostólicas no princípio
do Nosso Pontificado (Citação da
Encíclica Ubi arcano); tenham-no presente sobretudo aqueles espíritos
desordeiros, que com infames calúnias ousam acusar a Igreja de ter permitido, que
se introduzisse na Doutrina Teológica um o conceito pagão do propriedade, ao
qual desejam a todo o custo substituir por outro, que eles com pasma ignorância
apelidaram de cristã. (...)
Prestam
portanto grande serviço à boa causa e são dignos de todo o elogio os que, salva
a concórdia dos ânimos e a integridade da Doutrina Tradicional da Igreja, se
empenham em definir a natureza íntima destas obrigações e os limites, com que
as necessidades do convívio social circunscrevem tanto o direito de
propriedade, como sua justa relativização, haja vista eventual necessidade do Bem-Comum e assim como mitigação no uso do exercício do domínio. Pelo contrário muito se
enganam e erram aqueles que tentam reduzir a propriedade individual a ponto de quase a abolir.
Efectivamente,
que deva o homem atender não só ao próprio interesse, mas também ao bem comum,
deduz-se da própria índole, a um tempo individual e social, da propriedade, a
que nos referimos. Definir porém estes deveres nos seus pormenores e segundo as
circunstâncias, compete aos que estão a frente do Estado, já que a lei natural
ordinária não o faz. E assim a autoridade pública, iluminada sempre pela luz
natural e divina, e pondo os olhos só no que exige o bem comum, pode decretar
mais minuciosamente o que aos proprietários seja lícito ou ilícito no uso de
seus bens. Já Leão XIII ensinou sabiamente que "Deus confiou à indústria
dos homens e às instituições dos povos a demarcação da propriedade
individual" (Citação da Encíclica Rerum Novarum). E realmente o regime da
propriedade não é mais imutável, que qualquer outra instituição da vida social,
como o demonstra a história e Nós mesmo notámos em outra ocasião: "Que
variedade de formas concretas não revestiu a propriedade desde a forma
primitiva dos povos selvagens, de que ainda há hoje vestígios, até à forma de
propriedade dos tempos patriarcais, e depois sucessivamente desde as diversas
formas tirânicas (usamos esta palavra no seu sentido clássico), através dos
feudos e logo das monarquias, até às formas existentes na idade moderna"
(Citação à Alocução aos membros de Acção Católica italiana). É evidente porém
que a autoridade pública não tem direito de desempenhar desmesuradamente esta
função, pois devem ser conservados o direito natural de propriedade e o direito
do proprietário de legar dos seus bens. Eis porque o sábio Pontífice declarava
também, que o Estado não tem direito de esgotar a propriedade particular com
excessivas contribuições: "Não é das leis humanas, mas da natureza, do
qual emana o direito de propriedade individual; a autoridade pública não a pode
portanto abolir, mas pode moderar-lhe o uso e harmonizá-lo com o bem
comum". Quando o Estado assim concilia o direito de propriedade com as
exigências do bem comum, longe de mostrar-se inimigo dos proprietários
presta-lhes benévolo apoio; de facto, fazendo isto, impede eficazmente que a
posse particular dos bens, estatuída com tanta sabedoria pelo Criador em
vantagem da vida humana, gere desvantagens intoleráveis e venha assim a
arruinar-se: não oprime a propriedade, mas defende-a; não a enfraquece, mas
reforça-a."
Já a Encíclica Populorum Progressio:
"Se a terra é feita para fornecer a cada um os meios de subsistência e os instrumentos do progresso, todo o homem tem direito, portanto, de nela encontrar o que lhe é necessário. O recente Concílio lembrou: 'Deus destinou a terra e tudo o que nela existe ao uso de todos os homens e de todos os povos, de modo que os bens da criação afluam com eqüidade às mãos de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade (Gaudium et Spes, nº 69 §1)'. Todos os outros direitos, quaisquer que sejam, incluindo os de propriedade e de livre comércio, estão-lhe subordinados: não devem portanto impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização; e é um dever social grave e urgente conduzi-los à sua finalidade primeira. 'Se alguém, gozando dos bens deste mundo, vir o seu irmão em necessidade e lhe fechar as entranhas, como permanece nele a caridade de Deus? (Jo 3,17)'. Sabe-se com que insistência os Padres da Igreja determinaram qual deve ser a atitude daqueles que possuem em relação aos que estão em necessidade: 'não dás da tua fortuna', assim afirma santo Ambrósio, 'ao seres generoso para com o pobre, tu devolves daquilo que o pertence. Porque aquilo que te atribuis a ti, foi dado em comum para uso de todos. A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos' (De Nabuthe, c.12, n. 53, PL 14, 747. Cf. J.R). Quer dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário. Numa palavra, 'o direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem-comum, segundo a Doutrina Tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos'. Surgindo algum conflito 'entre os direitos privados e adquiridos e as exigências comunitárias primordiais', é ao poder público que compete 'resolvê-lo, com a participação ativa das pessoas e dos grupos sociais.' O bem-comum exige por vezes a expropriação, se certos domínios que formam obstáculos à prosperidade coletiva, pelo fato da sua extensão, da sua exploração fraca ou nula, da miséria que daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos interesses do país. Afirmando-o com clareza, o Concílio também lembrou, não menos claramente, que o rendimento disponível não está entregue ao livre capricho dos homens, e que as especulações egoístas devem ser banidas. Assim, não é admissível que cidadãos com grandes rendimentos, provenientes da atividade e dos recursos nacionais, transfiram uma parte considerável para o estrangeiro, com proveito apenas pessoal, sem se importarem do mal evidente que com isso causam à pátria. (Gaudium et Spes, nº 71, §6; 65, §3). (...) Capitalismo liberal - Infelizmente, sobre estas novas condições da sociedade, construiu-se um sistema que considerava o lucro como motor essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como direito absoluto, sem limite nem obrigações sociais correspondentes. Este liberalismo sem freio conduziu à ditadura denunciada com razão por Pio XI, como geradora do 'imperialismo internacional do dinheiro (Enc. Quadragesimo Anno)'. Nunca será demasiado reprovar tais abusos, lembrando mais uma vez, solenemente, que a economia está ao serviço do homem. Mas, se é verdade que um certo capitalismo foi a fonte de tantos sofrimentos, injustiças e lutas fratricidas com efeitos ainda duráveis, é contudo sem motivo que se atribuem à industrialização males que são devidos ao nefasto sistema que a acompanhava. Pelo contrário, é necessário reconhecer com toda a justiça o contributo insubstituível da organização do trabalho e do progresso industrial na obra do desenvolvimento. Nunca será demais defender os países pobres desta tentação que lhes vem dos povos ricos que apresentam, muitas vezes, não só o exemplo do seu êxito numa civilização técnica e cultural, mas também o modelo de uma atividade, aplicada sobretudo à conquista da prosperidade material. Esta não impede, por si mesma, a atividade do espírito. Pelo contrário, 'o espírito, mais liberto da escravidão das coisas, pode facilmente elevar-se ao culto e contemplação do Criador.' No entanto, 'a civilização atual, não pelo que tem de essencial, mas pelo fato de estar muito ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a Deus (Gaudium et Spes, nº 57,4)'. Naquilo que lhes é proposto, os povos em via de desenvolvimento devem saber escolher: criticar e eliminar os falsos bens que levariam a uma diminuição do ideal humano, e aceitar os valores verdadeiros e benéficos, para os desenvolver, juntamente com os seus, segundo a própria índole. Repetimos, mais uma vez: o supérfluo dos países ricos deve pôr-se ao serviço dos países pobres. A regra que existia outrora em favor dos mais próximos, deve aplicar-se hoje à totalidade dos necessitados do mundo inteiro. Aliás, serão os ricos os primeiros a beneficiar-se com isto. De outro modo, a sua avareza continuada provocaria os juízos de Deus e a cólera dos pobres, com conseqüências imprevisíveis. Concentradas no seu egoísmo, as civilizações atualmente florescentes lesariam os seus mais altos valores, sacrificando a vontade de ser mais, ao desejo de ter mais. E aplicar-se-ia a parábola do homem rico, cujas propriedades tinham produzido muito e que não sabia onde guardar a colheita: 'Deus disse-lhe: néscio, nesta mesma noite virão reclamar a tua alma (Lc 12,20).' (...) Quer dizer que a regra da livre troca já não pode, por si mesma, reger as relações internacionais. As suas vantagens são evidentes quando os países se encontram mais ou menos nas mesmas condições de poder econômico: constitui estímulo ao progresso e recompensa do esforço. Por isso os países industrialmente desenvolvidos veem nela uma lei de justiça. Já o mesmo não acontece quando as condições são demasiado diferentes de país para país: os preços 'livremente' estabelecidos no mercado podem levar a consequências iníquas. Devemos reconhecer que está em causa o princípio fundamental do liberalismo, como regra de transações comerciais. Continua a valer o ensinamento de Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum: em condições demasiado diferentes, o consentimento das partes não basta para garantir a justiça do contrato, e a regra do livre consentimento permanece subordinada às exigências do direito natural (Acta Leonis XIII, t. XI, p.131). O que era verdade do justo salário individual, também o é dos contratos internacionais: uma economia de intercâmbio já não pode apoiar-se sobre a lei única da livre concorrência, que freqüentes vezes leva à ditadura econômica. A liberdade das transações só é equitativa quando sujeita às exigências da justiça social."
Mas eis o problema. Trata-se de um fato incontornável da vida humana que cada indivíduo é diferente um do outro. Você pode até mesmo dizer que tudo foi projetado para ser exatamente assim. A grande descoberta do liberalismo foi observar e mostrar que é possível os indivíduos buscarem seus interesses de uma maneira que não apenas não destrua os laços comunitários, como também os fortaleça. Que isso seja verdade é algo ainda mais óbvio em nossa era. A tecnologia tornou isso possível. As vidas passaram a ser mais integradas à medida que aumentaram as conexões entre grupos e nações. É o grande fardo da tradição liberal/libertária ter de eternamente explicar que o caminho para a vida comunitária passa pela busca dos interesses individuais em cooperação voluntária com outros. Já tentamos explicar isso ao longo dos últimos séculos, mas a mensagem parece nunca chegar. É como se tivéssemos, eternamente, de fazer explicações adicionais e até mesmo reformular idéias e afirmações. (...) Em suma, o libertarianismo busca um mundo mais livre, um mundo de direitos universais, a construção de instituições que dão à dignidade humana a melhor vantagem possível sobre os interesses poderosos, majoritariamente associados aos governos, que buscam violar esses direitos e diminuir a dignidade. (...) Libertários não são invasores indesejáveis, mas sim defensores do contínuo progresso do mundo que a própria Igreja Católica pretende servir e defender.
R:
A Igreja não nega que os indivíduos sejam desiguais e que isso seja um dom de Deus, a Igreja tão somente não concebe as conclusões a que os Liberais e neoliberais (ancaps, libertários, minarquistas, etc.) chegam a partir delas. Assim como também não concebe as conclusões a que os Teólogos da Libertação chegam a partir de uma determinada gama de fatos da natureza e valores com os quais a Igreja se preocupa. Como diz o Padre Paulo, a Esquerda não é de Direita, nem de Esquerda, a Igreja é Católica e o catecismo resume a posição do Magistério de forma primorosa para os preguiçosos que não desejam ler as Encíclicas:
Catecismo da Igreja Católica:
§ 2419 - "A revelação cristã
leva a uma compreensão mais profunda das leis da vida social." A Igreja
recebe do Evangelho a revelação plena da verdade do homem. Quando ela cumpre
sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua
dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhe as exigências
da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina.
§ 2420 - A Igreja emite um juízo
moral, em matéria econômica e social, "quando o exigem os direitos
fundamentais da pessoa ou a salvação das almas". Na ordem da moralidade,
tem uma missão distinta da missão das autoridades políticas. A Igreja se preocupa
com aspectos temporais do bem comum em razão de sua ordenação ao Sumo Bem,
nosso fim último. Procura inspirar as atitudes justas na relação com os bens
terrenos e nas relações socioeconômicas.
§ 2421 - A doutrina social da
Igreja se desenvolveu no século XIX, por ocasião do encontro do Evangelho com a
sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção de bens de
consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas
formas de trabalho e de propriedade. o desenvolvimento da doutrina da Igreja,
em matéria econômica e social, atesta valor permanente do ensinamento da Igreja
e, ao mesmo tempo, o sentido verdadeiro de sua Tradição sempre viva e ativa.
§ 2422 - O ensinamento social da
Igreja abrange um corpo de doutrina na que se articula à medida que a Igreja
interpreta os acontecimentos ao longo da história, à luz do conjunto da palavra
revelada por Jesus Cristo, com a assistência do Espírito Santo. Este
ensinamento se torna mais aceitável aos homens de boa vontade quanto mais
profundamente inspira a conduta dos fiéis.
§ 2423 - A doutrina social da
Igreja propõe princípios, apresenta critérios de juízo e orienta para a ação.
Todo sistema segundo o qual as
relações sociais seriam inteiramente determinadas pelos fatores econômicos é
contrário à natureza da pessoa humana e de seus atos.
§ 2424 - Uma teoria que faz do
lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é moralmente
inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de produzir seus
efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a
ordem social.
Um sistema que "sacrifica os
direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização coletiva da
produção" é contrário à dignidade do homem. Toda prática que reduz as
pessoas a não serem mais que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o
homem, conduz a idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo.
"Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24; Lc
16,13).
§ 2425 - A Igreja tem rejeitado as
ideologias totalitárias e atéias associadas, nos tempos modernos, ao 'comunismo'
ou ao 'socialismo'. Além disso, na prática do 'capitalismo', ela recusou o
individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano.
A regulamentação da economia exclusivamente por meio planejamento centralizado
perverte na base os vínculos sociais; sua regulamentação unicamente pela lei do
mercado vai contra a justiça social, "pois há muitas necessidades humanas
que não podem atendidas pelo mercado'. É preciso preconizar uma regulamentação
racional do mercado e das iniciativas econômicas, de acordo com uma justa
hierarquia de valores e em vista do bem comum.
.
Vamos finalizar essa Primeira Parte que tratou de esclarecer o Magistério e a Verdadeira Fé com uma citação da Encíclica do atual Pontífice, o papa Francisco que (em que pese a ênfase em tais pautas), em nada destoa - para o choro livre de toda sorte de heresias de Esquerda ou de Direita - do Credo de Sempre e não fala nada absurdamente novo ou singular que já não tenha sido dito por seus predecessores:
"A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a fagocitar tudo para aumentar os benefícios de poucos, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta. É a completa negação da Economia a serviço do Homem, do Bem, da Felicidade, do Amor. Vivemos o apogeu da idolatria ao novo bezerro de ouro, que é o consumismo que não conhece medidas (...) Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se profanamente cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respectivos juros afastam os países pobres das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, a tarefa é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e aos povos o que lhes pertence. A segunda tarefa é unir nossos povos no caminho da paz e da justiça. Precisamos encontrar uma maneira de fazer com que todos possam se beneficiar dos frutos da terra, não somente para evitar um aumento na diferença entre os que mais têm e os que têm que se conformar com migalhas, mas, sobretudo, por uma exigência de justiça, equidade e respeito a todos os seres humanos. É um verdadeiro escândalo o fato de existirem milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome, enquanto a produção de alimentos atual se mostra muito bem suficiente para todos. (...) O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se dum pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja. O neoliberalismo reproduz-se sempre igual a si mesmo, recorrendo à mágica teoria do 'traboccamento' ou do 'gocciolamento' – sem a nomear – como única via para resolver os problemas sociais. Não se dá conta de que o suposto 'traboccamento' não resolve a desigualdade, sendo, esta, fonte de novas formas de violência que ameaçam o tecido social. O individualismo não nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos. A mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade. Nem pode sequer preservar-nos de tantos males, que se tornam cada vez mais globais. Mas o individualismo radical é o vírus mais difícil de vencer. Ilude. Faz-nos crer que tudo se reduz a deixar à rédea solta as próprias ambições, como se, acumulando ambições e seguranças individuais, pudéssemos construir o Bem-Comum. (...) O fim da história não foi como previsto, tendo as receitas dogmáticas da teoria econômica imperante demonstrado que elas mesmas são falíveis. A fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que, além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças, 'devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais alternativas de que precisamos'". - Papa Francisco - Encíclicas Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho) e Fratelli Tutti (todos os Irmãos)
A propósito, São Basílio, Louco por Cristo, tomava à força ["roubava"] comida dos ricos para envergonhá-los e dar aos pobres. Seu homônimo, São Basílio Magno, diz:
“Quando alguém rouba as roupas de um homem, nós o chamamos de ladrão. Não deveríamos dar o mesmo nome a alguém que poderia vestir os nus, mas não o faz? O pão que para ti sobra é o pão que pertence ao faminto. A roupa que guardas mofando é a roupa que pertence aos nus. Os sapatos que não usas são os sapatos que pertencem aos homens que andam descalços. O dinheiro que acumulas pertence aos pobres. As obras de caridade que não praticas são outras tantas injustiças que cometes. Quem acumula mais que o necessário pratica crime." - São Basílio, Magno - Comentário a Mateus 25:31-46; Homilia sobre Lucas 12:18
"Tu, que revestes tua cama de prata e de ouro o teu cavalo, se te pedirem conta e explicações de tanta riqueza, que razão alegarás? Quando tu já estiverdes morto, as pessoas que passarem diante de teu palácio, vendo o tamanho e o luxo, dirão ao seu vizinho: 'ao preço de quantas lágrimas foi edificado este palácio? De quantos órfãos deixados nus? De quantas viúvas injustiçadas? De quantos operários espoliados de seu salário?' Sim, nem morto escaparás das acusações." - São João Crisóstomo - Comentário ao Salmo 49
"Nabot não foi o único pobre assassinado. Todo dia um Nabot cai ao solo; todo dia um Nabot é assassinado. Tu não estás dando ao pobre o que é teu, mas lhe devolves o que é dele. Pois o que é comum e foi dado a todos, tu o estás usurpando sozinho. A terra pertence a todos e não apenas aos ricos. Infelizmente, são pouquíssimo os que podem usufruir a terra." - Santo Ambrósio - Comentário a I Reis 21
"Vós, homens ricos, usais penicos de prata. Vós, mulheres ricas e estúpidas, atirais fezes em objetos de prata. Sois idiotas e orgulhosos até no defecar." - São Clemente de Alexandria - Disposições
Por último é imprescindível desmontar duas objeções que são propaladas frente a uma condenação tão visceral e unânime por parte do Sagrado Magistério:
A primeira e mais fácil de responder consiste na citação de alguns leigos católicos como Thomas Woods que escreveu The Church and the Market: A catholic defense of the free economy (e que foi belamente respondido pelos livros-respostas de Christopher Ferrara The Church and the Libertarian: A defense of the Catholic Church's teaching on man, economy and State e Angus Sibley, que escreveu The "Poisoned Spring" of Economic Libertarianism: Menger, Mises, Hayek, Rothbard: a critique from Catholic social teaching of the 'Austrian school' of economics, além do apoio acadêmico de nomes como John Médaille e Dale Ahlquist) e até membros do clero (contados nos dedos de uma mão, que bom!) que publicamente aderiram ao Libertarianismo e que, com isso, essa adesão desses senhores seria evidência de que a Igreja Católica não seria incompatível essa ideologia neoliberal (Vide, por exemplo, o livro Stato di diritto, Divisione dei poteri, Diritti dell’uomo do padre Beniamino di Martino em que ele demonstra certa preferência pela organização libertária de sociedade). Esquecem tais propositores que um sem número de pecadores e de defensores do pecado diz ser católico. Desde leigos e membros do clero que defendem e são filiados à Maçonaria, defendem o casamento gay, o aborto (vide o tal grupo brasileiro ‘Católicas pelo Direito de Abortar’), que negam a Transubstanciação Eucarística, a infalibilidade papal, que são Socialistas (vide o exército de teólogos da Libertação que insistem em penetrar nas entranhas da Igreja), etc. Enfim, o fato de que alguém – seja padre ou leigo – defende a eutanásia não implica dizer que ele esteja falando pela Santa Igreja ou que esteja alinhado com ela, quer dizer apenas e tão somente, para usar uma expressão do Papa Paulo VI, “a fumaça de Satanás penetra por entre os poros da Igreja”.
