Dom Pedro II e a Questão Religiosa no Brasil: Maçonaria x Igreja Católica

Quando D. Pedro II ascendeu ao Trono, era 1831, exatos 10 anos da morte de Napoleão, Imperador da França. No mesmo ano, São Pio IX era eleito para a Cátedra de São Pedro. É importante contextualizar a Questão Religiosa porque ela vem de um atrito de forças no exterior, mas com repercussões nacionais. E a contextualização mais adequada é aquela que vem da Encíclica contra os liberais do Papa são Leão XIII chamada Libertas Praestantissimum, segundo a qual: "Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios."

Chamadas de "seminários do liberalismo", as Casas Maçônicas vinham desde 1717 espalhando concepções e pensamentos de mundo (que hoje se tornaram o ar que o Ocidente respira) que a Igreja combatia com ardor. Em 1738, vem a primeira condenação: o papa Clemente XII condena os maçons no In Eminenti Apostolatus. Em 1751, Bento XIV reitera a condenação com a Providas Romanorum. A despeito disso, esses movimentos não foram constrangidos por essas condenações e esse modelo de sociedade que protegia e assegurava posto de comandante ideológico-cultural ao catolicismo foi derrubado pela Revolução Francesa e a implantação de novas formatações religião-Estado que foram que, como em efeito dominó, derrubando os sistemas postos nas potestades do mundo moderno. Três séculos após a Revolução Protestante e algumas décadas após a Revolução Francesa, o poderio político e cultural da Igreja de Roma desmoronava, como os próprios papas da época exaustivamente relatam, registrando os acontecimentos e o trauma para o mundo Católico:

"Combate-se tenazmente a nossa Romana Sé de Pedro, na qual pôs Cristo o fundamento de sua Igreja; as restrições da unidade do dia a dia mais enfraquecem e se dissolvem, A Autoridade Divina da Igreja é tida como controversa e, espezinhados são os seus direitos, é submetida a razões terrenas; com suma injúria, fazem-na objeto do ódio dos povos, reduzindo-a a torpe servidão. As Academias e as Escolas ecoam horrivelmente as novas monstruosas das opiniões, que contestam abertamente a Fé Católica, não mais secretamente ou por estradas subterrâneas, mas abertamente e sob os olhos de todos; uma guerra horrível e impertinente se move e, corrompidos os corações dos jovens pelos ensinamentos e exemplo dos novos mestres têm ampliado o fracasso da Religião e a perversidade dos costumes, que aumentaram amplamente. Por isso, rompido o Freio da Religião Santíssima, que é o Único em que os reinos são firmes e o poder e a autoridade de qualquer domínio permanecem, vemos campear a ruína da ordem pública, a desonra dos governantes e a perversão de toda autoridade legítima; a origem de tantas calamidades devemos buscá-la na conspiração daquelas sociedades, nas quais se depositou, como em sgabe, quanto de sacrilégio, subversivo e blasfemo acumularam a impiedade nas mais ínfimas heresias e seitas de todos os tempos. (...)".

Em 1773, os maçons portugueses conseguiram uma grande vitória sobre os tentáculos católicos no Brasil-Colônia, a ordem dos jesuítas foi suprimida e expulsa (itinerário que se repetiu na Espanha, com o fim das Guerras Liberais, a retomada conservadora e a Década Abominável, o que ficará para outro post) e temos a Questão Religiosa, na França, a expansão ideológica napoleônica avança e temos a Revolução de 1830, no México o imperador pio Agustín de Iturbide foi fuzilado e temos a Guerra Cristera, no Equador, o Imperador Garcia Moreno foi assassinado por liberais maçons, na Áustria, o beato Imperador Carlos foi deposto e exilado, nos países protestantes, a Revolução Protestante se consolida e, na Itália, os liberais conquistam os Estados Papais e unificam nacionalmente o país.