A Segunda já respondemos parcialmente na tentativa de associar São Tomás de Aquino à posição Anarcocapitalista ou Libertária.
Esse argumento consiste em tentar criar algum elo de ligação alucinógeno entre a tese Libertária e os Escolásticos Espanhóis, mais especificamente da Escola de Salamanca, cujos expoentes comumente citados foram Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Juan de Medina, Martin de Azpilcueta (Navarrus), Diego de Covarrubias y Leiva, Tomas de Mercado, Luis Molina (Molineus), o Cardeal Juan de Lugo, Leonard de Leys (Lessius) e Juan de Mariana.
Partindo do ponto de que esses Escolásticos defenderam vários elementos do capitalismo, como o fortalecimento do mercado, das relações privadas, oferta monetária que mais tarde os Liberais "descobriram" ou usariam como referência, ideias sobre crédito, análise cítica do sistema bancário, preços, empreendedorismo, concorrência, escassez, inflação, circulação de moeda, teoria subjetiva envolvendo o valor, etc.,
os Libertários tentam defender que, portanto, houve influência dos Escolásticos na Escola Austríaca e, depois, na Teoria Libertária e que (?), portanto, a Igreja e o Magistério são compatíveis com o Anarcocapitalismo. O notório equívoco consiste, como já dissemos, em
emprego persistente de Falácia cum hoc ergo propter hoc. Se, de fato, houve uma “influência” dos trabalhos dos Escolásticos não apenas nas Escolas que estudam e defendem o sistema capitalista, mas também no desenvolvimento do próprio capitalismo,
isso não implica dizer que os Escolásticos estariam alinhados com a defesa de tais ramos de pensamentos posteriores que receberam alguma influência e que foram radicalizados. Como já mostramos acima, a
Igreja não faz oposição sistemática ao capitalismo, mas também não defende um Primado Absoluto da Propriedade Privada ou do Mercado sobre o Trabalho Humano. E, abaixo, mostraremos que claramente também os Escolásticos não embarcaram em defesas extravagantes, hereges e incompatíveis com a Sabedoria Católica de sempre.
Antes, contudo, só consideramos fundamental
esclarecer que
AINDA QUE os Escolásticos Espanhóis
tivessem defendido visceralmente
(o que não ocorreu e abaixamos mostramos isso) que Imposto é Roubo, o Estado é incompatível com a Ética e a Justiça, que não deveria haver qualquer tipo de intervenção coercitiva no direito absoluto à propriedade ou ao livre contrato, comércio, etc.
Isso não implicaria que tais entendimentos seriam compatíveis com a Igreja Católica. Já explicamos na Introdução e nos trechos que falam sobre o
depositum fidei e Infalibilidade Papal como
a Igreja está organizada na crença nela própria, ou seja, no Magistério anunciado pelos Santos Padres que sucedem São Pedro. Antes de se pronunciar o Magistério, contudo, a
Igreja Militante, enquanto Corpo de Cristo, está autorizada a utilizar a Fé Teológica e a Razão para descobrir a Verdade. Em todo Sínodo, todo Concílio
há sempre bispos e padres que defendem teses antagônicas. Por exemplo, no Concílio de Trento, que afirmou o Dogma da Imaculada Conceição, houve grandes divergências e debates entre franciscanos e dominicanos.
Com a Declaração do Papa e do Sagrado Magistério, contudo, o lado perdedor que entendia não se sustentar a tese da Imaculada foi automaticamente compelido a acatar essa verdade de Fé e os que não o fizeram afastaram-se da Santa Madre Igreja. De igual modo,
AINDA QUE os Escolásticos tivessem defendido e sustentado essas teses alinhadas com o libertarianismo, o pronunciamento perene do Magistério a respeito da Doutrina Social que exibimos acima não deixa qualquer dúvida de que eles se encontrariam no mesmo lugar teológico e eclesial dos dominicanos pré-Concílio de Trento que acreditavam que Maria não era Imaculada. Sendo assim, absurdo é tal citação sob justificativa de compatibilizar uma heresia com a Santa Doutrina Católica. Só podemos reputar tal proposta como
erro de compreensão grave ou distorção intencional da Verdade.
Agora analisando especificamente o argumento em si, há algumas obras citadas por libertários que apontariam nesse sentido de compatibilidade entre Libertarianismo/Anarcocapitalismo e Escolásticos, como Em '
The Political Economy of Juan de Mariana' de John Laures
(obra citada como “referência” por Rothbard), '
Jesuit Political Thought: The Society of Jesus and the State' de Harro Hopfl e '
The missing element in modern economics' de John D. Mueller.
Usaremos, portanto, citações DESSAS obras para apontar o notório engodo e desonestidade intelectual envolvidos, focando não naquilo que assemelha esses grupos, mas sim no que radicalmente os diferencia: os escolásticos não padeciam de estatofobia ou impostofobia, não defendiam individualismo político ou econômico, absolutismo de mercado e de propriedade, o subjetivismo econômico não era defendido estritamente, não há conotação libertária nas doutrinas do consentimento e do tiranicídio, havia defesa do Estado além do mínimo, a percepção sobre a fonte de legitimidade do Estado era distinta, havia defesa de Bem-Comum, havia a compreensão de que impostos eram baseados na Lei Natural, que o Estado deveria sim intervir na Economia e nas relações privadas e mesmo contestação à ideia de que a Escola Austríaca seja “neta” da Escola de Salamanca. Avaliemos:
Começaremos com o reconhecimento de John D. Mueller de que a ideia sem qualquer respaldo na realidade de que
a Escola de Salamanca seria "avó" da Escola Austríaca simplesmente não procede:
“O que é digno de objeção é o termo 'economia escolástica proto-austríaca', dado que ela lê a história — que correria sempre para frente — na direção errada, ao escolher a Escola Austríaca como o ponto de encontro para o qual a economia deveria se dirigir. Joseph Schumpeter similarmente considerou os escolásticos como sendo “proto-Walrasianos” […] Como Alexandre Chafuen documentou em seu excelente livro Fé e Liberdade, presentes pessoais e justiça distributiva eram centrais para a teoria econômica escolástica, no seu início e mais tardiamente. (Chafuen, 2003, pp. 92–93, 101–103) E ainda assim, elas não são ensinadas em nenhuma escola neoclássica, incluindo a Escola Austríaca.” - John D. Mueller - The missing element in modern economics'
“Mariana
e todos os jesuítas espanhóis concordam que a taxação é baseada na lei natural.
Segundo a sua doutrina, o Estado é uma instituição humana necessária e
essencial. Este Estado não pode, contudo, realizar o seu fim sem os meios
necessários. Já que, portanto, o Estado é apenas uma conseqüência da lei
natural, os meios necessários ao Estado também são ditados por essa lei. Essa
é, em resumo, a base escolástica para a taxação. Ela foi exposto por São Tomás
de Aquino e foi mantida e desenvolvida pelos escolásticos tardios.” - John
Laures - The Political Economy of Juan de Mariana
“Todos
eles [Mariana, Suarez, de Lugo, Molina] dizem que os impostos são pagos para o
bem comum." - John Laures - The Political Economy of Juan de Mariana
“Como
vimos repetidamente, estava fora de disputa para os jesuítas que o fim e a
justificação do governo, da lei e da política era o Bem Comum (ou os common felicitas,
beatitudo, utilitas, todos sinônimos impecavelmente aristotélicos e
tomistas)." - Harro Hopfl - Jesuit Political Thought: The Society of Jesus
and the State
“A
primeira pergunta que um sujeito deve fazer a qualquer lei ou comando,
portanto, não é: ela tem um conteúdo aceitável? Mas sim: ela emana de alguma
agência competente? Isso sugeriria que não era o conteúdo ou o fim da lei
natural ou divina, mas a fonte de uma lei que a tornava moralmente obrigatória.
Pensava-se na essência da lei que fosse declarada, estabelecida, decretada,
enunciada, comandada ou ordenada por alguma autoridade competente, uma
potestas. Ou mais precisamente, se seguirmos Belarmino, não é a essência das
leis que brota da autoridade, mas a sua existência: na medida em que algo é
lei, tem força obrigatória, mas é a autoridade que traz a lei à existência.” -
Harro Hopfl - Jesuit Political Thought: The Society of Jesus and the State
“Em
caso de dúvida, a presunção deve ser a favor do Superior, e ele deve ser
obedecido quando não há nenhuma razão avassaladora em contrário, pois se os
sujeitos pudessem recusar a obediência aos seus Superiores sempre que houvesse
algum tipo de razoável dúvida, eles freqüentemente recusariam, enquanto o
Superior nem pode nem sempre deve manifestar ao sujeito as razões que
justificam seus comandos. A conseqüência seria grande desordem e confusão em
questões comuns.” - Juan de Salas - De legibus, disp. I, S. IX, pars. 58 e 59.
“Foi
dito várias vezes que Mariana defendia melhorias púbicas em benefício do
comércio e das trocas. Esta não é a única razão pela qual ele as teria
promovido. Algumas delas podem (ao mesmo tempo) servir para embelezar a vida e
dar recreação às pessoas, cujo resultado será que elas retomarão seu trabalho
com mais vontade e o farão com mais eficiência.” - John Laures - The Political
Economy of Juan de Mariana
“Como
foi dito acima, Mariana difere radicalmente daqueles que restringem a esfera do
Estado à proteção contra a violência doméstica e estrangeira, como fazem Adam
Smith e outros individualistas. Ele ainda adere ao velho costume de fixação de
preços, embora ele praticamente o abandona ao isentar os camponeses pobres de
venderem a preço legal. Mariana está convencido de que o Estado tem, além de
suas outras obrigações, muitas obrigações sociais. Aqueles que não podem se
defender contra o rico e o poderoso se voltam para o Estado para defender sua
causa. Já que o Estado foi fundado para suprir as necessidades comuns, é justo
que devote um cuidado especial aos economicamente fracos, pois é fatal para a
comunidade se alguns são extremamente ricos e outros são miseravelmente pobres.
Vários
esquemas são propostos por nosso autor para preencher a lacuna entre os ricos e
os necessitados: restrição de fortunas privadas, caridade forçada, contribuição
implícita e direta por parte dos ricos para a satisfação de necessidades
comuns. O Estado deve também promover o bem-estar nacional, tornando os
negócios remuneradores e incentivando o comércio. Se o comércio e as trocas
florescem, o país goza de prosperidade que, como a proteção, é uma das funções
mais importantes da sociedade civil. Aqueles que podem contribuir mais do que
sua parcela proporcional para o custeio dos gastos públicos sem sofrer prejuízo
material de sua posição econômica, devem ser requisitados para impostos
adicionais. Essa convocação pode ser melhor realizada se os artigos de luxo
forem altamente tributados.
Melhorias
públicas e instituições de caridade são outros campos para a atividade social
do Estado. Nosso autor vê que somente a Igreja não pode mais atendê-los
adequadamente e que, portanto, a Igreja e o Estado devem cooperar. Aqui,
novamente, Mariana antecipou o que em nossos dias é tomado como uma questão
comum. A Revolução Industrial, o capitalismo industrial e sua reação no
socialismo têm chamado a atenção do governo para os problemas econômicos e sociais
para cuja solução Mariana propôs vários esquemas.” - John Laures - The
Political Economy of Juan de Mariana
“O
Estado, como organização social, deve estimular tudo o que tende a aumentar a
prosperidade nacional e deve remover ou remediar tudo o que é prejudicial.
Mariana acredita que a agricultura é a espinha dorsal da vida econômica
nacional porque fornece comida para o povo. Deve, portanto, ser um dos
principais deveres do rei cuidar dessa indústria. As opiniões de Mariana sobre
esse assunto são similares àquelas mais tarde defendidas pelos fisiocratas
franceses, que ensinavam que a terra é a fonte última de toda a riqueza. Não
pode haver terra não cultivada. O que não é adequado para a colheita deve ser
plantado com florestas para abastecer o país com madeira e combustível e,
assim, torná-lo independente das importações do exterior. Águas áridas devem
ser melhoradas pela irrigação, que pode ser instituída pela escavação de
canais. Essa irrigação também aumentará a evaporação e influenciará favoravelmente
as chuvas, o que, junto com a silvicultura, diminuirá as inumeráveis secas tão
fatais para a Espanha.
Um
conselho especial deve supervisionar a agricultura. Os agricultores que mantêm
suas terras em boas condições devem ser encorajados e estimulados por prêmios.
Se, por outro lado, a terra não for bem cuidada pelo proprietário, deve ser
tirada dele e cultivada pelo Estado. Uma parte do produto servirá para cobrir
as despesas de operação e outra parte pode ir para o tesouro público. Esta
prática fará com que os agricultores sejam diligentes e assegurem o cultivo de
todas as terras aráveis.
Não
lucro, mas utilidade, deve determinar os tipos de culturas a serem plantadas.
Nosso autor critica a crescente produção de vinho, alegando que ela serve apenas
para aumentar o luxo e a extravagância. Pode ser mais lucrativo para o
agricultor, mas é prejudicial para o povo como um todo. Antigamente, reclama
Mariana, só homens bebiam vinho; mas agora todos, mesmo os filhos, cedem a essa
extravagância. (…)
Embora
Mariana mereça crédito por tomar o papel do agricultor pobre, ainda assim
algumas de suas sugestões, embora bem intencionadas, não são viáveis. Ele não
explica a operação prática de seu plano para isentar os inquilinos pobres do
preço legal. Se eles exigissem um preço mais alto do que os fazendeiros ricos,
ninguém compraria deles, ou os ricos seguiriam o exemplo e insistiriam em
receber mais do que o preço legal. Assim, toda a fixação do preço seria inútil,
ou impediria toda a venda de produtos agrícolas, com os resultados de um
comércio perturbado e um aumento do custo de vida.
Se
os agricultores não tiverem liberdade para escolher as culturas que geram mais
lucro, perderão todo o interesse em suas fazendas e as negligenciarão por
completo. Isso novamente seria fatal para o bem-estar geral. Sobre esses
assuntos, Mariana é muito moralista e muito pouco economista.” - John Laures,
The Political Economy of Juan de Mariana
“Os
escolásticos concordavam que a propriedade em coisas externas não era um
direito natural. Gênesis 1:28-30 foi considerado como estabelecendo que Deus
havia dado a terra à humanidade em comum. A propriedade privada precisava,
portanto, de justificação. O argumento padrão dizia que na ausência do pecado,
no estado real ou hipotético de “inocência”, a propriedade privada não havia ou
não haveria. As condições que exigem e, portanto, justificam a propriedade
privada simplesmente não estavam presentes: de acordo com Molina, não haveria a
procriação ilimitada que deu origem à carência, nem a recalcitrância do solo
que tornou necessário o trabalho, mas o estado decaído aumentou simultaneamente
a necessidade e enfraqueceu a capacidade, e ainda mais a inclinação, de
trabalhar em tarefas árduas e desagradáveis, especialmente para o bem dos
outros ou o bem comum.” - Harro Hopfl - Jesuit Political Thought: The Society
of Jesus and the State
“A
hipotética possibilidade de alguém apropriar-se legitimamente de um pedaço de
terra pelo trabalho e a necessidade lógica de um princípio de apropriação para
a mobilia não teria absolutamente nenhum significado prático no estado de
inocência. Foi, no entanto, de forte significado prático na condição decaída da
humanidade.” - Harro Hopfl - Jesuit Political Thought: The Society of Jesus and
the State
“Os
teólogos jesuítas obviamente não estavam interessados em salvaguardar os
direitos individuais de propriedade, pelo menos neste contexto. Qualquer
sistema ou regime de leis de propriedade é uma criação da lei positiva e,
portanto, sua justificação seria em termos do bem comum, e não o bem privado
dos indivíduos. Atender o bem comum é o papel dos governantes e da lei, e o que
os governantes poderiam conceder com vistas ao bem comum, eles também poderiam
tomar com vistas ao mesmo bem comum. E, ‘em todo caso de dúvida, a presunção
deve sempre ser a favor dos superiores.’” - Harro Hopfl - Jesuit Political
Thought: The Society of Jesus and the State
“Finalmente,
o consentimento também se tornou uma questão. Na questão de levantar novos
impostos, até mesmo a coragem de Bodin parecia falhar. Tendo definido a
soberania como o direito de impor leis sem o consentimento, ele tornou a
legitimidade de novos impostos dependente do consentimento dos Estados, mesmo
em uma monarquia absoluta. Uma participação no poder de tributação foi uma das
reivindicações antigas dos Estados Gerais, Cortez, Dietas, Parlamentos, etc,
dos antigos reinos da Europa, que os monarcas ‘absolutos’ estavam
marginalizando, geralmente com sucesso.” - Harro Hopfl - Jesuit Political
Thought: The Society of Jesus and the State
“[Suarez]
muitas vezes se refere a ‘consentimento’, ‘instituição’ ou voluntas populi (ou
reipublicae) como fonte de potestas política, sem mencionar pactum ou
conventio. ‘Consentimento’ parece ser a noção genérica, e pode muito bem ter
sugerido a noção de um pactum de algum tipo para Suarez (por exemplo, Defensio
fidei, III.2.12), mas o consentimento não pode tomar a forma de um contrato:
pode ser tácito, emergindo gradualmente ao longo do tempo sem nenhum evento
específico. Essa era a explicação de os sucessores de um usurpador se tornarem
aceitos e, portanto, legítimos, e como a paternidade de Adão foi convertida em
seu principado; é também como ele explicou o consentimento envolvido na ius
gentium.” - Harro Hopfl - Jesuit Political Thought: The Society of Jesus and
the State
“No
final, então, Suárez (Defensio fidei, VI.4.14, 17-19) não pôde resistir à
lógica de Mariana de que a assembléia pública da comunidade é o agente
apropriado para disciplinar os reis, e que o tiranicídio era a ultima ratio.” -
Harro Hopfl - Jesuit Political Thought: The Society of Jesus and the State
“O
fato de que o rei da Espanha não pode tributar seus súditos sem o consentimento
dos estados não implica que essa limitação decorre da própria natureza do caso.
É de acordo com Suarez apenas um costume local. Molina nos diz que foi
introduzido através da bondade do próprio rei, numa época em que a Espanha era
próspera e a taxa de imposto muito baixa.” - Harro Hopfl - Jesuit Political
Thought: The Society of Jesus and the State
“O
único aspecto moderadamente distintivo da condenação da tirania por parte de
Mariana foi sua repetida referência a tiranos impedindo reuniões de cidadãos
(por exemplo, bk i.5, p. 50; ch. 6, p. 60; ch. 8, pp. 72-3). Mas ele teve o
cuidado de salientar que nem toda lei está inscrita em tábuas de bronze, nem
todo delito de governantes é motivo de deposição, muito menos de assassinato,
nem todo costume é irrevogável para sempre, nem todas as inovações são
perniciosas; pelo menos alguns assuntos são a condição sine qua non de
governar. Inversamente, a crueldade dos príncipes tem sido frequentemente
causada pela falta de submissão do povo (p. 56). E não pode ser
incondicionalmente verdade que o príncipe é singulis maior, universis minor
(pp. 71, 72–3) O que distingue reis de tiranos é se um governante respeita o
costume. Então, o que o costume permite que os reis façam unilateralmente, eles
podem fazer (p. 72)” - Harro Hopfl - Jesuit Political Thought: The Society of
Jesus and the State
“Se houver uma oportunidade de realizar uma convenção do povo [caso o rei se torne tirano], isso deve ser convocado e o curso de ação deve ser decidido por consentimento geral. O rei deve primeiro ser convencido por argumentos para ouvir a razão, e se ele deve ouvir nenhum outro curso deve ser tomado. Se ele despreza a advertência dada pelo povo e não há esperança de emenda, ele pode legalmente ser declarado deposto. Se ele pegar em armas, o povo pode se defender e pode declará-lo um inimigo do país que qualquer um pode legalmente matar.” - John Laures, The Political Economy of Juan de Mariana
Apêndice 1:
Utilizarei este espaço para responder a uma objeção de dois ditos católicos anarcocapitalistas chamados Nathan e Paulo Kogos, que utilizam argumentos que não encontramos propriamente no texto publicado no Inst. Mises, mas que merecem menção:
Diz Nathan:
"Infelizmente, há muitos católicos e ateus que negam a possibilidade de um católico ser um austro-libertário. (...) usam argumentos colocados na Doutrina Social da Igreja, que é um conjunto de várias encíclicas papais do qual defendem a interferência do estado na economia para diminuir desigualdades e outras regras. Porém, a própria santa igreja não considera as regras da DSI como dogmas que devem ser impostas por governos. Veja: “A Igreja, com a sua doutrina social, não entra em questões técnicas e não institui e nem propõe sistemas ou modelos de organização social: isto não faz parte da missão que Cristo lhe confiou.” (Compêndio, n. 3, 7 e 68).
Outras críticas apresentadas são com base no Catecismo da Santa Igreja que considera o estado legítimo e etc. É importante saber que Catecismos não são dogmáticos, mas doutrinários, isto é, eles podem ser alterados e revistos. Ela deve ser vista, entendia e respeitada, porém, não é um pecado questionar teologicamente algum artigo do Catecismo. Católicos só consideram algo como verdade irrefutável vindo da igreja se for declarado Dogma. Em outros casos, o diálogo e o respeito é bem vindo.
Alguns papas já chegaram a contradizer antigos papas, como o Papa Leão XIII que considerava, na Rerum Novarum, a greve como uma desordem grave. Enquanto que, hoje, o catecismo da igreja considera a greve positiva quando necessária (Catecismo da Igreja Católica, n. 2435). Papas antigos já apoiaram monarquias, enquanto outros papas, como Francisco, apoiaram e rezaram pela democracia. Papa Francisco já encorajou o trabalho da ecofascista ambientalista Greta Thunberg, já rezou pela União Européia, entre outras medidas que próprios rad-trads católicos iriam criticar. (...)"
R:
Haja vista que já esclarecemos acima o que é a
Igreja, o que é o Magistério e qual Autoridade que Ele detém, falemos agora
sobre o relacionamento do fiel para com Ele, em dogmas e doutrinas. A esse
respeito, crava o papa Leão XIII:
"Quanto à determinação dos limites da obediência, não imagine alguém que basta obedecer à autoridade dos pastores de almas e, sobre todos, do Pontífice Romano, nas matérias de Dogma, cuja rejeição pertinaz traz consigo o pecado de heresia; nem basta ainda dar sincero e firme assentimento àquelas doutrinas que, apesar de não definidas ainda com solene julgamento da Igreja, são todavia propostas à nossa Fé pelo Magistério Ordinário e Universal da mesma como divinamente reveladas e, as quais, por definição do Concílio Vaticano [de 1870], devem ser cridas com Fé Católica e Divina. Faz-se necessário, também, que os cristãos contem entre os seus deveres o de se deixarem reger e governar pela autoridade dos bispos e, principalmente, desta Sé Apostólica. Vê-se facilmente a razoabilidade desta sujeição pois, efetivamente, das coisas contidas nos divinos oráculos, umas referem-se a Deus e outras ao mesmo homem e aos meios necessários para chegar à eterna salvação. Pois bem, nestas duas ordens de coisas, isto é, quanto ao que se deve crer e ao que se deve fazer, compete, por Direito Divino à Igreja e, na Igreja, ao Romano Pontífice determiná-lo: e eis a razão do porque compete ao Romano Pontífice julgar autoritativamente que coisas contenha o assim chamado Depósito da Fé [a Sagrada Escritura e a Tradição] e que doutrinas concordem com ela e quais dela desdigam; e, do mesmo modo, determinar o que é Bem e o que é Mal; o que se deve fazer ou deixar de fazer para conseguir a salvação eterna e, se isso não pudesse fazer, o Papa não seria intérprete infalível da vontade de Deus ou guia seguro da vida do homem" - Papa Leão XIII – Encíclica Sapientiae Christianae - §35
Temos assim posto pelo Papa Pius XII em Humani Generis
que a relação do Fiel Católico com o Magistério é fundado no grau de Autoridade
do ensinamento. Os Dogmas são regra geral proclamados não para estabelecer a Fé
e a Moral, mas sim para dirimir dúvidas e apartar disputas que vão aparecendo
quando a Fé e a Moral estabelecidas consuetudinariamente no seio da Tradição
estiverem sendo questionadas. Tal Doutrina foi sempre ensinada pelos papas sem,
contudo, ser definida extraordinariamente? Então deve-se assentimento
infalível.
Tal Doutrina é de certa forma nova, mas decorre de
uma doutrina infalível pelo magistério ordinário dos papas? Então deve-se
assentimento certo, ainda que com saudável prudência de seu eventual edição
parcial. Tal Doutrina nunca foi ensinada e nem decorre de nenhum ensinamento?
Então não goza de Autoridade. A proposta ditada consiste em amputar 95% da Fé Católica,
haja vista que os Dogmas são um pequeno punhado de afirmações no Universo
amplíssimo da Teologia Católica.
"Nem
se deve crer que os ensinamentos das Encíclicas não exijam, por si,
assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o
supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do
magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos
ouve a mim ouve" (Lc 10, 16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e
inculcado nas Encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da Doutrina Católica. E, se os Romanos Pontífices em suas Constituições pronunciam
de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo
a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida
como objeto de livre discussão entre os teólogos." - Papa Pio XII - Humani
Generis, §20
http://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_12081950_humani-generis.html
"Deve-se, pois, Crer com Fé Divina e Católica em tudo o que está contido na Palavra Divina Escrita ou Transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em Declaração Solene, quer pelo Magistério Ordinário e Universal, nos propõe a crer como Divinamente Inspirado e, portanto, está para ser acreditado." - Concílio Vaticano I - Dei Filius, 1870, III, Par. 4º.
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/i-vatican-council/documents/vat-i_const_18700424_dei-filius_it.html
Logo, qual o
relacionamento da Igreja com os princípios libertários? Condenado em total e
absoluto consenso pela Doutrina da Igreja como heresia! E não falo apenas de
intervenções na Economia, falo de liberdade expressa em associar-se ou não, em
contratar, de expressão, de imprensa, em todas as searas da vida privada e
social.
"6
- (...) Nem podemos passar em silêncio a audácia de quem, não podendo tolerar
os Princípios da Sã doutrina, Pretendem 'que aos Juízos e Decretos da Sé
Apostólica, que têm por objeto o Bem-Geral da Igreja, e seus Direitos e sua Disciplina, enquanto não toquem os Dogmas da Fé e dos Costumes, se pode negar
assentimento e obediência, sem pecado e sem nenhuma violação da fé
católica'. Esta pretensão é tão contrária ao dogma católico do pleno poder
divinamente dado pelo próprio Cristo Nosso Senhor ao Romano Pontífice para
apascentar, reger e governar a Igreja, que não há quem não o veja e entenda
clara e abertamente.
7
- Em meio de esta tão grande perversidade de opiniões depravadas, Nós, com plena consciência de
Nossa Missão Apostólica, e com grande solicitude pela Religião, pela Sã Doutrina e pela saúde das almas a Nos divinamente confiadas, assim como até
pelo próprio bem da sociedade humana, temos julgado necessário levantar de novo
Nossa voz apostólica. Portanto, todas e cada uma das perversas opiniões e
doutrinas determinadamente especificadas nesta Carta, com Nossa autoridade
apostólica as reprovamos, proscrevemos e condenamos; e queremos e mandamos que
todas elas sejam tidas pelos filhos da Igreja como reprovadas, proscritas e
condenadas" - Papa Pio IX - Quanta Cura
“Pois,
mesmo que se tratasse daquela submissão que deve ser prestada com Ato de Fé Divina, não se poderia limitá-la, porém, às Verdades Definidas por Decretos Expressos dos Concílios Ecumênicos ou dos Romanos Pontífices desta Sé
Apostólica, mas seria necessário estendê-la também àquilo que é transmitido
como divinamente revelado pelo Magistério Ordinário de toda a Igreja espalhada
pela terra” - Papa Pio IX - Carta Apostólica Tuas Libenter
http://www.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/epistola-tuas-libenter-21-decembris-1863.html
22º
Ponto da Syllabus Errorum: A obrigação a que estão sujeitos os mestres e
escritores católicos refere-se tão somente àquelas coisas que o juízo infalível
da Igreja propõe como Dogmas de Fé para todos crerem.
Ver
Epist. Ao Arceb. De Frising "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863 no
Denzinger. :V
Esclarecido isso, vamos rebater algumas frases soltas e desinformações que o sr. Nathan foi passando:
“A Igreja, com a sua doutrina social, não entra em questões técnicas e não institui e nem propõe sistemas ou modelos de organização social: isto não faz parte da missão que Cristo lhe confiou.” (Compêndio, n. 3, 7 e 68).
R:
É verdade que o Compêndio de São João Paulo II diz no nº 68:
"'A Igreja não se ocupa da vida em sociedade em todos os
seus aspectos, mas com a sua competência própria, que é a do anúncio de Cristo
Redentor (CIC, 2420)':'A missão própria que Cristo confiou à sua Igreja não é
de ordem política, econômica e social. Pois a finalidade que Cristo lhe
prefixou é de ordem religiosa. Mas, na verdade, desta mesma missão religiosa
decorrem benefícios, luzes e forças que podem auxiliar a organização e o
fortalecimento da comunidade humana segundo a Lei de Deus (Gaudium et spes)'.
Isto quer dizer que a Igreja, com a sua doutrina social, 'não entra em questões
técnicas e não institui nem propõe sistemas ou modelos de organização social
(Sollicitudo rei socialis)': isto não faz parte da missão que Cristo lhe
confiou. A Igreja tem a competência que lhe vem do Evangelho: da mensagem de
libertação do homem anunciada e testemunhada pelo Filho de Deus humanado."
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html
Contudo, continua nos nº's 70, 71 e 73:
"(...) 'A Igreja tem o direito de ser para o homem mestra de verdades da fé: da verdade não só do dogma, mas também da moral que dimana da mesma natureza humana e do Evangelho (Dignitatis humanæ)'. (...) Este direito é, ao mesmo tempo, um dever, pois a Igreja não pode renunciar a ele sem se desmentir a si mesma e a sua fidelidade a Cristo. 'Pela relevância pública do Evangelho e da fé e pelos efeitos perversos da injustiça, vale dizer, do pecado, a Igreja não pode ficar indiferente às vicissitudes sociais (Evangelii nuntiandi)': 'Compete à Igreja anunciar sempre e por toda a parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas (CIC 747, §2.)'. (...) A Doutrina Social, portanto, é de natureza teológica e especificamente teológicomoral, (...) Efetivamente, a Doutrina Social reflete os três níveis do ensinamento teológico-moral: o nível fundante das motivações; o diretivo
das normas do viver social; o deliberativo das consciências, chamadas a mediar
as normas objetivas e gerais nas situações sociais concretas e particulares.
Estes três níveis definem implicitamente também o método próprio e a específica
estrutura epistemológica da Doutrina Social da Igreja.
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html
Prossegue
ainda nos nº's 168, 171, 177, 291, 351, 353, 354, 355, 356, 418, 468:
"A responsabilidade de perseguir o Bem-Comum compete,
não só às pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que
o Bem-Comum é a razão de ser da autoridade política (Cit.