Em 1802, é fundada no Brasil a Primeira Casa Maçônica em Pernambuco. Em 1817, a instabilidade política já abala o trono com a Revolução Pernambucana. Conseguindo conter as revoltas e, pressionado pela Igreja, D. João VI em 1818 proíbe a Maçonaria no Brasil e em Portugal. Com esforços de repressão tímidos, a Maçonaria atenua sua presença em Pernambuco e ressurge no Rio de Janeiro com José Bonifácio, que funda três Casas Maçônicas no Brasil e o Grande Oriente (sendo ele seu Primeiro Grão-Mestre), às vésperas da Guerra de Independência (1821-1824), que por sua vez ocorre no contexto da Revolução Liberal do Porto, em Portugal. Em 7 de Setembro de 1822, a independência do Brasil organizada por José Bonifácio e D. Pedro I é proclamada.

Com o triunfo político da independência e a aproximação com o imperador, a elite liberal e maçônica brasileira chega aos veios da Administração do Estado. Agora, diferentes instituições do Estado terão por maioria ou serão controladas ou por religiosos e conservadores ou por liberais e maçons, num conflito que culminará com a Questão Religiosa.

Atritos com os liberais levam D. Pedro I a renunciar em 1831. Com poder de comando na Regência e tendo José Bonifácio ficado como tutor de D. Pedro II, quando o garoto sobe ao Trono, parte das instituições da Administração Pública já está colonizada por liberais, uma Reforma Liberal fora realizada e liberais e maçons já se encontravam bem instalados na organicidade estatal. Em maior ou menor grau, eles representavam oposição ao espírito do Brasil. Defendiam industrialismo em contraposição a um país agrário, feudal, liberdades de consciência, de crença, religiosa, laicidade, abolição do trabalho escravo, maior autonomia às províncias, etc. O menino D. Pedro II cresce com essas influências e é penetrado por elas bem mais do que seu pai. No contexto internacional, o papa são Gregório XVI inicia uma virulenta campanha contra o liberalismo e a condenação da sociedade moderna em bloco, como com a publicação da Encíclica Mirari vos.

De 1835-1837, o padre Diogo Feijó - de tendência liberal-moderado, um herege, é eleito. Tenta fundar o Partido Progressista, que não vinga. Mas seus adversários conservadores criam o Partido Regressista. Feijó era execrado pela Santa Sé, por discordar de indicações ou contraindicações do papa e por defender o fim do celibato sacerdotal. O padre Feijó renuncia e os conservadores conseguem colocar como regente Pedro de Araújo Lima, que passa a desfazer as reformas liberais do Estado: suprime o Código Penal de 1830 e o Ato Adicional, aumentou a centralização de poder, diminuiu a autonomia provincial e ampliou o controle sobre as polícias e o poder judiciário. Com várias divergências, explode em 1842 as chamadas Revoltas Liberais.

Sob o comando de Rafael Tobias de Aguiar, a chamada Coluna Libertadora foi formada e marcharia até a capital paulista para depor o Presidente da Província barão de Monte Alegre e abortar o desmonte do Estado Liberal embrionário. Em Minas Gerais, combates e muitos mortos prenunciam a queda do Barão de Cocais. Contudo, a Revolta foi suprimida pelo Barão de Caxias, mas os liberais conseguem vitória parlamentar e antecipam a maioridade do Imperador, pondo vim ao gabinete conservador.

O contexto de caos e revoltas por diferentes partes do território (a exemplo, cite-se a Balaiada no Maranhão, a Guerra dos Farrapos no RGdo Sul e até mesmo fragmentos da Cabanagem no Grão-Pará) ainda não estavam encerradas quando a coroação de D. Pedro II foi antecipada, em 1841.