Catecismo/1910)". (...) A Tradição Cristã nunca reconheceu o direito à
propriedade privada como absoluto e intocável: "pelo contrário, sempre o
entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens
da criação inteira: o direito à propriedade privada está subordinado ao direito
ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens" (Laborem
exercens, nº 14). 'O princípio da destinação universal dos bens afirma seja o
pleno e perene senhorio de Deus sobre toda a realidade, seja a exigência que os
bens da criação sejam e permaneçam finalizados e destinados ao desenvolvimento
de todo homem e de toda a humanidade" (Gaudium et spes). Este princípio,
porém, não se opõe ao direito de propriedade (Rerum novarum), indica, antes, a
necessidade de regulamentá-lo. A propriedade privada, com efeito, quaisquer que
sejam as formas concretas dos regimes e das normas jurídicas que lhes digam
respeito, é, em sua essência, somente um instrumento para o respeito do
Princípio da Destinação Universal dos Bens, e portanto, em última análise, não
um fim, mas um meio (Populorum progressio).' (...) Os problemas do emprego
chamam em causa as responsabilidades do Estado, ao qual compete o dever de
promover políticas ativas do trabalho tais que favoreçam a criação de
oportunidades trabalhistas no território nacional, incentivando para tal fim o
mundo produtivo. O dever do Estado não consiste tanto em assegurar diretamente
o direito ao trabalho de todos os cidadãos, regulando toda a vida econômica e
mortificando a livre iniciativa de cada indivíduo, quanto em 'secundar a
atividades das empresas, criando as condições que garantam ocasiões de
trabalho, estimulando-a onde for insuficiente e apoiando-a nos momentos de
crise (cit. da Centesimus annus)'. (...) A ação do Estado e dos outros poderes
públicos deve conformar-se com o princípio da subsidiariedade para criar
situações favoráveis ao livre exercício da atividade econômica; esta deve
inspirar-se também no princípio de solidariedade e estabelecer os limites da
autonomia das partes para defender a parte mais frágeis (Centesimus annus). A solidariedade sem
subsidiariedade pode, de fato, degenerar facilmente em assistencialismo, ao
passo que a subsidiariedade sem a solidariedade se expõe ao risco de alimentar
formas de localismo egoísta. Para respeitar estes dois fundamentais princípios,
a intervenção do Estado em âmbito econômico não deve ser nem açambarcadora, nem
remissiva, mas sim apropriada às reais exigências da sociedade: 'O Estado tem o
dever de secundar a atividades das empresas, criando as condições que garantam
ocasiões de trabalho, estimulando-a onde for insuficiente e apoiando-a nos
momentos de crise. O Estado tem também o direito de intervir quando situações
particulares de monopólio criem atrasos ou obstáculos ao desenvolvimento. Mas,
além destas tarefas de harmonização e condução do progresso, pode desempenhar
funções de suplência em situações excepcionais. (...) É necessário que mercado
e Estado ajam de concerto um com o outro e se tornem complementares. O livre
mercado pode produzir efeitos benéficos para a coletividade somente em presença
de uma organização do Estado que defina e oriente a direção do desenvolvimento
econômico, que faça respeitar regras eqüitativas e transparentes, que
intervenha também de modo direto, pelo tempo estritamente necessário
(Centesimus annus)', nos casos em que o mercado não consegue obter os
resultados de eficiência desejados e quando se trata de traduzir em ato o
princípio redistributivo. Na realidade, em alguns âmbitos, o mercado,
apoiando-se nos próprios mecanismos, não é capaz de garantir uma distribuição eqüitativa
de alguns bens e serviços essenciais ao crescimento humano dos cidadãos: neste
caso a complementaridade entre Estado e mercado é sobremaneira necessária.
(...) Em vista do Bem-Comum, se deve sempre perseguir com constante
determinação o objetivo de um justo equilíbrio entre liberdade privada e ação
pública, entendida quer como intervenção direta na economia, quer como
atividade de suporte ao desenvolvimento econômico. (...) As finanças públicas
se orientam para o Bem-Comum quando se atêm a alguns princípios fundamentais: o
pagamento dos impostos (Gaudium et spes) como especificação do dever de
solidariedade; racionalidade e eqüidade na imposição dos tributos (Mater et
Magistra); rigor e integridade na administração e na destinação dos recursos
públicos (Divini Redemptoris). Ao redistribuir as riquezas, a finança pública
deve seguir os princípios da solidariedade, da igualdade, da valorização dos
talentos, e prestar grande atenção a amparar as famílias, destinando a tal fim
uma adequada quantidade de recursos. O sistema econômico-social deve ser
caracterizado pela co-presença de ação pública e privada, incluída a ação
privada sem finalidade de lucro. Configura-se de tal modo uma pluralidade de
centros decisórios e de lógicas de ação. Há algumas categorias de bens,
coletivos e de uso comum, cuja utilização não pode depender dos mecanismos do
mercado e não é nem mesmo de exclusiva competência do Estado. O dever do
Estado, em relação a estes bens, é antes o de valorizar todas as iniciativas
sociais e econômicas que têm efeitos públicos, promovidos pelas formações
intermédias (Centesimus annus).' (...) O Estado deve fornecer um quadro
jurídico adequado ao livre exercício das atividades dos sujeitos sociais e
estar pronto a intervir, sempre que for necessário, e respeitando o princípio
de subsidiariedade, para orientar para o Bem-Comum a dialética entre as livres
associações ativas na vida democrática. A sociedade civil é heterogênea e
articulada, não desprovida de ambigüidades e de contradições: é também lugar de
embate entre interesses diversos, com o risco de que o mais forte prevaleça
sobre o mais indefeso. (...) A
responsabilidade em relação ao ambiente deve encontrar uma tradução adequada em
campo jurídico. É importante que a Comunidade Internacional elabore regras
uniformes para que tal regulamentação consinta aos Estados controlar com maior
eficácia as várias atividades que determinam efeitos negativos no ambiente e
preservar os ecossistemas prevendo possíveis acidentes: 'Compete a cada Estado,
no âmbito do próprio território, a tarefa de prevenir a degradação da atmosfera
e da biosfera, exercendo um controlo atento, além do mais, sobre os efeitos das
novas descobertas tecnológicas e científicas; e ainda, dando aos próprios
cidadãos a garantia de não estarem expostos a agentes inquinantes e a emanações
tóxicas (Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz)'."
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html
Como se atreveu a citar o Compêndio de Doutrina Social da Igreja para defender essa aberrância sob a ótica Católica, eu me pergunto... O que é Justiça e, portanto, Injustiça, cabe à Igreja definir e decidir e, a partir dessa definição, Ela institui os princípios a serem seguidos. A Igreja não diz que o governo deve fazer isso ou aquilo com a moeda, tomar ou não dinheiro emprestado, disponibilizar mais títulos da dívida... A Igreja estabelece princípios morais para serem seguidos.
§ 2420 - A Igreja emite um juízo moral, em matéria econômica e social, "quando o exigem os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas". Na ordem da moralidade, tem uma missão distinta da missão das autoridades políticas. A Igreja se preocupa com aspectos temporais do Bem-Comum em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura inspirar as atitudes justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas.
http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html
"Em consequência, estabelecemos em primeiro lugar que é dever de todos os católicos, estritamente obrigatório e que se precisa observar santa e inviolavelmente, assim na vida pública como na privada, o guardar com firmeza e professar com valentia os princípios da verdade cristã ensinadas pelo magistério da Igreja Católica, e em especial os propostos sapientissimamente por Nosso Predecessor na Encíclica "Rerum Novarum", que foram aceitos com pleníssimo assentimento pelos Bispos da Prússia nas deliberações do Congresso Faldease em 1900, e ultimamente resumidos em compêndio por vós mesmos" - São Pio X - singulari quadam (24 Setembro de 1912)
"devemos ter como dito, o que já provou abundantemente Leão XIII, que julgar das questões sociais e econômicas é dever e direito da Nossa suprema autoridade" - Papa Pio XI - Encíclica Quadragesimo Anno (15 de maio de 1931)
“Se o modo de proceder de alguns católicos têm deixado que desejar no campo econômico-social, isto se deve com frequência ao fato de não conhecerem suficientemente nem terem meditado sobre os ensinamentos dos Sumos Pontífices sobre a matéria” - Pio XI - Encíclica Divini Redemptoris (9 de Março de 1937)
“A Doutrina Social da Igreja é clara e obrigatória em todos os seus aspectos. Ninguém dela se pode afastar sem perigo grave para a Fé e para a Ordem Moral. Não é, pois, lícito a nenhum católico, e muitos menos aos que pertencem a vossas organizações, dar adesão a teorias e sistemas sociais que a Igreja haja repudiado, ou a propósito dos quais haja posto em guarda a seus fiéis” - Pio XII - Alocución à Azione Cattolica (29 de abril 1945)
na Rerum Novarum, a greve como uma desordem grave. Enquanto que, hoje, o catecismo da igreja considera a greve positiva quando necessária
R:
Descompreensão grave quando o tema é Igreja Católica. O ato (i)moral é avaliado no Catolicismo observando-se (1) o ato em si mesmo, (2) a intenção e (3) as circunstâncias. A rerum novarum não declarou a greve como um ato mau em si mesmo, mas observando as circunstâncias (apogeu do comunismo soviético e lutas de classes para derrubar as sociedades) e as intenções que estavam nos bastidores daquelas greves, as condenou como movimentos que insuflavam o proletário a tomar o controle dos bens de produção. No Catecismo de 92 a circunstância e as intenções das greves que ocorriam já eram diferentes, alinhadas com reinvidicação dos trabalhadores não para derrubar as sociedades, mas por melhorias nas condições de trabalho (clamor posto pela própria rerum novarum), daí que a esse respeito a Igreja ensinou que são lícitas e direitos fundamentais do trabalhador.
Papas antigos já apoiaram monarquias, enquanto outros papas, como Francisco, apoiaram e rezaram pela democracia.
R:
A Igreja não se opõe ao sistema político, nem da monarquia, nem da democracia. Ambos os sistemas podem ser adotados pelas sociedades, desde que elas estejam submetidas aos princípios católicos. O próprio Sacro Império Romano Germânico, que era o Estado Medieval mais alinhado com o querer da Igreja, possuía monarcas que eram eleitos, então...
Sobre erros pessoais ou políticos e ensinamentos privados de papas que não entram como Magistério da Igreja, não são ensinamentos da Igreja e, portanto, não vinculam os católicos.
-
Argumento de Paulo Kogos:
Argumento 1: "O Estado é um mal que Deus permite (...) Deus pode usar o Estado, mas não significa que ele seja moral"
R:
Isso agride frontalmente a percepção católica do Estado, dada Encíclica Diuturnum Illud (Sobre a Autoridade Política) do Papa Leão XIII (1881). Nela, o papa condena o anarquismo e faz longas considerações sobre a legitimidade do poder dos príncipes, como isso foi reconhecido no Antigo Testamento, pelos apóstolos, pelos primeiros cristãos e pelos cristãos perseguidos, que tiveram que se relacionar com os poderes que eles reconheciam como legítimos, até que a Igreja com paciência chegasse ao seu lugar de direito, sendo mesclada institucionalmente ao Estado.
O Catolicismo condena a propriedade privada como direito incontestável, a negação da existência do Estado como instituição indispensável à tutela das relações sociais, o primado do indivíduo sobre a coletividade (Bem-Comum), o reconhecimento do direito de pecar, o mercado como único item válido regulador do trabalho humano e as sociedades sendo regidas apenas e tão somente pelos princípios de livre-adesão, contratos e não-agressão.
Mais do que isso, entende a Igreja Católica que tem Ela O DIREITO de reger as nações, sob uso direto da espada espiritual, manejada por Ela e da espada temporal (o Estado), manejada pelos governantes PARA ela. Nas palavras das Vergentis in senium e Sicut universitatis: "Foi, portanto, A Missão de dirigir o poder secular, para que este exerça o Serviço Transcendental que lhe incumbe, outorgada pelo próprio Cordeiro de Deus à Santa Igreja. Quando, contudo, o poder secular renuncia à direção, maternidade e docência da Igreja e a concorrência de competências para efeitos da sua finalidade-mesma, a saber, promover a implantação do Reinado Social do Nosso Senhor Jesus Cristo - e vemos isso acontecer recorrentemente não apenas em sociedades pagãs, apóstatas e hereges, mas também em sociedades católicas, cabe à Igreja sobreviver, resistir, militar pela conversão dos rebeldes à Causa de Cristo, mantendo sempre um convite aberto para que os governantes ajustem seus procederes à tarefa que O Senhor lhes convida a executar. (...) É um Dogma de Fé que Jesus Cristo possui uma Autoridade Soberana sobre todas as sociedades e sobre todas as gentes que as compõem; e, portanto, as sociedades, em sua existência e em sua ação coletiva, mesmo os indivíduos, em sua conduta privada, estão obrigados a se submeter a Jesus Cristo e a observar as suas leis. É a Igreja Católica Apostólica Romana, pois é de Roma que o Sumo Pontífice apascenta o rebanho de Cristo. É a Igreja Católica Romana, pois esta Sagrada Instituição carrega em si própria o ideal daquela sociedade de catolicizar sua Autoridade e O Reinado do Nosso Senhor, expandindo-a sobre todas as potestades (Sl 72:11), sobre 'gregos, judeus (Rm 10:12)', de uma extremidade a outra, até que a voz do Anjo que soa a última trombeta e a voz da Igreja sejam uma só, naquilo que disseram-nos os profetas e Apóstolos: 'E quando o Sétimo Anjo soou a última Trombeta, trovejaram nos céus grandes vozes que bradaram: os reinos deste mundo caíram perante o Nosso Senhor Jesus Cristo e Ele Reinara para sempre (Ap. 11:15) e 'Todo joelho dobrar-se-á e toda língua professará que Jesus Cristo É o Senhor dos senhores pelos Séculos dos séculos. (Rm 14:11; Fl 2:11; Is 45:23)'"."
A esse respeito, podemos citar tranquilarmente uns 40 documentos da Igreja que deliberam diretamente sobre a legitimidade existencial do Estado, não vou citar para não criar textões. Portanto, não, proposta completamente condenada pela Igreja.
Argumento 2: "A menção de que o libertarianismo seria apenas um liberalismo (o que a Igreja já condenou) extremista foi simplesmente ignorado"
R:
A esse respeito, convém ressaltar que esse foi precisamente o motivo da rixa entre a Igreja Católica e a Maçonaria e, depois, com os liberais e a Rev. Francesa. 100 anos depois desta Revolução, em 1888, o Venerável Papa Leão XIII ainda estava escrevendo e condenando com veemência na Libertas Praestantissimum o novo status quo, que separava Igreja e Estado (proposta condenada por uma pá de documentos), concedia aos indivíduos liberdade de crença e de descrença, associação, educação, manifestação, liberdade de imprensa e política, etc.
Argumento 3: Interpretação protestantizada de Jeremias 17:5 e Romanos 13: "maldito o homem que confia no homem", então por que vamos confiar no Estado?". Romanos 13 não está legitimando o Estado
R:
Apenas acrescento que a Igreja Católica não é a assembleia de deus da sua esquina, em que cada um lê um livro antigo e interpreta de seu modo. Para ler a Bíblia, é necessário ler com os olhos e com a interpretação que a Igreja tem do livro. E essa passagem nunca foi interpretada pela Igreja como uma condenação da confiança nos homens (muito menos no Estado). O que ele fez aí foi um jogo de palavras estúpido, retirando completamente o texto do contexto. Nem mesmo a burra hermenêutica protestante cairia tanto.
O versículo aí diz com clareza que maldito é o homem que confia na capacidade humana, de criaturas, preterindo a Fé em Deus. Aqueles que depositam toda sua confiança nos homens fracos e mortais, que em seu estado caído possuem sua vontade corrompida e escravizada pelo pecado (Jeremias 17:9). A sequência diz que essas pessoas que agem assim são como uma planta no deserto que cresce na terra seca, numa terra salgada onde nada mais vive ali (Jeremias 17:6). Mas bendito é o homem que confia no Senhor, cuja confiança nele está” (Jeremias 17:7). É o que Deus enfrenta quando ordena a Gideão que os covardes e medrosos que marchavam voltassem "afim de que Israel não se glorie contra mim dizendo: 'a minha mão me livrou!' (Jz 2:2)".
Sobre Romanos 13, só faltou acertar essa interpretação pitoresca sobre Estado e impostos com Santo Tomás de Aquino em numerosos escritos, como a Summa e Do Governo dos Príncipes ao Rei de Cipro, São Bernardo de Clairvaux em In Praise of the New Knighthood, São Roberto Belarmino em Tratado sobre o Governo Civil, Santo Afonso Maria de Ligório em Teologia Moralis e o próprio Leão XIII em Diuturnum Illud, que utiliza essa passagem para fundamentar a legitimidade do Estado: "Excelsa e plena de gravidade é a sentença de São Paulo aos Romanos, que estavam sujeitos ao poder dos imperadores pagãos: 'Porque não há potestade que não venha de Deus', donde o Apóstolo deduz, como consequência, que 'o Príncipe é ministro de Deus (Rom 13:1-4) (...) Essa é a Doutrina que o Apóstolo Paulo ensinou especialmente aos romanos. A estes escreveu com tamanha autoridade e peso sobre a reverência devida às altas autoridades, que parece nada poder ser ensinado com maior gravidade: 'Todo o homem esteja sujeito às autoridades superiores: Porque não há poder que não venha de Deus e os que existem, esses foram por Deus ordenados. Aquele pois que resiste ao príncipe, resiste à Ordenação de Deus. E os que lhe resistem, a si mesmos trazem a condenação… É logo necessário que lhe estejais sujeitos não somente pelo temor do castigo, mas também por obrigação de consciência (Rom. 13:1-5)'. E em concordância com esse ensinamento está a célebre declaração de Pedro, Príncipe dos Apóstolos, quando fala do mesmo assunto: 'Submetei-vos, pois, a toda a humana criatura, por amor de Deus; quer seja ao Rei como a Soberano; quer aos Governadores, como enviados por Ele para tomar vingança dos malfeitores, e para louvor dos bons; porque assim é a vontade de Deus (I Pe 2:13-15)'."
Não citarei o restante da Encíclica, pois toda ela é notavelmente uma exposição teológica absolutamente avessa a do gordo doido, mas gostaria de complementar com a intervenção do texto da Bíblia Comentada do pe. Matos Soares, anotada por Navarra: "'Toda a alma', isto é, todo o homem. O Apóstolo,depois de ter dado alguns preceitos relativos à nossa vida particular, começa a referir-se anos nossos deveres para com. a autoridade civil. (...) Servindo-o nisto mesmo, em cumprir os deveres que, como autoridades, lhes são impostas por Deus (...) O próprio Jesus afirmou diante de Pilatos que toda a autoridade vem de Deus (Jo 19:11; ver Prv 8:15-16; Sab 6:3). Pois, sendo Deus o autor da ordem social, criou o homem como um ser que necessita viver e de se desenvolver numa comunidade, na qual pode conseguir mais perfeita e rapidamente o seu fim último. E, evidente, - recorda a spes nº 74 que a comunidade política e a autoridade pública se fundam na natureza humana e que, por conseguinte, pertencem à ordem estabelecida por Deus (...) E entre as coisas devidas às autoridades estão a honra, o respeito, o temor reverencial e o pagar impostos, porque é justo, de obrigação grave e vinculante, contribuir para a subsistência da manutenção do Bem-Comum. Assim viveram os cristãos, desde o começo, as suas obrigações sociais, apesar das perseguições e do ódio (cfr Quod apostolici; Diuturnum illud; Immortale Dei). (...) Como nos recorda São Justino, Mártir, "Quanto a impostos e contribuições, procuramos pagá-los antes de todos aos vossos encarregados para isso em todos os lugares, assim como fomos ensinados por Cristo. Porque, naquele tempo, alguns se aproximaram dele, para perguntar-lhe se se deveria pagar tributo a César. Ele respondeu: 'Dizei-me: que imagem tem a moeda?', eles responderam: 'A de César.' Então, ele tornou a responder-lhes: 'Então dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus'. (...) Daqui que adoramos só a Deus, mas obedecemo-vos gostosamente a vós em todo o resto, reconhecendo abertamente que sois os reis e os governadores dos homens e pedindo na oração que tenhais uma arte de governo cheia de sabedoria." - São Justino de Roma (I Apologia 17:1)". (...)."
Argumento 4: o imposto em Romanos 13 era voluntário.
R:
éhhhr... não. A despeito de suas interpretações exóticas e protestantizadas da Bíblia, já bem refutadas à exaustão por canais católicos como TradTalk e deixando bem registrado que notoriamente não é essa a interpretação vinculante da Igreja, notamos que, a despeito disso, a interpretação do Kogos do texto também não procede.
No famoso Compendio Del Diccionario Teológico Del Nuevo Testamento de Gerhard Kittel y Gerhard Friedrich, que conceitua cada palavra do Novo Testamento com longos artigos, temos:
φόρος (phoros)
A. Fora do NT:
1. Literalmente esta palavra significa «transporte o porte», portanto «tributo», «imposto direto (em contraposição a telos - o imposto indireto)», e nos escritos mais antigos, «arrendamento», «alquiler» ou «contrato».
2. Os equivalentes hebreus significam «don», portanto «tributo», «imposto».
3. Os rabinos usam diversos términos para gravámenes, tributos, impostos, etc.
4. La LXX usa principalmente φόρος para traduzir מַס (II Esdras 4:20 e 6:8; Ne 5:4) e מִדָּה para o tributo, especialmente o imposto anual cobrado sobre casas, terras e pessoas. Há ainda notações do uso para "tributo" (II Cr. 36:3) ou para "trabalho forçado" (Jz. 1:29ss).
5. Filón contrasta os impostos para os sacerdotes com os φόροι que se pagam às autoridades do Estado.
6. Josefo usa φόρος e φόροι para o tributo que se paga aos governantes estrangeiros.
B. No NT.
1. O verso 7 de Romanos 13 diz: 'Paguem a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito, a quem honra, honra' (NAA) [Bliding obligations in Romans 13:7]. Enquanto alguns comentaristas têm dito que phóros (φόρος, 'imposto') é uma referência a impostos de modo de modo geral, sem alusão a qualquer tributo especifico, [LENSKI, R. C.H. The Interpretation of St. Paul's Epistle to the Romans. Columbus: Lutheran Reek Concern, 1936. p. 801; MURRAY, J. The Epistle to the Romans. Grand Rapids: Eerdmans, 1965 p. 156; BARRET, C. K. The Epistle to the Romans. Peabody: Hendrickson, 1991. p. 228], Coleman chama a atenção para o fato de que phóros é uma referência ao imposto direto que os habitantes das terras conquistadas por Roma deveriam pagar, voluntariamente ou à força. Eles pagavam o tributum soli, um imposto sobre a terra, e o tributum capitis, um imposto sobre a renda [Ibid., p. 307-327].
É sabido que, nos tempos do Novo Testamento, judeus e não judeus foram obrigados a pagar phoros muito a contragosto. [JOSÉFO, F. Bellum Judaicum, 2.402-406; FILO DE ALEXANDRIA Les oeuvres de Philon D'Alexandrie: De specialibus legibus, I et II (v. 24). Editions du Cerf, 1975, 1.142-43, 1Macabeus (LXX), 10.29. SÍCULO, Diodoro. Biblioteca histórica. Madrid: Editorial Gredos, 2004, 118.5-6, 10.25.4, 11.47.1, ESTRABÃO, Geography, 4.5.3.]
Esse imposto significava que o povo estava subjugado a outra nação. Era humilhante e desagradável. A segunda obrigação é o télos (τέλος, 'tributo'), ou 'imposto indireto', uma taxação sobre bens e serviços [MURRAY. Romans, p. 156; BARRETT. Romans, p. 228.]. Por mais que sejam polêmicos certos pontos do Direito Romano, é bem-aceita a informação de que, pelo menos em certas partes do Império, tudo o que poderia ser negociado era sujeito a essa taxa, como pregos [BRUNT, P. A. "The Revenues of Rome", In: His Roman imperial Themes, Oxford: Clarendon, 1990. p. 329], grãos e animais [LLEWELYN, S. L. New Documents Illustrating Eorly Christianity (v. VI). Macquarie. The Ancient History Documentary Research Centre, 1992. p. 113.], terras [GRENFELL, B P. HUNT, A. S., SMYLY, J. G. (ed.). The Tebtunis Papyri. H. Frowde, Oxford University Press, 1907, 280 1,5-6.], casas [Ibid. 350 19, 35SI1. 3,7.], óleos [Ibid., 38 I. 10.], grama [Ibid., 379 I. 17.] e até mesmo sexo [BRUNT. "Revenues of Rome", p. 329.]. Até o funcionário que coletava os impostos pagava um imposto por isso [GRENFELL, B. P, HUNT, A S.. SMYLY, J. G. (ed.). The Tebtunis Papyri. H. Frowde, Oxford University Press, 1907. p. 329.]. O télos era muito mais lucrativo para o Império do que o phoros [ESTRABÃO, Geogrophy. 2.5.8.]. Issa desagradava a muitas províncias, inclusive os judeus. Para eles, ter que pagar imposto a Roma era uma questão teológica séria que até os dividia em diferentes partidos, e os judeus que trabalhavam como cobradores de impostos eram traidores da fé, tidos como o pior tipo de pecador."
2. Em Romanos 13:6–7; Lucas 20:22 e Marcos 12:14 φόρος significa «tributo» pago a um governante estrangeiro. Trata-se de um imposto territorial ou de um imposto sobre a população, em oposição a um um pedágio ou imposto sobre negócios (τέλη). O φόρος levanta entre os judeus a alternativa entre a lealdade e a traição a Deus como único Senhor. Isto é o que confronta Jesus com um dilema em Marcos 12:13ss e paralelos. Os fariseus apoiam o pagamento de impostos, os zelotas se opõe a ele, mas Jesus eleva o problema a outro plano.
3. Em Lucas 23:2, Jesus é acusado de incitar as pessoas a não pagarem o φόρος, mas a declaração de Pilatos sobre a inocência de Jesus evidencia a falsidade da acusação. A acusação mostra que o propósito da pergunta em 20:20 era uma armadilha contra Jesus.
4. Embora nada saibamos sobre a situação detalhada da Igreja em Roma quando Paulo escreveu Romanos 13, podemos pressupor que os crentes deste lugar haviam adotado uma atitude que, de maneira frontal, era uma negativa com o Estado. Mas, deveriam pagar impostos sem titubear (v. 6) e sobre este fundamento Paulo os exorta à obediência, assinalando que os governantes desempenham uma função dada por Deus. A exigência dele no v. 7 não deve ser considerada o clímax da passagem. Repete-se, de modo geral, no v. 8/ A obrigação cristã essencial é mostrar respeitar e manifestar amor. Esta obrigação coloca o dever para com as autoridades dentro do dever mais amplo para com todas as pessoas, e, especialmente, para com os irmãos na Fé.
Apêndice 2:
Deixarei aqui o texto resumido de três Encíclicas cuja leitura é fundamental porque reitera o pensamento Católico expresso pelos pontífices a respeito do Poder Secular e da Liberdade no contexto das reivindicações e anseios dos amantes da Liberdade. A primeira é a Encíclica Diuturnum Illud (Sobre a Autoridade Política) do Papa Leão XIII (1881), que trata justa e centralmente deste tema. A outra é Humanum Genus (1884), que aborda a mesma questão, focando na distância que existe entre a proposta dos defensores das "liberdades individuais", a quem o papa chama de Naturalistas com a Doutrina Católica. E a terceira a Divinis redemptoris do Papa Pio IX (1937), que se concentra em mostrar como o individualismo e a concepção equivocada de liberdade e do direito de propriedade dos liberais é agressivo ao Projeto Católico e pavimenta o caminho do totalitarismo e do ateísmo.
Vamos a elas:
Encíclica Diuturnum Illud (Sobre a Autoridade Política) – Papa Leão XIII (1881):
"A prolongada e abominável guerra declarada
contra a autoridade divina da Igreja chegou ao ponto no qual haveria de chegar:
a pôr em perigo universal a sociedade humana e, em especial, a autoridade
política, que é onde a conservação pública fundamentalmente se apoia. Na nossa
época em especial esse fato mostra-se com evidência. As paixões desordenadas do
povo hoje recusam, com mais audácia do que nunca, todo vínculo de autoridade.
Tão grande e disseminado é o abuso, e tão frequentes as sedições e
turbulências, que não somente se negou muitas vezes a obediência aos
governantes, mas também nem sequer lhes foi dada garantia suficiente de
segurança pessoal. Há muito se trabalha para fazer com que os governantes caiam
no desprezo e no ódio das multidões. E a chama da inveja, fomentada, logo foi
desencadeada; por meio de complôs secretos ou ataques abertos, num curto
intervalo de tempo atentou-se contra a vida dos soberanos mais poderosos. Toda
a Europa horrorizou-se há pouco tempo ao saber do nefando assassinato de um
poderoso imperador. Enquanto ainda estavam atônitos os ânimos com a magnitude
de tal crime, homens perdidos não hesitaram em lançar ameaças e intimidações
públicas a outros soberanos europeus.
Esses grandes perigos públicos que estão diante dos
nossos olhos causam-nos uma grave preocupação ao ver em perigo a quase todo
momento a segurança pessoal dos príncipes, a tranquilidade dos Estados e a
salvação dos povos. Todavia, foi a virtude divina da religião cristã quem
engendrou os egrégios fundamentos da estabilidade e da ordem nos Estados desde
o momento em que penetrou nos costumes e instituições das cidades. Dessa
virtude, o fruto que não é o menor e nem o último é o justo e sábio equilíbrio
de direitos e deveres entre os príncipes e os povos. Porquanto, os preceitos e
exemplos de Nosso Senhor Jesus Cristo possuem uma força admirável para conter
em seu dever tanto aos que obedecem quanto aos que mandam e para conservar
entre ambos a união e harmonia de vontades, que é plenamente conforme a
natureza e da qual nasce o tranquilo e imperturbado curso dos assuntos
públicos. Por isso, tendo sido colocado pela graça de Deus à frente da Igreja
católica como guardião e intérprete da doutrina de Cristo, Nós julgamos,
veneráveis irmãos, que é incumbência da nossa autoridade recordar publicamente
o que a verdade Católica exige de cada um nessa esfera de deveres. Desta
exposição emergirá também o caminho e a maneira com que em tão deplorável
estado de coisas deve-se ter em conta o bem público.
Ainda que o homem, que quando impelido por certa
arrogância e orgulho intenta muitas vezes abalar os freios da autoridade, ele
todavia nunca pôde se livrar de toda obediência. Em todas as comunidades e
reuniões de homens é necessário que haja alguns que mandem, para que a
sociedade, destituída de princípio ou cabeça, não desapareça e seja privada de
alcançar o fim para o qual nasceu e foi constituída. Mas, não conseguindo
lograr a destruição total da autoridade política nos Estados — destruição essa
que teria sido impossível — tentou-se empregar todos os meios e artifícios
possíveis para debilitar sua força e diminuir sua majestade. Isto sucedeu-se
principalmente no século XVI, quando uma perniciosa novidade opiniões seduziu a
muitos. A partir daquele tempo, a multidão pretendeu não somente que lhe fosse
dada uma liberdade mais ampla do que lhe era conforme, como também considerou
adequado modelar ao seu próprio arbítrio a origem e a constituição da sociedade
dos homens. Hoje em dia vê-se que foi além; um grande número dos nossos
contemporâneos, seguindo as pegadas daqueles que no século passado deram a si
mesmos o nome de filósofos, afirmam que todo poder vem do povo. Por
conseguinte, aqueles que exercem o poder não o exercem como coisa própria, mas
sim como mandatários ou emissários do povo; e por essa própria regra a vontade
do povo pode a qualquer momento retirar de seus mandatários o poder que lhes
foi delegado. Mas disso os católicos dissentem, pois colocam em Deus, como
princípio natural e necessário, a origem do poder político. (...) no que diz
respeito ao poder político, a Igreja ensina retamente que o poder vem de Deus.
Assim se encontra claramente testemunhado nas sagradas Escrituras e nos
monumentos da antiguidade cristã; além disso, não se pode pensar em doutrina
alguma que seja mais conveniente à razão ou mais conforme o bem dos governantes
e dos povos.
Os livros do Antigo Testamento afirmam claramente
em muitos lugares que a fonte verdadeira da autoridade humana está em Deus:
'Por mim reinam os reis…; por mim imperam os príncipes, e os poderosos decretam
a justiça (Prov. 8:15-16)'. E em outra parte: 'Aplicai os ouvidos, vós que
governais os povos…; Porque de Deus vos tem sido dado o poder, e do Altíssimo a
força (Sab 6:3-4)'. A mesma coisa encontra-se no livro do Eclesiástico: 'Ele
estabeleceu a cada nação seu príncipe (Eclo 17:14)'. No entanto, os homens que
haviam recebido esses ensinamentos do próprio Deus foram esquecendo-os
paulatinamente por causa do paganismo supersticioso, que por sua vez, assim
como corrompeu muitas noções e idéias da realidade, da mesma maneira adulterou
a autêntica forma e a beleza da autoridade política. Pouco depois, quando brilhou
a luz do Evangelho cristão, a vaidade cedeu seu posto à Verdade, e de novo
começou a ser visto claramente o nobre e divino princípio do qual provém toda a
autoridade. Ao governador romano, que se arrogava o poder e a autoridade para
absolvê-lo e condená-lo, Nosso Senhor Jesus Cristo respondeu: 'Tu não terias
poder algum sobre mim, se te não fosse dado do alto (Jo 19:11)'. E Santo
Agostinho, explicando essa passagem, diz: 'Aprendamos o que disse, que é o
mesmo que ensinou pelo Apóstolo, que não há poder que não venha de Deus [Tract.
CXVI in Ioan. nº 6]'. A voz incorrupta dos apóstolos ecoou fielmente a doutrina
e os preceitos de Jesus Cristo. Excelsa e plena de gravidade é a sentença de
São Paulo aos Romanos, que estavam sujeitos ao poder dos imperadores pagãos:
'Porque não há potestade que não venha de Deus', donde o Apóstolo deduz, como
consequência, que 'o Príncipe é ministro de Deus (Rom 13:1-4)'.
Os Padres da Igreja buscaram com toda diligência
afirmar e propagar essa mesma doutrina no que haviam sido instruídos. 'Não
atribuamos' — disse Santo Agostinho — 'senão somente ao Deus verdadeiro a
potestade para dar o reino e o poder (De Civ. Dei, lib. V, cap. 21)'. Sobre a
mesma passagem São João Crisóstomo diz: 'Que existam principados e que uns
mandem e outros sejam súditos não é algo que suceda por acaso e
temerariamente…, senão por divina sabedoria (In epist, ad Rom., homil. XXIII,
n. 1)'. O mesmo atestou São Gregório Magno com estas palavras: 'Confessamos que
o poder é dado do alto aos imperadores e reis (Epist. lib. II, epist. 61)'.