Aqui, a relação entre Estado-Igreja no Brasil encontrava-se numa fase herética chamada de Regalismo. O Regalismo foi uma evolução histórica do Cesaropapismo. Nela, os líderes seculares não são diretamente líderes religiosos, mas são legitimados pela religião e exercem a palavra final sobre a administração das coisas religiosas. Em contrapartida, atribuem à Religião privilégios estatais. Foi muito influente na Europa moderna e contemporânea e em suas colônias. Em 1870, o Concílio Vaticano I condenou essa forma de organizar o Estado como uma heresia, chamando-a de josefismo, galicanismo e febroanianismo. No Brasil, o Regalismo tomou o nome de "Regime de Padroado", que conferia ao Estado a responsabilidade pela construção de templos, pela organização das irmandades, pela indicação de sacerdotes e bispos às suas respectivas jurisdições e pelo seu sustento material, os seminários, ordens, seus estatutos, tudo passava pelo governo para ser aprovado, de modo que os religiosos eram funcionários do Estado. Em contrapartida, O Estado proibia o acesso de outros religiosos ao Estado, privilegiava a Igreja e coibia o culto de outras religiões, além do Imperador ser dotado de placet (beneplácito), que estabelecia que sem a concordância do Executivo, as decisões e instruções de Roma eram inválidas nacionalmente. Ou seja, o Estado tinha, em menor ou maior grau, o poder de controlar a Igreja. Essa tênue relação foi quebrada por um esforço ainda mais agressivo do sucessor de São Gregório XVI, o papa São Pio IX, para retornar ao estilo de vida medieval. Condenando o liberalismo, a maçonaria e os ideias de Liberdade promovidos pela modernidade como abomináveis "obras de Satanás".

Numa dança do Trono em que a Igreja tentava perseguir os liberais e os liberais tentavam diluir o poder e a influência da Igreja, em 19 de Maio de 1855, Dom Pedro II golpeou as Ordens Religiosas cassando as licenças concedidas para a entrada de noviços na ordem dos franciscanos. Afrontada, a Igreja passou a enviar os noviços à Europa para que, depois, voltassem aos mosteiros no Brasil, o que D. Pedro II também proibiu. Um diálogo entre o benemérito Frei Fidelis d’Avola e D. Pedro II foi registrado na cerimônia de beija-mão. Na ocasião, o frei inquiriu o imperador:

– Majestade, rogo que seja franqueado de novo o noviciado.

O imperador respondeu:

- Qual o quê? A época dos frades já passou.

O frade retorquiu:

– Majestade, não diga assim, porque por aí também andam a dizer que já passou o tempo das cabeças coroadas.

Na década de 60, as primeiras reclamações mais incisivas de bispos sobre a situação religiosa do Império são registradas. Aqui é importante registrar que, na época, o episcopado diocesano no Brasil era dividido em 12 territórios, cada um com seu bispado (hoje, temos 312 ativos e 169 eméritos). Então, se por um lado o número reduzido ajudava no controle do Império sobre a Igreja, por outro, o poder de cada bispo era muito grande, num contexto social em que grande parte da população era católica razoavelmente devota. Desses 12, destacam-se na Questão Religiosa os bispos Dom Vital Maria de Oliveira (Bispo de Olinda, compreendendo a jurisdição das províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe), Dom Macedo Costa (Bispo do Pará, compreendendo a jurisdição das Províncias do Pará, Amazonas e atual Rondônia e Roraima), Dom Pedro Maria de Lacerda (Bispo da Corte e principal do Brasil, compreendendo a jurisdição das Províncias da capital do Brasil, Espírito Santo e Santa Catarina) e Dom Antônio Viçoso (Conde de Conceição e Bispo de Mariana, compreendendo a jurisdição da Província de Minas Gerais e parte de São Paulo).