(...) não pode nem existir e nem ser concebida uma sociedade em que não haja
alguém que modere e una as vontades de cada indivíduo, para que de muitos se
faça uma unidade e as impulsione dentro de uma ordem reta em direção ao Bem-Comum;
Deus quer, portanto, que na sociedade civil haja aqueles que governem a
multidão. Há também outra consideração de muito peso: as autoridades que
administram a coisa pública podem exigir a obediência dos cidadãos, e de tal
maneira é essa exigência, que não obedecer-lhes seria nitidamente pecado.
Entretanto, nenhum homem tem em si mesmo ou por si mesmo o poder de sujeitar a
vontade livre dos demais com os grilhões dessa autoridade. Deus, criador e
governador de todas as coisas, é o único que tem esse poder. E os que exercem
esse poder devem exercê-lo necessariamente como comunicado por Deus a eles:
'Não há mais que um Legislador, um Juiz, que pode perder, e que pode salvar (Tg
4:12)'. E isso está manifesto em todo tipo de poder. Que o poder que está num
sacerdote provém de Deus é algo tão conhecido que, entre todos os povos, eles
são reconhecidos e chamados de ministros de Deus. Similarmente, a autoridade
dos pais de família preserva uma certa efígie e forma da autoridade que há em
Deus, 'do qual toda a paternidade toma o nome nos Céus e na terra (Ef 3:15)'.
Por isso, as diversas espécies de poder têm entre si maravilhosas semelhanças,
já que todo poder e autoridade, sejam quais forem, derivam sua origem de um
único e idêntico Criador e Senhor do mundo, que é Deus.
Aqueles que afirmam que a sociedade civil nasceu do
livre consenso entre os homens, e que buscam nesta mesma fonte o princípio da
autoridade, dizem que cada homem cedeu algo do seu direito e que,
voluntariamente, ele foi entregue ao poder daquela pessoa cujos direitos atraiu
a soma deles. Mas erro maior é não ver o que é evidente: o homem não é uma
espécie atomizada e errante; é que antes de toda resolução da sua vontade, há a
sua condição natural, que é viver em sociedade. Ademais, o pacto que pregam é
claramente uma invencionice fictícia que não tem poder para conferir à
autoridade política tal força, dignidade e firmeza requeridas para a defesa do
Estado e pela necessidade comum dos cidadãos. O governo só terá esses
ornamentos e garantias universais se se reconhecer que eles emanam de Deus como
Sua Augustíssima e Sacratíssima Fonte.
E é impossível que se encontre ensinamento mais
verdadeiro e vantajoso que esse. Porquanto, se o poder político dos governantes
é uma participação no poder divino, o poder político alcança por esta mesma
razão uma dignidade maior que a meramente humana. Com efeito, não aquela ímpia
e absurda dignidade algumas vezes desejadas pelos imperadores pagãos quando
reivindicavam honras divinas, mas sim a dignidade verdadeira e sólida, que é
recebida por um especial dom de Deus. Por isso, será conveniente que os
cidadãos submetam-se e sejam obedientes aos governantes como ao próprio Deus, e
não por temor do castigo, mas sim por respeito à sua majestade; não com
sentimento de servidão, mas como dever de consciência. Assim, a autoridade se
manterá em seu verdadeiro lugar com muito mais firmeza. Pois os cidadãos,
percebendo a força desse dever, evitarão necessariamente a desonestidade e a
contumácia, pois eles devem estar persuadidos de que aquele que resiste à
autoridade governante está resistindo à Vontade Divina; que aqueles que recusam
honrar os governantes recusam Honrar O Próprio Deus.
Essa é a Doutrina que o Apóstolo Paulo ensinou
especialmente aos romanos. A estes escreveu com tamanha autoridade e peso sobre
a reverência devida às altas autoridades, que parece nada poder ser ensinado
com maior gravidade: 'Todo o homem esteja sujeito às autoridades superiores:
Porque não há poder que não venha de Deus e os que existem, esses foram por
Deus ordenados. Aquele pois que resiste ao príncipe, resiste à Ordenação de
Deus. E os que lhe resistem, a si mesmos trazem a condenação… É logo necessário
que lhe estejais sujeitos não somente pelo temor do castigo, mas também por
obrigação de consciência (Rom. 13:1-5)'. E em concordância com esse ensinamento
está a célebre declaração de Pedro, Príncipe dos Apóstolos, quando fala do
mesmo assunto: 'Submetei-vos, pois, a toda a humana criatura, por amor de Deus;
quer seja ao Rei como a Soberano; quer aos Governadores, como enviados por Ele
para tomar vingança dos malfeitores, e para louvor dos bons; porque assim é a
vontade de Deus (I Pe 2:13-15)'.
(...) A Igreja sempre procurou fazer com que esta
concepção cristã de poder político não somente seja impressa nas almas, mas
também que ela fique expressa na vida pública e nos costumes dos povos.
Enquanto se sentavam no trono do Estado os imperadores pagãos, que pela
superstição se viam impedidos de se elevar a esta concepção de poder que aqui delineamos,
a Igreja procurou inculcá-la nas mentes dos povos, que por sua vez, tão logo
aceitavam as instituições cristãs, deveriam ajustar suas vidas a elas. E assim,
os pastores de almas, renovando os exemplos do apóstolo São Paulo,
consagravam-se, com sumo cuidado e diligência, à pregar aos povos que sejam
sujeitos aos príncipes e aos magistrados, que lhe obedeçam (Tit 3:1).
Igualmente, que orassem a Deus por todos os homens, e mais especialmente pelos
reis e por todos os que estão elevados em dignidade… porque isto é bom e
agradável diante de Deus nosso salvador (I Tim 2:1-3). E os cristãos antigos
nos deixaram ensinamentos brilhantes, pois sendo atormentados injusta e
cruelmente pelos imperadores pagãos, jamais deixaram de seguir com obediência e
submissão, de tal modo que os dois lados pareciam competir entre si: os
imperadores na crueldade e os cristãos na obediência. Tão grande era essa
modéstia cristã e tão certa a vontade de obedecer, que não puderam ser
obscurecidas pelas maliciosas calúnias dos inimigos. Por isso é que, aqueles
que iam defender publicamente o cristianismo diante dos imperadores,
demonstravam principalmente com esse argumento que era injusto castigar os
cristãos segundo as leis pois eles vivam de acordo com elas aos olhos de todos,
para dar exemplo de observância. Assim falava Atenágoras com toda confiança a
Marco Aurélio Antonino e ao seu filho Lúcio Aurélio Cômodo: 'Vós permitis que
nós, que não cometemos mal algum, e que antes procedemos com toda piedade e
justiça — não só com Deus, mas também com o império — sejamos perseguidos,
despojados e desterrados' (Legat. pro Christianis). Do mesmo modo, Tertuliano
louvava publicamente os cristãos, pois eram, dentre todos, os melhores e mais
seguros amigos do império: 'O cristão não é inimigo de ninguém, nem do
imperador, o qual, sabendo que ele foi instituído por Deus, deve ser amado,
respeitado, honrado e querer que ele seja salvo com todo o Império romano
(Apolog. nº 35)'. E nem duvidava em afirmar que nos confins do império tanto
mais diminuía o número dos seus inimigos quanto mais crescia o número de
cristãos: 'Agora tens poucos inimigos, pois os cristãos são maioria, porque em
quase todas as cidades são cristãos quase todos os cidadãos (Apolog. nº 37)'.
Há também um insigne testemunho desta mesma realidade na Epístola a Diogneto,
na qual confirma que naquele tempo os cristãos haviam se acostumado não somente
a servir e a obedecer as leis, mas também cumpriam todos seus deveres com maior
perfeição do que exigiam as leis: 'Os cristãos obedecem as leis promulgadas e
com seu gênero de vida vão além do que mandam as leis'.
Entretanto, a questão mudava quando as ordens
imperiais e as ameaças dos pretores mandavam que os cristãos abandonassem sua
fé ou que eles faltassem de alguma maneira com seu dever. Nessas épocas,
indubitavelmente, eles preferiam desagradar aos homens em vez de desagradar a
Deus. No entanto, mesmo nessas circunstâncias não houve quem tratasse de
promover sedições nem quem menosprezasse a majestade do imperador, e eles não
pretendiam outra coisa senão se confessarem cristãos e declarar que eles não
alterariam de modo algum sua fé. Não cogitavam resistir de modo algum, mas sim
marchavam contentes e gozosos como nunca em direção aos suplícios, donde a
magnitude dos tormentos se via vencida pela grandeza de alma dos cristãos.
Nesse mesmo período, a força dos princípios cristãos foi observada de maneira
semelhante pelo exército; Porquanto era a marca de um soldado cristão combinar
a suma coragem com a suma dedicação à disciplina militar; e acrescentar à
nobreza da alma a imóvel fidelidade ao príncipe. Mas se algo desonesto fosse
requerido dele (como por ex. violar as leis de Deus ou virar sua espada contra
inocentes discípulos de Cristo), então ele se recusava a executar as ordens, de
tal modo que, em vez de se opor à autoridade pública por meio de sedições e
tumultos, ele preferia antes depor armas e morrer por sua Religião.
Mais tarde, quando os príncipes cristãos passaram a
ser chefes dos Estados, a Igreja empenhou-se muito mais para declarar e ensinar
o que há de sagrado na autoridade dos governantes. Com esses ensinamentos
conseguiu-se que os povos, quando pensavam na autoridade, acostumassem a ver
nos governantes uma imagem da Majestade Divina, e nisso eram impelidos a ter
maior respeito e amor por eles. Por isso mesmo, sabiamente dispôs a Igreja que
os reis fossem consagrados com os ritos sagrados, conforme fora ordenado pelo
próprio Deus no Antigo Testamento. Quando a sociedade civil, surgida das ruínas
do Império romano, abriu-se de novo à esperança da grandeza cristã, os Romanos
Pontífices consagraram de um modo singular o poder civil com o imperium sacrum,
fazendo com que a autoridade civil adquirisse assim uma dignidade desconhecida.
Com efeito, não há dúvida que essa instituição teria sido maximamente útil,
tanto para a sociedade religiosa quanto para a civil, se os príncipes e os
povos tivessem buscado o que a Igreja buscava. Enquanto reinou uma concorde
amizade entre ambas as potestades, conservaram-se a paz e a prosperidade
públicas. Se alguma vez os povos incorriam no pecado das rebeliões, prontamente
eram acudidos pela Igreja, conciliadora nata da tranquilidade, exortando todos
ao cumprimento dos seus deveres e refreando os ímpetos da concupiscência, em
parte com a persuasão e em parte com sua autoridade. De maneira semelhante, se
os reis pecavam no exercício do poder, apresentava-se a Igreja perante eles e,
recordando-lhes os direitos dos povos, suas necessidades e retas aspirações,
aconselhava-lhes justiça, clemência e benignidade. Por esta razão se recorreu
muitas vezes à influência da Igreja para afastar o perigo de revoluções e
guerras civis.
Por outro lado, as teorias sobre o poder político
inventadas por autores mais recentes já trouxeram grandes calamidades aos homens,
e é de temer que elas trarão desastres ainda piores no futuro. Com efeito,
negar-se a atribuir a Deus como fonte do direito de comandar os homens não é
outra coisa senão querer apagar o grandioso esplendor do poder político e
destruir seu vigor. E aqueles que dizem que esse poder depende da vontade do
povo e de contratos individuais de adesão voluntária cometem o primeiro erro de
opinião; em seguida eles erram ao assentar a autoridade sobre fundamentos muito
fracos e instáveis. Tais opiniões são como um estimulante perpétuo às paixões
populares, pois estas acabam por crescer cada dia mais em insolência e preparam
a ruína pública ao pavimentar o caminho para as conspirações secretas ou para
as sedições abertas. Com efeito, tumultos repentinos e audaciosíssimas
rebeliões deram-se na Alemanha após a dita Reforma, cujos autores e líderes
que, com suas doutrinas, atacaram os próprios alicerces dos poderes civil e
religioso; e isso com uma deflagração tão terrível de guerra civil e com tal
matança que quase não havia nenhum lugar livre de tumulto e derramamento de
sangue. Dessa heresia nasceu no século passado uma falsa filosofia, — o dito
Direito Novo —, a soberania popular e uma licença sem controles, que muitos
consideram como a única Liberdade. E então chegamos a esses erros recentes que
se chamam comunismo, socialismo e niilismo, que são monstros terríveis que
ameaçam de morte a sociedade civil. No entanto, muitos ainda tentam estender o
alcance desses males, e sob o pretexto de ajudar a multidão, já provocaram um
número não pequeno de incêndios e ruínas. As coisas que aqui mencionamos não
nos são nem desconhecidas e nem remotas.
Isso, com efeito, é ainda mais grave porque os
príncipes, em meio a tantos perigos, carecem de remédios suficientes para
restaurar a disciplina e a tranquilidade. Eles se guarnecem com a autoridade
das leis e pensam que com isso constrangem, pela severidade da punição, aqueles
que perturbam o governo. Fazem muito bem. Não obstante, deveriam considerar
seriamente que nenhum poder de punição pode ser tão grande a ponto de ele
sozinho ter o poder de preservar o Estado. Porquanto o medo, como ensina
claramente Santo Tomás, é um fundamento débil, porque 'aqueles que se submetem
por medo, se surgir a ocasião em que possam escapar impunes, insurgem-se com
tanto maior ardor quanto mais tenham sido coibidos por meio do medo'. Ademais,
'de um medo muito grande muitos caem em desespero; e o desespero leva os homens
a tentar conseguir audaciosamente aquilo que desejam (De Regim. Princip. lib. I,
cap. 10. 30)'. A experiência demonstra suficientemente a grande verdade destas
afirmações. É, portanto, necessário buscar uma razão mais alta e mais confiável
para a obediência, e dizer explicitamente que a severidade legal não pode ser
eficaz se os homens não forem incitados pelo dever e conduzidos por um salutar
temor de Deus. Mas isso é A Religião quem pode pedir da melhor maneira;
Religião essa que por seu Poder entra nas almas e inclina as vontades dos
homens fazendo com que eles não apenas rendam obediência aos seus governantes,
mas também mostrem sua benevolência e caridade, que é em toda sociedade a
melhor guardiã da integridade.
Por isso é que se deve reconhecer que os Romanos
Pontífices como insignes servidores do interesse geral, pois eles sempre se
esforçaram para quebrantar o espírito túmido e inquieto dos inovadores, e
frequentemente advertiram os homens acerca dos perigos que esses tipos
representavam para a sociedade. A respeito disso convém mencionar a declaração
de Clemente VII a Ferdinando, rei da Boemia e da Hungria: 'Na Causa da Fé está
inclusa tanto a sua própria dignidade quanto a dos demais governantes, pois a
Fé não pode ser abalada sem que sua autoridade seja arruinada; isso ficou
comprovado recentemente em alguns desses territórios'. Nessa mesma linha
brilhou a providente firmeza dos Nossos Predecessores, especialmente Clemente
XII, Bento XIV e Leão XII, que ao verem em suas respectivas épocas o mal das
perversas doutrinas se propagar e audácia das seitas crescer, fizeram uso da
autoridade que possuíam para impedir o avanço delas. Nós mesmos já denunciamos
muitas vezes a gravidade dos perigos que nos ameaçam, e ao mesmo tempo
indicamos a melhor maneira de afastá-los. Aos príncipes e aos demais
governantes do Estado oferecemos proteção da Religião e exortamos o povo a usar
abundantemente os benefícios que a Igreja provê. De novo oferecemos aos
príncipes esse apoio, — que é o mais firme de todos — e com veemência
exortamos-lhes no Senhor para que defendam A Religião, e no interesse do
próprio Estad,o concedam à Igreja aquela liberdade a qual não se pode privá-la
sem incorrer na injustiça e na ruína geral. Com efeito, a Igreja de Cristo não
pode ser objeto de suspeita para os príncipes e nem mal vista pelos povos, pois
ela admoesta os governantes para que eles sigam a Justiça e de maneira alguma
fujam do seu dever; assim, ao mesmo tempo ela corrobora o governo e coadjuva sua
autoridade de muitas maneiras. Em todas as coisas que são de natureza civil a
Igreja reconhece e declara o poder e autoridade do governante sobre elas; e nas
coisas que, sob diversas causas, afetam simultaneamente a potestade civil e a
eclesiástica, a Igreja quer que exista concórdia entre ambos para que sejam
evitados conflitos funestos às duas partes. No que diz respeito aos povos, a
Igreja foi Fundada para A Salvação de todos os homens e sempre amou-os como
mãe. É a Igreja que, pelo exercício da caridade, deu a mansidão às almas,
humanidade nos costumes e equidade nas leis. Nunca oposta à liberdade honesta,
a Igreja sempre detestou o governo tirânico. Este costume, inerente à Igreja,
foi expresso por Santo Agostinho com grande precisão e clareza nas seguintes
palavras: 'A Igreja ensina os reis a velarem pelo seu povo e ensina todos os
povos a se submeterem aos seus reis; mostrando que nem tudo é devido a todos,
mas a todos é devida a caridade e a ninguém a injustiça (De morib. Eccl. lib.
1, cap. 30)'.