Outras encíclicas vieram insistindo na condenação, como a Quanta Cura (1864) e o Syllabus Errorum (1864), mas os documentos eram cada vez mais ignorados. Estarrecido, o papa convocou o Concílio Vaticano I em 1869 para condenar o liberalismo, visando reestabelecer esse arredio político que o magistério estava perdendo, mas o Concílio foi abortado e terminou não-concluso, porque as tropas liberais sob o comando de Victor Manuel II invadiram Roma e obrigaram Pio IX ao refúgio. No Brasil, em insurgência, liberais como o senador Antônio Barros discursavam com veemência: "Levantemo-nos, meu amigo, e apressemo-nos em combater o inimigo invisível e calado que nos persegue nas trevas. Ele se chama espírito clerical, isto é, o cadáver do passado; e nós somos o espírito liberal, isto é, o obreiro do futuro." Enquanto isso, o Barão de Paranapiacaba, o ministro da Justiça Nabuco de Araújo e Tavares Bastos, expoente do partido Liberal retaliavam a Igreja insistindo que as desigualdades e situação de inferioridade de outros religiosos frente aos católicos criavam injustiças e dificultavam a imigração de prussos, ingleses e suíços, condição essencial para o país crescer e superar a escravidão. Do outro lado, a Maçonaria financiava a vinda de evangelizadores e missionários evangélicos dos EUA como uma forma de retaliar a Igreja Católica Brasileira e quebrar seu monopólio religioso, que a conferia tanto poder político.

Em 1863, D. Pedro II assinou o Decreto 3073 que alterava a configuração dos seminários, promovendo nova onda de críticas por parte dos católicos e conservadores. No mesmo ano, o Grande Oriente do Brasil divide-se em dois: Grande Oriente do Brasil ao Vale do Lavradio (cujo Grão-Mestre é José Paranhoso, Visconde de Rio Branco e Presidente do Conselho de Ministros de D. Pedro II) e o Grande Oriente Unido do Brasil ao Vale dos Beneditinos (cujo Grão-Mestre é o maior jornalista do país na época, Saldanha Marinho - que também era líder de confraria). Lembrando que Jornalistas concentram um grande poder de influência social na época, compram, articulam e influenciam jornais, assim como o segundo homem mais poderoso do país era Grão-Mestre, já que o cargo de Paranhoso equivalia a algo como um Primeiro-Ministro atual, só que mais turbinado.

Os conflitos foram se acirrando até que, em 3 de Março de 1872, ocorre uma homenagem no Rio de Janeiro ao Visconde de Rio Branco, comemorando o fato de que era dele a autoria da Lei do Ventre Livre. Na homenagem, o padre Almeida Martins discursou elogioso ao Grão-Mestre que foi destaque nos jornais. Em retaliação, o Bispo Dom Lacerda suspendeu o sacerdote do exercício, o que inflamou ambos os Orientes, desencadeando uma série de embates no Parlamento e na imprensa. Aqui, o termo "jesuitísmo" é frequentemente utilizado num tom pejorativo para descrever os católicos ortodoxos. Nos dois meses seguintes, em novas provocações, Dom Lacerda recuou e a Maçonaria se viu vitoriosa, no que foi tomado como uma vitória dos Liberais sobre a Igreja da Corte.

Paralelo a isso, em 1868, o jovem padre de 24 anos Dom Vital (seu processo de canonização – assim como de outros santos da época - está tramitando no Vaticano) voltou da Europa e está ensinando Filosofia no seminário de São Paulo. Ganhando fama, D. Pedro II aparentemente achou que seria interessante indicá-lo - um rapaz jovem, descolado, polilingue, inteligente - para suceder o bispado de Olinda, Dom Francisco Cardoso Ayres. Dom Vital chega à diocese de Olinda em 17 de Março de 1872. Em 29 de Março, proíbe a celebração de uma missa de sétimo dia para um importante maçom nordestino e, em resposta, os jornais iniciaram ataques, respondidos pelo bispo com uma carta circular pastoral proibindo interações e envolvimento em celebrações com maçons, condenando o ecumenismo e o diálogo interreligioso, assim como divulgação de uma série de documentos do magistério da Igreja condenando a Maçonaria e o Liberalismo. Era um radical ultramontano (pio) nato.

Também deu início à publicação de uma série de medidas e decretos censurando irmandades e confrarias que tinham membros maçons e punindo padres com posturas amistosas, incluindo alguns que se relacionavam com figuras políticas destacadas, que ele fez questão de citar os nomes. Mais ataques contra os bispos por parte dos jornais.

Em 28 de dezembro, Dom Vital escreveu ao vigário da freguesia de Santo Antônio recomendando que exortasse o Antônio da Costa Ribeiro, maçom e membro da irmandade do Santíssimo Sacramento, a se afastar da maçonaria sob pena de excomunhão. Caso se negasse, que fosse expulso da irmandade, e assim o vigário procedesse com todos os outros leigos que integrassem a maçonaria. A irmandade se negou a cumprir as ordens porque seus estatutos não previam expulsão por tal motivo, uma vez que a maçonaria era autorizada a funcionar no Brasil e os estatutos das irmandades tinham aprovação do poder civil. O bispo repetiu a ameaça, e como novamente a irmandade se negou, lançou sobre ela um interdito.

A Irmandade recorreu à Coroa em 28 de Março e levantou sérios debates sobre o relacionamento Igreja x Estado. O Recursos da Irmandade foi aceito e o presidente da Província dr. Henrique Pereira de Lucena interpelou D. Vital, exigindo explicações. O Bispo não se retratou e alegou em sua defesa que o beneplácito de D. Pedro II era condenado por Roma e as bulas papais eram claras quanto à disciplina empregada à matéria em questão: Maçonaria e Liberalismo. Ouvido o procurador da Coroa, este julgou que o bispo exorbitara de suas atribuições, invadindo a jurisdição do juiz de capelas, e encaminhou o caso ao Conselho de Estado, formado por 11 ministros + D. Pedro II.

Mas, antes da resolução do Conselho de Estado, Dom Macedo Costa sai em defesa de D. Vital e também decreta a expulsão de todos os maçons das irmandades e confrarias, e caso estas resistissem, seriam interditadas. Também excluiu os maçons do sacramento da absolvição e da sepultura em terreno consagrado (os cemitérios eram controlados pela Igreja), esticando a corda até seu limite.

Seguido ao Decreto de D. Macedo, três irmandades recorreram ao presidente da Província, que encaminhou a demanda à Coroa. Em 12 de Junho, o Conselho de Estado condenou por 10 votos a 1 D. Vital, declarando que ele excedera suas competências, dando-lhe o prazo de 1 mês para levantar o interdito sob pena de se tornar réu no Supremo Tribunal de Justiça. D. Vital não apenas não acatou a ordem, como redirecionou sua artilharia contra o próprio Estado: "Ou o Governo do Brasil declara-se acatólico, ou declara-se católico. Se o Governo brasileiro é católico, não só não é chefe ou superior da Religião Católica, como é seu súdito e a ela deve estar submisso".

No mesmo dia, D. Vital recebeu a resposta do papa a respeito de consulta que havia feito na qual abordava a situação de duas confrarias ligadas a ordens religiosas sobre as quais não tinha poder eclesiástico. O sumo pontífice recomendou através do breve Quamquam dolores que desse o prazo de um ano para que os maçons pudessem se converter e retornar ao seio da Igreja. Se não o fizessem, então o bispo estava autorizado a usar do rigor das penalidades canônicas, como a excomunhão, e até dissolver as irmandades insubmissas. Mas, D. Vital já tinha ido muito além: censurou e/ou interditou outras irmandades e confrarias (grupos similares às Pastorais). Em outra carta pastoral chamada "Premunindo os seus Diocesanos contra as Ciladas e Maquinações da Maçonaria". Já D. Macedo também publica Carta Pastoral semelhante chamada A Maçonaria em Oposição à Moral, à Igreja e ao Estado, em que diz: "É o bispo uma sentinela em atalaia e sentinela que não dá o grito de alarme quando o inimigo escala os baluartes, não é sentinela, mas traidor. É o bispo um pastor. E pastor que assiste o lobo entrando para dilacerar o rebanho e não clama alto para expeli-lo, não é pastor, mas mercenário. É o bispo um pai. E pai que vê alguns filhos rebeldes levantarem-se contra sua autoridade e não lhes reprime, sem razão, para exemplo dos demais, não é pai, mas padrasto. Façamos, pois, nosso dever." Segue-se 53 páginas de ataques aos liberais maçons.