Por estas razões, veneráveis irmãos, vossa obra
será muito útil e totalmente salutar se coadunardes Conosco todos esforços e
habilidades que Deus vos deu para que assim possamos afastar todos os perigos e
males da sociedade. Buscai zelosamente fazer com que os homens compreendam e
cumpram com diligência os preceitos estabelecidos pela Igreja católica a
respeito do poder político e do dever de obediência. Enquanto autoridades e
mestres que sois, admoestai o povo para que fuja das seitas proibidas, abomine as
conjurações e não tenha parte nas sedições; e façais com que seja entendido
que, aquele que obedece aos governantes por causa de Deus, sua sujeição é
conforme a razão e sua obediência é magnânima. Por ser Deus que dá a saúde aos
reis (Salm. 142 (143), 11) e concede aos povos assentarem-se na formosura da
paz, e nos tabernáculos da confiança, e num descanso opulento (Is 32, 18) é
necessário suplicar insistentemente a Deus para que Ele incline a vontade de
todos em direção à honestidade e à verdade, para que reprima as iras e restitua
em todo orbe a paz e a tranquilidade há muito desejadas.
Para que possamos pedir com mais esperança,
ponhamos como intercessores e defensores do nosso bem-estar a Virgem Maria,
insigne mãe de Deus, auxílio dos cristãos e guarda do gênero humano; e São
José, seu castíssimo esposo, cujo patrocínio toda Igreja confia; e a São Pedro,
Príncipe dos Apóstolos, e São Paulo, guardiães e protetores do nome cristão.
Enquanto isso, como promessa dos dons divinos e da Nossa ternura, Nós damos a
todos Vós, veneráveis irmãos, ao clero e ao povo confiado à vossa solicitude, a
Bênção Apostólica no Senhor."
http://www.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_29061881_diuturnum.html
Encíclica Humanum Genus (Gênero Humano) - Papa Leão XIII (1884):
"(...) 22. E ainda há as
suas doutrinas sobre política, em que os naturalistas decretam que todos os
homens têm o mesmo direito, e são em todos os aspectos da mesma e igual
condição; que cada um é naturalmente livre; que nenhum tem o direito de
comandar a outrem; que é um ato de violência requerer que homens obedeçam
qualquer autoridade outra que aquela que é obtida deles mesmos. De acordo com
isto, portanto, todas as coisas pertencem ao povo livre; o poder é exercido
pela ordem ou permissão dos indivíduos somados no conjunto do povo, de modo
que, quando o desejo do povo muda, os governantes podem ser legalmente depostos
e a fonte de todos os direitos e deveres civis está ou na multidão ou na autoridade
governante quando esta é constituída de acordo com as últimas doutrinas. É
sustentado também que o Estado deve ser sem Deus; que nas várias formas de
Religião não há razão pela qual uma devesse ter império para se impor sobre as
demais; e que todas elas deveriam ocupar o mesmo lugar.
23. Que estas doutrinas são
igualmente aceitáveis aos Maçons e que eles desejariam constituir Estados de
acordo com este exemplo e modelo, é excessivamente bem conhecido para requerer
prova. Por algum tempo eles tem abertamente esforçado-se para tornar isto
realidade com toda a sua força e recursos; e deste modo eles preparam o caminho
para não poucos homens audaciosos que estão se apressando a fazer até as piores
coisas, em seu esforço para obter igualdade e comunhão de todos os bens pela
destruição de todas as distinções de título e propriedade.
24. O que, portanto, a seita dos
Maçons é, e que trilha ela persegue, aparece suficientemente do sumário que Nós
resumidamente demos. Seus dogmas principais estão tão grandemente e
manifestamente apartados da razão que nada pode ser mais perverso. Desejar
destruir A Religião e a Igreja que o próprio Deus estabeleceu, e cuja
perpetuidade Ele assegura por Sua proteção, e trazer após um lapso de dezoito
séculos as maneiras e costumes dos pagãos, é notável insensatez e audaciosa
impiedade. Nem é menos horrível nem mais tolerável que eles repudiem os
benefícios que Jesus Cristo tão misericordiosamente obteve, não somente para os
indivíduos, mas também para as famílias e para a sociedade civil, benefícios os
quais, mesmo de acordo com o julgamento e testemunho de inimigos da
Cristandade, são muito grandes. Nesta empreitada insana e pervertida nós quase
podemos ver o ódio implacável e o espírito de vingança com o qual o próprio
Satanás está inflamado contra Jesus Cristo. Do mesmo modo o estudado esforço
dos Maçons para destruir as principais fundações da justiça e honestidade, e
para cooperar com aqueles que desejarem, como se fossem meros animais, fazer o
que eles quiserem, tende somente para a ignominiosa e desgraçada ruína do
gênero humano. (...) Como todos e cada um de nós somos admoestados pela própria
voz da natureza para cultuar a Deus em piedade e santidade, como o Doador da
vida e de tudo que é bom nela, do mesmo modo e pela mesma razão, nações e
Estados estão obrigados a cultuá-lO; e portanto é claro que aqueles que querem
absolver a sociedade de todos os deveres religiosos agem não só injustamente
mas também com ignorância e insensatez.
25. Como os homens são pela
vontade de Deus nascidos para a união civil e sociedade, e como o poder de
governar é um elo de união tão necessário à sociedade que, se ele é retirado, a
sociedade necessariamente e imediatamente se desfaz, segue que dEle que é o
Autor da sociedade veio também a autoridade de governar (...). Portanto, como o
fim e a natureza da sociedade humana requerem, é correto obedecer às justas
ordens da autoridade legal, como é correto obedecer a Deus que governa todas as
coisas; e é extremamente falso que o povo tenha como um poder jogar de lado sua
obediência quando quer que lhe agrade.
26. De maneira semelhante,
ninguém duvida que todos os homens são iguais uns aos outros, tanto quanto se
refere à sua origem e natureza comuns, ou o Fim-Último que cada um deve Atingir
e, tão logo, os direitos e deveres que são Daí Derivados. Mas, como as
habilidades de todos não são iguais, como um difere do outro nos poderes da
mente e do corpo, e como há realmente muitas dessemelhanças de maneiras,
disposição, e caráter, é extremamente repugnante à razão esforçar-se por
confinar todos dentro da mesma medida, e estender completa igualdade às
instituições da vida civil. Assim como uma perfeita condição do corpo resulta
da conjunção e composição de seus vários membros, os quais, embora diferindo em
forma e propósito, fazem, por sua união e distribuição de cada um em seu
próprio lugar, uma combinação bela para ser mantida, firme em força, e
necessária para o uso; desse modo, na comunidade, há uma quase infinita
dessemelhança de homens, como partes do todo. Se eles devem ser todos iguais, e
cada um deve seguir seu próprio desejo, o Estado vai aparecer extremamente
deformado; mas se, com uma distinção de graus de dignidade, de ocupações e
empregos, todos habilmente cooperarem para o Bem-Comum, eles irão apresentar a
imagem de um Estado bem constituído e conformado à natureza.
27. Agora, dos perturbantes erros
que Nós temos descrito os maiores perigos para os Estados devem ser temidos.
Pois, sendo retirados o temor a Deus e a reverência pelas leis divinas, sendo
desprezada a autoridade dos governantes, a sedição permitida e aprovada, e as
paixões populares exacerbadas até o desprezo pela lei, sem qualquer freio a não
ser o castigo, uma mudança e derrubada de todas as coisas necessariamente
seguirá. (...) De modo semelhante, eles têm por falsos elogios iludido as
pessoas. Proclamando com uma alta voz a Liberdade e Prosperidade e dizendo que
era por causa da Igreja e dos soberanos que a multidão continuava soldada na
injusta servidão e na pobreza, eles se impuseram sobre o povo, e, excitando-os
por uma sede por novidades, eles os pressionaram a assediar tanto a Igreja
quanto o poder civil.
29. A Igreja, se ela dirige os
homens a prestar obediência principalmente a acima de tudo a Deus o soberano
Senhor, é erradamente e falsamente considerada ou invejosa do poder civil ou de
se arrogar algo dos direitos dos soberanos. Pelo contrário, ela ensina que o
que é retamente devido ao poder civil deve ser prestado a ele com convicção e
consciência de dever. Ensinando que do próprio Deus vem o direito de governar,
ela adiciona uma grande dignidade à autoridade civil, e ainda ajuda a obter a
obediência e boa intenção dos cidadãos. Amiga da paz e sustentáculo da
concórdia, ela abraça a todos com amor maternal, e, intencionando apenas
auxiliar o homem mortal, ela ensina que à justiça deve ser ajuntada a
clemência, eqüidade à autoridade, e moderação à legislação; que o direito de
ninguém pode ser violado; que a ordem e a tranqüilidade pública devem ser
mantidas e que a pobreza daqueles que estão em necessidade deve, tanto quanto
possível, ser aliviada pela caridade pública e privada. (...)"
http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_18840420_humanum-genus.html
Encíclica Immortale Dei (Sobre a Constituição Cristã dos Estados) - Papa Leão XIII (1885):
"(...) Desde os primeiros dias da Igreja, como sabemos, os cristãos foram inquietados em conseqüência de injustos preconceitos dessa espécie, e expostos ao ódio e ao ressentimento, a pretexto de serem inimigos do Império. Naquela época, a opinião pública imputava de bom grado ao nome cristão os males que assaltavam a sociedade, ao passo que era Deus, o vingador dos crimes, quem infligia justas penas aos culpados. Essa odiosa calúnia indignou com toda razão o gênio de Santo Agostinho e lhe acusou o estilo. Foi principalmente no seu livro da “Cidade de Deus” que ele pôs em luz a virtude da sabedoria cristã em suas relações com a coisa pública, de tal sorte que ele parece haver menos advogado a causa dos cristãos de seu tempo do que alcançado um triunfo perpétuo sobre tão falsas acusações.
Todavia, o pendor funesto para essas queixas e para esses agravos não cessou, e muitos se comprouveram em buscar a regra da vida social fora das doutrinas da Igreja Católica. E, mesmo de então por diante, o “direito novo”, como lhe chamam, e que pretende ser o fruto de uma idade adulta e o produto de uma liberdade progressista, começa a prevalecer e a dominar por toda parte. Mas, a despeito de tantos ensaios, é fato que, para constituir e reger o Estado, nunca se achou sistema preferível àquele que é a florescência espontânea da doutrina evangélica.
Julgamos, pois, ser de suma importância e conforme ao Nosso múnus Apostólico confrontar as novas teorias sociais com a doutrina cristã. Destarte, temos a confiança de que a verdade dissipará, por um só brilho, toda causa de erro e de dúvida, de tal sorte que cada um facilmente poderá ver essas supremas regras de conduta que deve seguir e observar.
Não é muito difícil estabelecer que aspecto e que forma terá a sociedade se a filosofia cristã governa a coisa pública. O homem nasceu para viver em sociedade, portanto, não podendo no isolamento nem se proporcionar o que é necessário e útil à vida, nem adquirir a perfeição do espírito e do coração, a Providência o fez para se unir aos seus semelhantes, numa sociedade tanto doméstica quanto civil, única capaz de fornecer o que é preciso à perfeição da existência. Mas, como nenhuma sociedade pode existir sem um chefe supremo e sem que a cada um imprima um mesmo impulso eficaz para um fim comum, daí resulta ser necessária aos homens constituídos em sociedade uma autoridade para regê-los; autoridade que, tanto como a sociedade, procede da natureza e, por conseqüência, tem a Deus por autor.
Daí resulta ainda que o poder público só pode vir de Deus. Só Deus, com efeito, é o verdadeiro e soberano Senhor das coisas; todas, quaisquer que sejam, devem necessariamente ser-lhes sujeitas e obedecer-lhe; de tal sorte que todo aquele que tem o direito de mandar não recebe esse direito senão de Deus, Chefe supremo de todos. “Todo poder vem de Deus” (Rom 13,1). (...) Porquanto não é lícito desprezar o poder legítimo, seja qual for a pessoa em que ele resida, mais do que resistir à vontade de Deus; ora, os que lhe resistem correm por si mesmos para sua perda. “Quem resiste ao poder resiste à ordem estabelecida por Deus, e os que lhe resistem atraem a si mesmos a condenação” (Rom 5, 2). Assim, pois, sacudir a obediência e revolucionar a sociedade por meio da sedição é um crime de lesa-majestade, não só humana, mas divina.
É por isso que, do mesmo modo que a ninguém é lícito descurar seus deveres para com Deus, e que o maior de todos os deveres é abraçar de espírito e de coração a religião, não aquela que cada um prefere, mas aquela que Deus prescreveu e que provas certas e indubitáveis estabelecem como a única verdadeira entre todas, assim também as sociedades não podem sem crime comportar-se como se Deus absolutamente não existisse, ou prescindir da religião como estranha e inútil, ou admitir uma indiferentemente, segundo seu beneplácito. Honrando a Divindade, devem elas seguir estritamente as regras e o modo segundo os quais o próprio Deus declarou querer ser honrado. (...) Devem, pois, os chefes de Estado ter por santo o nome de Deus e colocar no número dos seus principais deveres favorecer a religião, protegê-la com a sua benevolência, cobri-la com a autoridade tutelar das leis, e nada estatuírem ou decidirem que seja contrário à integridade dela.
Efetivamente, Jesus Cristo deu plenos poderes aos seus apóstolos na esfera das coisas sagradas, juntando-lhes tanto a faculdade de fazer verdadeiras leis como o duplo poder que dela decorre, de julgar e de punir. “Todo poder me foi dado no céu e na terra; ide pois, ensinai todas as nações...ensinando-as a observar tudo o que eu vos prescrevi” (Mt 28, 18-20). E ainda: “Tende cuidado de punir toda desobediência” (2 Cor 10, 6). Demais: “Serei mais severo em virtude do poder que o Senhor me deu para a edificação e não para a ruína” (2 Cor 13, 10). À Igreja, pois, e não ao Estado, é que pertence guiar os homens para as coisas celestes, e a ela é que Deus deu o mandato de conhecer e de decidir de tudo o que concerne à religião; de ensinar todas as nações, de estender a tão longe quanto possível as fronteiras do nome cristão; em suma, de administrar livremente e a seu inteiro talante os interesses cristãos.
Essa autoridade perfeita (...) a Igreja nunca cessou de reivindicá-la, nem de exercê-la publicamente. Os primeiros de todos os seus apologetas foram os Apóstolos (...) Foi ela que os Padres da Igreja se aplicaram a defender por sólidas razões quando tiveram ensejo, e que os Pontífices romanos nunca deixaram de reivindicar com uma constância invencível contra os seus agressores.
(...) Assim, tudo o que, nas coisas humanas, é sagrado por uma razão qualquer, tudo o que é pertinente à salvação das alas e ao culto de Deus, seja por sua natureza, seja em relação ao seu fim, tudo isso é da alçada da autoridade da Igreja. Quanto às outras coisas que a ordem civil e política abrange, é justo que sejam submetidas à autoridade civil, já que Jesus Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
Na ordem política e civil, as leis têm por fim as bem comuns, ditadas não pela vontade e pelo juízo enganador da multidão, mas pela verdade e pela justiça. A autoridade dos príncipes reveste uma espécie de caráter mais sagrado do que humano, e é contida de maneira a não se afastar da justiça, nem exceder o seu poder. A obediência dos súditos corre parelhas com a honra e a dignidade, porque não é uma sujeição de homem a homem, mas uma submissão à vontade de Deus, que reina por meio de homens. Daí resulta claramente ser um dever de justiça respeitar a majestade dos príncipes, ser submisso com fidelidade constante ao poder político, evitar as sedições e observar religiosamente a constituição do Estado.
Em várias passagens Santo Agostinho, segundo o seu costume, salientou o valor desses bens, mormente quando interpela a Igreja Católica nestes termos (...) Noutro lugar, o mesmo Doutor repreende nestes termos a falsa sabedoria dos políticos filósofos: “Os que dizem que a doutrina de Cristo é contrária ao bem do Estado dêem-nos um exército de soldados tais como os faz a doutrina de Cristo, dêem-nos tais governadores de províncias, tais maridos, tais esposas, tais pais, tais filhos, tais mestres, tais servos, tais reis, tais juízes, tais contribuintes, enfim, e agentes do fisco tais como os quer a doutrina cristã! E então ousem ainda dizer que ela é contrária ao Estado! Muito antes, porém, não hesitem em confessar que ela é uma grande salvaguarda para o Estado quando é seguida” (Epist. 138 (al. 5) ad Marcellinum, cap. II, n. 15).
Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.
Se a Europa cristã domou as nações bárbaras e as fez passar da ferocidade para a mansidão, da superstição para a verdade; se repeliu vitoriosamente as invasões muçulmanas, se guardou a supremacia da civilização, e se, em tudo que faz honra à humanidade, constantemente e em toda parte se mostrou guia e mestra; se brindou os povos com a verdadeira liberdade sob essas diversas formas, se sapientissimamente fundou uma multidão de obras para o alívio das misérias; é fora de toda dúvida que, assim, ela é grandemente devedora à religião, sob cuja inspiração e com cujo auxílio empreendeu e realizou tão grandes coisas.
Todos esses bens durariam ainda se o acordo dos dois poderes houvesse perseverado, e havia razão para esperar outros ainda maiores, se a autoridade, se o ensino, se os conselhos da Igreja tivesses encontrado uma docilidade mais fiel e mais constante. Por quanto dever-se-ia ter como lei imprescritível aquilo que Yves de Chartres escreveu ao Papa Pascoal II: “Quando o mundo é bem governado, a Igreja é florescente e fecunda. Mas, quando a discórdia se interpõe entre eles, não somente as pequenas coisas não crescem, mas as próprias grandes deperecem miseravelmente” (Epist. 238).