Nesse ínterim, e em um novo teste de forças, publicou o documento que recebeu do papa sem autorização de D. Pedro II, contrariando o Art. 102, XIV da Constituição de 1824 e tornando-se réu de desobediência, sob o comentário: "jurei observar a Constituição do Império do Brasil, mas somente enquanto esta não for de encontro as Leis de Deus, que são as da Santa Madre Igreja Católica. Tenho em mãos, um aviso de vossa excelência, por cujo intermédio Sua Majestade, o Imperador me diz: 'Erraste! Retrocede!', e, na outra, o autógrafo do imortal vigário da Infinita Majestade dos Céus e da Terra, por meio do qual o juízo incorruptível de nossas almas me diz: ‘andaste avisado, continuas!’. Outra resposta não posso dar ao governo senão "oboedire oportet Deo magis quam hominibus (Importa antes obedecer a Deus que aos homens)".

Em 2 de Janeiro de 1874, D. Vital é preso e é transportado ao Rio de Janeiro, sendo julgado e condenado a 4 anos de prisão + trabalhos forçados. D. Macedo também é preso em 28 de Abril, assim como vários outros membros do clero que apoiavam a causa dos bispos. Da prisão, os bispos continuam escrevendo e levando a querela adiante. Mas, antes disso, D. Pedro II incumbe o barão de Penedo (maior diplomata do Brasil, junto a Londres) de uma missão junto ao Vaticano. Devia o emissário conseguir o apoio do papa, denunciando que os bispos eram rebeldes e estavam provocando o caos, abalando a concordata entre Igreja e Império. Da mesma forma, o internúncio da Santa Sé no Brasil, Monsenhor Sanguigni e o cardeal Antonelli se articulam com o Império para conseguir a condenação dos bispos, que vem, com o papa censurando Dom Vital, com ordem para que ele restaurasse os direitos das irmandades e recompusesse a tranquilidade geral que ele tão imprudentemente perturbara.

A condenação dos bispos desencadeou uma intensa e apaixonada polêmica em todo o Brasil, repercutindo também no exterior. Em resposta à condenação, D. Vital escreve uma carta e entrega a um padre amigo seu, pedindo que vá pessoalmente a Roma entregá-la ao papa, em mãos. O Vaticano respondeu indignado, alegando que fora enganado pelo barão de Penedo, o qual lhe teria assegurado a imunidade dos bispos - o que Penedo mais tarde negou ter feito. O primeiro protesto chegou através do internúncio Sanguigni, que foi de pronto rechaçado rispidamente por Caravelas. Em seguida o papa escreveu a Dom Pedro ameaçando-o com o juízo divino e dizendo que "quanto mais alto estiver alguém, mais severo será o ajuste de contas. (...) Vossa Majestade (...) descarregou o primeiro golpe na Igreja, sem pensar que ele abala ao mesmo tempo os alicerces do seu trono".

No Senado e na Câmara se formaram partidos diametralmente opostos, um criticando com veemência a atitude do júri, e o outro vendo nela benevolência, e desejando que a pena tivesse sido ainda mais rigorosa. O gabinete do barão do Rio Branco não suportou a pressão e caiu. O duque de Caxias - mais conservador - foi convidado pelo monarca a reorganizar o governo, mas colocou como condição a anistia dos dois bispos. O clamor popular e a exigência do duque fizeram Dom Pedro ceder. Disse ele em nota a Caxias: "A retirada do ministério teria mais grave consequência do que a recusa da anistia.... Faça-o o ministério, mas sem a aprovação de minha parte". Em decreto de 17 de setembro de 1875, a anistia se consumou e os bispos retornaram às suas dioceses, numa aparente triunfo, mas que estava curando um braço machucado colocando-o no liquidificador.

Pouco depois Dom Vital visitou o papa no Vaticano, que o recebeu paternalmente e disse: "Aprovo tudo o que Vossa Excelência fez, desde o princípio". Em 29 de abril de 1876 o papa dirigiu aos bispos brasileiros a encíclica Exortae in ista ditione, reiterando a posição do bispo.

Esse episódio abalou de morte o Império e o imperador não julgou certeiramente de que um novo gabinete menos radical poria fim à questão e à crise institucional que se formou. O divórcio era a única alternativa plausível. O decreto de 19 de abril de 1879 sobre o ensino livre dispensou do juramento de fidelidade ao catolicismo - ou a qualquer credo - aos funcionários públicos das escolas primárias e secundárias, a reforma eleitoral instituída pela Lei Saraiva, de 9 de janeiro de 1881, autorizou que se tornassem elegíveis pessoas de quaisquer religiões, dispensando as missas antes dos sufrágios. Aos poucos os locais de votação alternativos foram sendo criados em substituição às paróquias. Ainda assim, seria excêntrico que um imperador que estava no poder baseado no direito divino de governar, apartasse a religião da institucionalidade do Império. Isso não agradava os liberais. Preocupava ainda mais que, sem herdeiros, quem subiria ao trono seria Princesa Isabel, uma "mulher alienada, devota e pia".

A separação completa só iria ser conseguida na República: a imediata separação entre Igreja e Estado, a plena liberdade de culto e perfeita igualdade estatutária entre todos eles, incluindo a perca de imunidade, as cadeiras garantidas no Parlamento, seus salários, cassação de direitos políticos indevidos, a separação do ensino secular do ensino religioso, a secularização dos cemitérios, dos cartórios, a instituição do casamento civil (e a desvinculação do casamento religioso católico) e do registro civil de nascimento e de óbitos, a rejeição a escusa por motivo de consciência ou credo para não cumprimento de obrigações civis e, é claro, a adoção do regime republicano e do governante como um administrador eleito pautado nos princípios de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Eficiência. Na Constituição de 1891, o nome de Deus nem ao menos fora invocado.

Um resultado prático disso foi um rápido e importante declínio e abdicação das vocações, obrigando a um recrutamento massivo de clérigos estrangeiros para suprir as vagas não cobertas por nacionais. O papa São Leão XIII continuou atacando a Maçonaria e o Liberalismo, mas com a separação, o modus operandi adotado foi simplesmente ignorar o clero como indignos de importância. Declínio de importância que foi progressivamente sendo sentido. Tanto na base dos fieis católicos, que cada vez mais se distanciaram da dogmática romana, como do protestantismo, secularismo, outras religiões e ateísmo que progressivamente estão dissolvendo a catolicidade do país desde então.

A Igreja ignorou a República até a década de 20, subtraindo-se daí situações esporádicas em que o bichinho da indignação coçava demais e os católicos se moviam de forma mais desorganizada para contestar alguma das várias indignidades que estavam sendo cometidas. A exemplo, cite-se o Arcebispo da Parahyba do Norte, Dom Adauto Aurélio de Miranda que lutava "contra o triunfo da Maçonaria" no Brasil, propondo trocar, através da Carta Pastoral Deus e Patria, escrita em 05 de Agosto de 1909, o lema da bandeira Nacional de "Ordem e Progresso" para "Deus e Pátria". Doravante, quando viu que ela não ia cair, passou a criar instituições e reagrupar, buscando ativamente a recuperação dos direitos e privilégios que a República lhe havia subtraído, entendendo que o Brasil era um país católico e que a Igreja era a expressão máxima de sua religiosidade. Invocando novamente princípios do ultramontanismo. Houve, contudo, uma vitória avassaladora sobre os progressistas liberais após a morte do papa São Leão XIII, que culminou com o triunfo da ala liberal sobre os tradicionalistas no Concílio Vaticano II (1962-1965), resultando numa grande revolução interna na Igreja, a ponto de desfigura-la e transformá-la em algo muito diferente do que sempre existiu, então chegamos ao tempo presente.

Falo mais sobre esse relacionamento ao longo da República no post sobre a legalização do divórcio no Brasil, CLIQUE AQUI para ler.


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