Mas esse pernicioso e deplorável gosto de novidades que o século XVI viu nascer, depois de primeiro haver transtornado a religião cristã, em breve, por um declive natural, passou à filosofia, e da filosofia a todos os graus da sociedade civil. É a essa fonte que cumpre fazer remontar esses princípios modernos de liberdade desenfreada sonhados e promulgados por entre as grandes perturbações do século último, como os princípios e fundamentos de um “direito novo”, até então desconhecidos e sobre mais de um ponto em desacordo não somente com o direito cristão, mas com o direito natural. Eis aqui o primeiro de todos esses princípios: todos os homens, já que são da mesma raça e da mesma natureza, são semelhantes, e, “ipso facto”, iguais entre si na prática da vida; cada um depende tão bem só de si, que de modo algum está sujeito à autoridade de outrem: pode com toda liberdade pensar sobre qualquer coisa o que quiser, fazer o que lhe aprouver; ninguém tem o direito de mandar aos outros. Numa sociedade fundada sobre estes princípios, a autoridade pública é apenas a vontade do povo, o qual, só de si mesmo dependendo, é também o único a mandar a si. Escolhe os seus mandatários, mas de tal sorte que lhes delega menos o direito do que a função do poder, para exercê-la em seu nome. A soberania de Deus é passada em silencia, exatamente como se Deus não existisse, ou não se ocupasse em nada com a sociedade do gênero humano; ou então como se os homens, quer em particular, quer em sociedade, não devessem nada a Deus, ou como se pudesse imaginar-se um poder qualquer cuja causa, força, autoridade não residisse inteira no próprio Deus.
Destarte, como se vê, o Estado não outra coisa mais senão a multidão soberana e que se governa por si mesma e desde que o povo é considerado a fonte de todo o direito e de todo o poder, segue-se que o Estado não se julga jungido a nenhuma obrigação para com Deus, não professa oficialmente nenhuma religião, não é obrigado a perquirir qual é a única verdadeira entre todas, nem a preferir uma às outras, nem a favorecer uma principalmente; mas a todas deve atribuir a igualdade em direito, com este fim apenas, de impedi-las de perturbarem a ordem pública. Por conseguinte, cada um será livre de se fazer juiz de qualquer questão religiosa, cada um será livre de abraçar a religião que prefere ou de não seguir nenhuma se nenhuma lhe agradar. Daí decorrem necessariamente a liberdade sem freio de toda consciência, a liberdade absoluta de adorar ou de não adorar a Deus, a licença sem limites de pensar e de publicar os próprios pensamentos.
Dado que o Estado repousa sobre esses princípios, hoje em grande favor, fácil é ver a que lugar se relega injustamente a Igreja. Com efeito, onde quer que a prática está de acordo com tais doutrinas, a religião católica é posta, no Estado, em pé de igualdade, ou mesmo de inferioridade, com sociedades que lhes são estranhas. Não se tem em nenhuma conta as leis eclesiásticas; a Igreja, que recebeu de Jesus Cristo ordem e missão de ensinar todas as nações, vê-se interdizer toda ingerência na instrução pública. Nas matérias que são de direito misto, os chefes de Estado expedem por si mesmos decretos arbitrários, e sobre esses pontos ostentam um soberbo desprezo pelas santas leis da Igreja.
(...) A liberdade, esse elemento de perfeição para o homem, deve aplicar-se ao que é verdadeiro e ao que é bom. Ora, a essência do bem e da verdade não pode mudar ao sabor do homem, mas persiste sempre a mesma, e, não menos do que a natureza das coisas, é imutável. Se a inteligência adere as opiniões falsas, se a vontade escolhe o mal e a ele se apega, nem uma nem outra atinge a sua perfeição, ambas decaem da sua dignidade nativa e se corrompem. Não é, pois, permitido dar a lume e expor aos olhos dos homens o que é contrário à virtude e à verdade, e muito menos ainda colocar essa licença sob a tutela e a proteção das leis. Não há senão um caminho para chegar ao céu, para o qual todos nós tendemos: é uma boa vida. O Estado afasta-se, pois, das regras e prescrições da natureza se favorece a licença das opiniões e das ações culposas ao ponto de se poderem impunemente desviar os espíritos da verdade e as almas da virtude.
(...) 39. Quanto à Igreja, que o próprio Deus estabeleceu, excluí-la da vida pública, das leis, da educação da juventude, da sociedade doméstica, é m grande e pernicioso erro. Uma sociedade sem religião não pode ser bem regulada; e, mais talvez do que fora mister, já se vê o que vale em si e em suas conseqüências essa pretensa moral civil.
40. A verdadeira mestra da juventude e a guardiã dos costumes é a Igreja de Cristo. É ela quem conserva na sua integridade os princípios de onde emanam os deveres, e quem sugerindo os mais nobres motivos de vem viver, ordena não somente fugir às más ações, mas domar os movimentos da alma contrários à razão, ainda quando não se traduzem em ato.
(...) 42. Essas doutrinas, que a razão humana reprova e têm uma influência tão considerável sobre a marcha das coisas públicas, os Pontífices romanos, Nossos predecessores, na plena consciência daquilo que deles reclamava o múnus apostólico, jamais sofreram fossem impunemente emitidas. Assim foi que, na sua Carta Encíclica “Mirari vos”, de 15 de agosto de 1832, Gregório XVI, com grande autoridade doutrinal, repeliu o que se avançava desde então, insto é, que em matéria de religião não há escolha a fazer: que cada um depende apenas da própria consciência e pode, além disso, publicar o que pensa e tramar revoluções no Estado. A respeito da separação da Igreja do Estado, exprime-se nestes termos esse Pontífice: “Não podemos esperar para a Igreja e para o Estado resultados melhores das tendências dos que pretendem separar a Igreja do Estado e romper a concórdia mútua entre o sacerdócio e o império. É que, com efeito, os fautores de uma liberdade desenfreada temem essa concórdia, que sempre foi tão propícia e salutar aos interesses religiosos e civis”. Da mesma maneira, Pio IX, cada vez que se apresentou ensejo, condenou as falsas opiniões mais em voga, e que, em tal dilúvio de erros, os católicos tivessem uma direção segura.
43. Dessas decisões dos Sumos Pontífices, cumpre absolutamente admitir que a origem do poder público deve atribuir-se a Deus, e não à multidão; que o direito à rebelião repugna a razão; que não fazer nenhum caso dos deveres da religião, ou tratar da mesma maneira as diferentes religiões, não é permitido nem aos indivíduos nem às sociedades; que a liberdade ilimitada de pensar e de emitir em público os próprios pensamentos de modo algum deve ser colocada entre os direitos dos cidadãos, nem entre as coisas dignas de favor e de proteção.
(...) 48. Pela mesma razão, não pode a Igreja aprovar uma liberdade que gera o desgosto das mais santas leis de Deus e sacode a obediência devida à autoridade legítima. Isso é mais uma licença do que uma liberdade, e Santo Agostinho lhe chama mui justamente “uma liberdade de perdição” (Epist. CV, ad Donatistas, cap. II, n. 9) e o Apóstolo S. Pedro “um véu de maldade” (1 Ped 2:16). Muito mais: sendo oposta à razão, essa pretensa liberdade é uma verdadeira escravidão. “Aquele que comete o pecado é escravo do pecado” (Jo 8:34).
49. Pelo contrário, liberdade verdadeira e desejável é a que, na ordem individual, não deixa o homem escravo nem dos erros, nem das paixões, que são os seus piores tiranos; e na ordem pública traça regras sábias aos cidadãos, facilita largamente o incremento do bem-estar e preserva do arbítrio de outrem a coisa pública. Essa liberdade honesta e digna do homem, a Igreja a aprova ao mais alto ponto, e, para garantir aos povos o firme e integral gozo dela, nunca cessou de lutar e de combater.
50. Sim, na verdade, tudo o que pode haver de salutar para o bem geral no Estado; tudo o que é útil para proteger o povo contra a licença dos príncipes que lhe não provêem ao bem; tudo o que impede as usurpações injustas do Estado sobre a comuna ou sobre a família; tudo o que interessa à honra, à personalidade humana e à salvaguarda dos direitos iguais de cada um; de tudo isso a Igreja Católica sempre tomou quer a iniciativa, quer o patrocínio, quer a proteção, como atestam os monumentos das idades precedentes. Sempre coerente consigo mesma, se, de uma parte, dela repele uma liberdade imoderada que, para os indivíduos e para os povos, degenera em licença ou em escravidão, de outra parte abraça com todo o gosto os progressos que todo dia nascem, se verdadeiramente contribuem para a prosperidade desta vida, que é como um encaminhamento para a vida futura e para sempre duradoura. (...)
52. Se, pois, nessas conjunturas difíceis os católicos Nos escutarem, como é seu dever, saberão exatamente quais são os deveres de cada um na “teoria” como na “prática”. Na teoria, primeiro, é necessário ater-se com decisão inabalável a tudo o que os Pontífices romanos têm ensinado ou ensinarem, e, todas as vezes que as circunstâncias o exigirem, fazer disso profissão pública. Particularmente no que diz respeito às “liberdades modernas”, como lhes chamam, deve cada um ater-se ao julgamento da Sé Apostólica e conformar-se com suas decisões. Cumpre resguardar-se de se deixar enganar pela honestidade especiosa dessas liberdades, e lembrar-se de que fontes elas emanam e por que espírito se propagam e se sustentam. A experiência já tem feito suficientemente conhecer os resultados que elas têm tido para a sociedade, e o quanto os frutos que elas têm dado inspiram com toda razão pesares aos homens funestos e prudentes. Se existe algures, ou pelo pensamento se imaginar um Estado que persiga disfarçada e tiranicamente o nome cristão, e se o confrontarmos com o gênero do governo moderno de que falamos, este último poderá parecer mais tolerável. Certamente, os princípios em que este último se baseia são de tal natureza, como dissemos, que em si mesmo por ninguém devem ser aprovados.
53. Na prática, a ação pode exercer-se já nos negócios privados e domésticos, já nos negócios públicos. Na ordem privada, o primeiro dever de cada um é de conformar exatamente a própria vida e os próprios costumes aos preceitos do Evangelho, e de não recuar ante o que a virtude cristã impõe de um pouco difícil de sofrer e aturar. Todos devem, além disso, amar a Igreja como sua Mãe comum, obedecer às suas leis, prover à sua honra, salvaguardar-lhe os direitos, e tomar cuidado de que aqueles sobre os quais exercem alguma autoridade a respeitem e a amem com a mesma piedade filial.
(...) 61. É isso, Veneráveis Irmãos, o que julgamos dever ensinar a todas as nações do orbe católico sobre A Constituição Cristã dos Estados e os deveres privados dos súditos. Resta-Nos implorar por ardentes preces o socorro celeste, e suplicar a Deus fazer Ele próprio atingirem o termo desejado todos os Nossos desejos e todos os Nossos esforços para a sua glória e para a salvação do gênero humano. Ele que é só quem pode iluminar os espíritos e tocar os corações dos homens. Como penhor das bênçãos divinas e em testemunho da Nossa paternal benevolência, damo-Vos na caridade do Senhor, Veneráveis Irmãos, a Vós bem como ao clero e ao povo inteiro confiado à Vossa guarda e à Vossa vigilância, a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, em S. Pedro, a 1° de novembro de 1885, oitavo ano do Nosso Pontificado.
http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_18840420_humanum-genus.html
Encíclica Divinis redemptoris – Papa Pio IX (19/03/1937):
"Mas donde vem que tal sistema [comunismo]? … É que os propagandistas deste sistema afivelam esta máscara de verdade, a saber: que não querem outra coisa mais que melhorar a sorte das classes trabalhadoras. Que pretendem não somente dar remédio oportuno aos abusos provocados pela economia liberal, mas também conseguir uma distribuição mais eqüitativa dos bens terrenos: objetivos estes que certamente ninguém nega se possam atingir por meios legítimos. … Mas, para mais facilmente se compreender como é que puderam conseguir que tantos operários tenham abraçado, sem o menor exame, os seus sofismas, será conveniente recordar que os mesmos operários, em virtude dos princípios do liberalismo econômico, tinham sido lamentavelmente reduzidos ao abandono da Religião e da moral cristã. Muitas vezes o trabalho por turnos impediu até que eles observassem os mais graves deveres religiosos dos dias festivos. … Aí estão, agora, os frutos amargosíssimos dos erros que os Nossos Predecessores e Nós mesmo mais de uma vez temos preanunciado. E assim, por que nos havemos de admirar, ao vermos que tantos povos, largamente descristianizados, vão sendo já pavorosamente inundados e quase submergidos pela vaga comunista? … Mas Deus destinou igualmente o homem para a sociedade civil, que a sua mesma natureza reclama. É que, no plano do Criador, a sociedade é um meio natural, de que todo o cidadão pode e deve servir-se para a consecução do fim que lhe é proposto, pois a sociedade civil existe para o homem e não o homem para a sociedade. Isto, porém, não se deve entender no sentido do liberalismo individualista, que subordina a sociedade à utilidade egoísta do indivíduo, mas sim no sentido que, mediante a união orgânica com a sociedade, todos possam, pela mútua colaboração, alcançar a verdadeira felicidade terrestre. … Sobre a ordem econômico-social e sobre a questão operária já o Nosso Predecessor, de feliz memória, Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum deu normas eficazes: normas que Nós adotamos às condições e exigências dos tempos presentes pela nossa Encíclica sobre a restauração cristã da ordem social (Enc. Quadragesimo anno, 1931). Nessa Encíclica, insistindo de novo com toda a força na secular Doutrina da Igreja acerca da natureza peculiar da propriedade privada no seu aspecto individual e social, assinalamos com toda a clareza e precisão os direitos e a dignidade do trabalho humano, as relações do mútuo apoio e auxílio que devem existir entre o capital e o trabalho, e o salário, indispensável ao operário e a sua família, que por justiça lhe é devido. Nessa mesma Encíclica mostramos também que a sociedade humana só então, poderá ser salva da funestíssima ruína, a que é arrastada pelos princípios do liberalismo, alheios a toda a moralidade, quando os preceitos da justiça social e da caridade cristã impregnarem e penetrarem a ordem econômica e a organização civil. O que indubitavelmente não podem conseguir nem a luta de classes, nem os atentados do terror, nem o abuso ilimitado e tirânico do poder do Estado. Advertimos outrossim, que a verdadeira prosperidade do povo se deve procurar segundo os princípios dum são corporativismo, que reconheça e respeite os vários graus da hierarquia social. E que é igualmente necessário que todas as corporações operárias se organizem em harmônica unidade para poderem tender ao bem-comum da sociedade; e que, por conseguinte, a função genuína e peculiar do poder público consiste em promover, quanto lhe seja possível, esta harmonia e coordenação de todas as forças sociais. Para assegurar esta tranqüila harmonia pela colaboração orgânica de todos, a Doutrina Católica confere aos governantes tanta dignidade e autoridade, quanta é necessária para que eles com vigilante e previdente solicitude salvaguardem os direitos divinos e humanos, que as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja tanto inculcam. E neste passo é necessário observar que erram vergonhosamente os que sem consideração atribuem a todos os homens direitos iguais na sociedade civil e asseveram que não existe legítima hierarquia. Sobre este ponto baste-Nos recordar as Encíclicas do Nosso Predecessor Leão XIII, acima mencionadas, especialmente a que trata do poder do Estado (Enc. Diuturnum illud) e a outra que versa sobre a constituição cristã do Estado (Enc. Immortale Dei, 1885). Nelas encontram os católicos luminosamente expostos os princípios da razão e da fé, que os tornarão aptos para as premunirem contra os erros e perigos da concepção comunista acerca do Estado. A espoliação dos direitos e a escravização do homem, a negação da origem primária e transcendente do Estado e do poder do Estado, o abuso horrível do poder público ao serviço do terrorismo coletivista, são precisamente o contrário do que é conforme à ética natural e à vontade do Criador. Tanto o homem como a sociedade civil têm origem no Criador, e foram por Ele mutuamente ordenados um para a outra. Por isso nenhum dos dois pode furtar-se a cumprir os deveres correlativos, nem recusar ou reduzir os direitos. O próprio Criador regulou esta mútua relação nas suas linhas fundamentais, e é injusta a usurpação, que o comunismo se arroga, de impor, em lugar da Lei Divina baseada nos imutáveis princípios da verdade e da caridade, um programa político de partido, que promana do capricho humano e ressuma ódio. … A sabedoria e suma utilidade desta doutrina é admitida por quantos verdadeiramente a conhecem. Com justificada razão puderam afirmar eminentes Estadistas que, depois de terem estudado os diversos sistemas sociais, nada haviam encontrado mais sábio que os princípios expostos nas Encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo anno. Até em países não católicos, e nem sequer cristãos, se reconhece quão vantajosas são para a sociedade humana as Doutrinas Sociais da Igreja; e assim, há apenas um mês, um eminente homem político, não cristão, do Extremo Oriente, não duvidou proclamar que a Igreja com a sua doutrina de paz e fraternidade cristã traz uma altíssima contribuição para o estabelecimento e conservação da paz construtiva entre as nações. Mas ainda: até os próprios comunistas, como sabemos por autênticas relações que afluem de toda a parte a este Centro de Cristandade, se não estão ainda de todo corrompidos, quando se lhes expõe a doutrina social da Igreja, reconhecem a sua superioridade sobre as doutrinas dos seus caudilhos e mestres. Somente os obcecados pela paixão e pelo ódio fecham os olhos à luz da verdade e a combatem obstinadamente."
https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html
Está e parabéns! Perfeito!
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